28 fevereiro 2006

 

Arrependido mas pouco


O proto-historiador nazi Irving, que se tinha declarado em tribunal arrependido de ter negado os crimes do nazismo, em entrevista na prisão reafirmou as suas convicções revisionistas. Segundo a estimativa de Irving, Auschwitz tinha apenas duas pequenas camaras de gás, não tendo sido local de genocídio. Irving estima em contradição com a convicção geral dos historiadores que coloca o total de mortes judias em 6 milhões, que terão morrido “somente” 1.4 milhões. Mas a mais risivel afirmação do prisioneiro foi a sua (tentativa de) negar a existência de um plano de extermínio dos judeus por parte do Terceiro Reich, porque: “conhecendo nós a feroz eficiência dos alemães, se houvesse um plano de extermínio de todos os judeus, como é possível que tantos tenham sobrevivido?” Nao sei o que é mais horrendo se negar o assassínio de milhões se confissão que 1.4 milhões é pouco porque “tantos” sobreviveram.

 

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27 fevereiro 2006

 

Estado de abandono


O abandono dos idosos pela família e pela sociedade é um dos piores problemas do Portugal de hoje. Uma das mais tristes realidades relaciona-se com o abandono nos hospitais de gente que trabalhou uma vida inteira e a quem não é garantido o mínimo de dignidade. A notícia seguinte dá-nos uma pequena ideia desta sórdida e cruel realidade.



"São cada vez mais os idosos que chegam aos hospitais com problemas de saúde e ali são abandonados a ocupar camas e a sofrer com este abandono que, em alguns casos, só acaba com a morte.

O Hospital Fernando Fonseca (Amadora-Sintra) contabiliza, pelo menos, um «caso social» por semana.Trata-se de idosos que dão entrada na urgência hospitalar com problemas associados à idade ou situações crónicas agudizadas e que, após alta clínica, ninguém os vem reclamar. Luís Cunha é o director do serviço de urgências do Hospital Fernando Fonseca e, em declarações à Agência Lusa, mostrou-se preocupado com esta situação, que traduz uma cada vez maior «desresponsabilização pelos idosos».

Uns chegam acompanhados por familiares - que depois nunca mais os vêm ver e muito menos buscar -, outros pelos serviços de emergência médica e, como vivem sozinhos, não têm condições para regressar a casa. Outros ainda são deixados pelas instituições (lares) que alegam não ter condições clínicas para os acolher. Chegam aflitos e assim permanecem, apesar de curados das maleitas físicas. Em alguns casos, como explicou Luís Cunha, ganham depressões por terem o discernimento suficiente para entender que foram abandonados. Não é que falem sobre este abandono. Sentem-se envergonhados e cultivam o silêncio em redor deste assunto. Outros, os que estão inconscientes por causa das incapacidades físicas e mentais resultantes da doença que os conduziu ao hospital, estão livres da consciência deste desamparo. Por esta razão, desde Novembro que tem aumentado o número de idosos internados e de altas clínicas que não são seguidas da natural saída do hospital e transformam os doentes em casos sociais.

O Hospital Fernando Fonseca não é o único a braços com este problema. No Hospital Curry Cabral, os casos sociais são uma verdadeira dor de cabeça para o presidente do conselho de administração. Pedro Canas Mendes contou à Lusa que este hospital contabiliza dezenas de casos sociais, alguns dos quais com alta clínica há meses. O Hospital Curry Cabral, em Lisboa, tem actualmente cerca de dez por cento das suas camas ocupadas com estes casos sociais. «Não os podemos pôr na rua, porque somos humanos e a nossa função é salvar vidas», disse. No Hospital de São João, no Porto, um quarto dos cerca de 450 doentes atendidos diariamente na urgência tem mais de 65 anos e esta percentagem tende a aumentar.

de Sandra Moutinho, para Lusa
Fonte: Diário Digital "

26 fevereiro 2006

 

Sacudir a água do Capote


Nenhuma ideia tinha de Truman Capote ou do seu livro In Cold Blood (1966) antes de ver este filme. Assim qualquer comentário que tenha a oferecer sustenta-se nas impressões de duas horas de ficção cinematográfica. É a correspondência entre a ficção e o passado que quer representar, que surge como problemática deste filme (se filmes podem ter problemáticas uma vez concluídos). É a mesma problemática que assombra o género da novela não ficcional de que In Cold Blood é obra seminal. Capote conta o processo de redacção do livro, como o autor se envolveu com as personagens do crime para o escrever. In Cold Blood conta o crime como realidade objectiva colorida com os poderes do novelista. Ambas ambicionam o título de não ficção.

A não ficção cinematográfica constrói-se num crescendo de tensão entre Capote e o acusado Perry Smith. O último revela candidamente o seu passado ao novelista que em troca lhe fornece advogados e apelos à sentença de morte. Ao clímax do filme, quando Capote está prestes a concluir o seu livro revolucionário, uma conversa definitiva extrai “a verdade” sobre a noite do crime. Os motivos do assassino contudo, não elucidam, confundem, são os mesmos que se banalmente se esperam de monstros assassinos, uma decepção após duas horas de filme, e calculo muitas páginas de leitura. Quando finalmente termina o seu livro escrito no idílio da Costa Brava, Capote tenta esquecer os acusados porque precisa destes executados para publicar a obra.

É revoltante, embora o filme não o denuncie, que a estes homens tenha sido negada qualquer defesa contra o que Capote vende como não ficção, como objectividade. Será possível novelar o passado e manter objectividade? Escusando-se de analisar provas, ou argumentos, porque os acusados já estão executados e é assim matéria irrelevante, o livro de Capote pôde novelar como se a verdade fosse transparente. Acreditar nesta objectividade depende da confiança na voz do autor, que ele fale a verdade contra qualquer artifício novelista. Mas Capote é sem possível defesa um congénito mentiroso, que manipula os acusados, e lhes deseja a morte.

O filme como o livro, parece considerar irrelevante a questão se Perry Smith e Richard Hickock foram de facto os assassinos, ou que o justo castigo é a pena de morte. Mas esse seria o único tema objectivo, tudo o resto é imaginado. O filme, que se diz não ficcional, imagina o movimento das emoções de Capote na sua relação com os criminosos. O livro, que se diz não ficcional, imagina as emoções das personagens do crime. A novela não ficcional parece-me assim esconder-se da não ficção para fazer novela.

25 fevereiro 2006

 

Loving county, Texas


Loving County é um distrito deserto no meio do Texas. Tão deserto que não tem sistema de água, nem banco, nem médico ou hospital ou cemitério. Mas tem um café (aberto de manhã), um posto de correio, uma estação de gasolina e um tribunal. O nome da terra é uma homenagem a Oliver Loving, um cowboy que foi morto por índios por altura da guerra civil americana. Loving County pode ser um distrito deserto, mas não escapa a historia! Três dos seus jovens combateram no Iraque e a terra recebeu 30 mil dólares do governo para melhorar o sistema de rádio, na luta contra o terrorismo.

A capital é uma cidade pacata, mas ainda assim, o xerife Hopper, ex-técnico de armas nucleares da força aérea, faz patrulhas diárias acompanhado de duas caçadeiras e uma AK-47. O diligente xerife confessa que a sua maior dor de cabeça é arranjar doze jurados que não tenham relações familiares com o réu. O xerife ganhou o mandato contra o filho do anterior xerife, numas eleições em que acabaram empatados, 41-41, mas que venceu na segunda volta por 51-38. É um exemplo da democracia à Americana, sendo que o total da população é de 52, de acordo com os últimos censos, ou de 71 segundo o próprio xerife!

24 fevereiro 2006

 

(Multi)bancos


"Não é possível perpetuarmos os levantamentos em ATM [Multibanco] indiscriminadamente sem qualquer custo para quem o faz". Quem o diz é o administrador do BES, António Souto, num recente ressurgimento pelos bancos da questão do Multibanco. Os bancos estão agora mais unidos, embora as sugestões variem.

Compreendo a problemática do BES, especialmente agora que tem de ter mais cuidado com as lavagens de dinheiro.

Quanto à Banca em geral:
- Não lhe basta o Multibanco poupar nos balcões e funcionários;
- Não lhe baste ter taxa de IRC reduzida;
- Não lhe basta ter lucros gigantescos e a crescer;

Quem se fode é o mexilhão que não pode por o dinheiro debaixo do colchão e que ainda anda a pagar para que o banco tenha lá o seu dinheiro (quando a taxa de juro é inferior à inflação).

 

Kilas, o mau da fita


Ontem, a RTP 1 exibiu o fabuloso filme “Kilas, o mau da fita”. Filmado em 1978/1979 pelo realizador José Fonseca e Costa e com argumento de Fonseca e Costa e Sérgio Godinho, juntou um elenco de luxo: Mário Viegas, Lia Gama, Luís Lello, Lima Duarte, Milú, Paula Guedes, Adelaide Ferreira, entre outros. Com muito boa música, só peca por um som pavoroso, característica comum a muitos filmes portugueses.

Gosto de cinema e foi a primeira vez que o vi. Que pena que a RTP não aproveite melhor estas pérolas caseiras. Mas compreende-se porque foi um filme incómodo durante tanto tempo.

Em resumo resumido, o filme relata a história de Kilas (um fantástico Mário Viegas, que saudades…), um chefe de pequenos meliantes, que é contratado no maior secretismo por um “Major” (Lima Duarte) para vigiar uns “comunas”. Quando eles verificassem a permanência de todos as pessoas de uma lista (identificadas por fotografias), Kilas deveria telefonar para determinado contacto. Tal originou uma explosão por uma bomba colocada pelo Major e seus biltres. À posterior recusa de Kilas em continuar a colaborar, o seu lugar-tenente sobe na hierarquia. É o diálogo entre este, Tereno, e o Major que eu transcrevo a seguir (perdoem-me os erros e simplificações, mas foi só de ouvido):

(…)
Major – “O povo recusou os totalitarismos, de direita e de esquerda. Em vez deles preferiu a liberdade.”
Tereno – “Mas o meu major é a favor desta coisa dos votos? E se ganharem os comunas?”
Major – “Mas isso é contrário à democracia. Se eles ganharem a gente rebenta com eles.“
(…)

 

O vírus liberal


Andando por outros fóruns, lendo e discutindo outros interesses, surge uma proposta de nacionalização da Kodak. Sim, essa, o gigante que veio dos EUA. A lógica parecia simples: com a revolução digital na fotografia, a empresa planeia abandonar por completo toda a produção relacionada com filme até 2008. Sendo a fotografia uma forma de arte, propunha-se que o governo dos EUA nacionalizasse as fábricas de produção de filme, papel fotográfico e químicos da Kodak, garantindo assim a continuação de uma arte, preservando milhares de postos de trabalho altamente qualificados e instalações de alta tecnologia (sim, o filme está fora de moda mas o seu fabrico actual exige alta tecnologia). Independentemente de se concordar ou não com a argumentação, o curioso foi ler as cerca de 90 (!) respostas à proposta. Enquanto uns procuravam contrariar a ideia com as lógicas do mercado, outros limitavam-se a repetir cegamente um conceito, e cito:

"Let them fall were they will, government intervention is not right."

Assim. Cegamente. Sem justificação, sem argumentação, sem dados ou fundamentação política. Parece uma doença, um vírus certamente - pela incrível capacidade que tem de resistir à argumentação - e que estabelece esta verdade absoluta e aparentemente inquestionável: governo não.

23 fevereiro 2006

 

Mulheres na história

Que a história é escrita pelos vencedores, já nós sabíamos. Mas é sempre interessante relembrar que o foi sempre pelos vencedores homens...

Porque as mulheres também estavam lá.


 

Nota Interna


Já temos doutora!
O dia, chuvoso, 23 de Fevereiro 2006.
A hora 15 e 18.
O resultado, o melhor: "no changes"!

Hoorah!

 

O crescimento e o crédito


Já se sabia que os portugueses deixaram de ser poupadinhos no início dos anos 90. Do país da UE com maior taxa de poupança há 15 anos atrás, baseámos o suposto "crescimento económico" e a almejada "convergência com os 15" dos anos 90 no recurso ao crédito. E a bolha vai rebentando, devagarinho. Os dados não mentem, os salários reais estão a cair há 10 anos, o poder de compra a ir-se, e o consumo não pára. Quem se lixa são os carros...Passámos também de um dos parques automóveis mais antigos da UE para um dos mais modernos numa dúzia de anos. Afinal somos ricos, não sabiam? É só passar o cartão dourado...

 

Corrupção no poder local


Na continuação da polémica troca dos terrenos da Feira Popular e do Parque Mayer entre a Bragaparques e a Câmara Municipal de Lisboa de Santana Lopes surgiu mais um desenvolvimento. Um dos responsáveis da Bragaparques terá oferecido 200 mil euros ao actual vereador José Sá Fernandes para que este retirasse a queixa no tribunal e afirmasse que o projecto era bom para Lisboa. No entanto, este e o irmão, o advogado Ricardo Sá Fernandes pelo qual a Bragaparques tentou usar como intermediário, meteram a polícia ao barulho, resultando em gravações de diferentes conversas.

O que espanta neste caso não é o acto em si, que é muito comum, mas o à vontade com que se tenta corromper mais um político. Nas últimas eleições autárquicas tentou-se personificar o “eixo do mal” em quatro candidatos “independentes”, a saber Isaltino Morais, Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras e Avelino Ferreira Torres – dos quais se destaca este último, quer por ser o único condenado, quer por fortes suspeitas de assassinatos. Os Partidos que durante tantos anos apoiaram estes candidatos demarcaram-se deles (à excepção do PP que manteve uma posição ambígua relativamente a Ferreira Torres) para fingir mostrar uma atitude inflexível face à corrupção. Os quatro acabaram por ser usados como exemplo, tal como Vale e Azevedo e os outros poucos condenados de colarinho branco. Não é que não acredite que sejam culpados, muito provavelmente o serão de todos e mais alguns crimes. A questão é que se desvia a atenção dos comportamentos abusivos e inaceitáveis de numerosos autarcas – mesmo sem contar com algumas irregularidades necessárias face à pouca operacionalidade de certas leis. O (des)ordenamento do território é talvez a maior prova disso mesmo.

O caso da denúncia de José Sá Fernandes vem desvendar mais alguns dados interessantes. Qual é o responsável de uma empresa que age sem conhecimento dos outros responsáveis, nomeadamente envolvendo estas quantias? Se havia 40 mil contos para Sá Fernandes quanto terá havido para outros...

 

O que cá faz falta são 3 Bushes


Primeiro vieram por causa das armas. Como as armas não estavam lá, vieram para libertar o povo da opressão. Como a opressão continuou lá, vieram para manter a segurança. Como a insegurança continuou lá, vieram para dar parte do poder de volta. Como deram parte do poder de volta, e continua sem haver grande motivo para que eles tinham vindo, fico à espera da próxima. Se calhar vieram defender o habitat de uma ave em extinção, ou qualquer coisa assim parecida. Mas como as coisas têem corrido até agora, se calhar ainda morria por causa da Gripe.

 

A espiral do império


Quando ontem ruiu numa explosão o santuário al-Askari, lugar santo da fé xiita, fez-se mais uma volta no correr da espiral.

O Iraque não existe. No lugar de uma nação ficou um mosaico de bases americanas a proteger pipelines e poços de petróleo, campos de tortura, áreas livres onde as milícias são o Estado, e os oficiais eleitos em democracia vigiada, que se escondem nos palácios da ameaça de assassinato. Face à afronta ao santuário milenar, as milícias xiitas saciam a indignação com protestos, que se seguem de ataques a população sunita (pelo menos é o que se ouve dos media).

É este o modelo de gestão do império, criar conflito e guerra civil. Sob a bandeira da paz, a intervenção Americana no Iraque (como antes na Jugoslávia) separa os povos para o bem da sua paz, sunitas para um lado, xiitas para outro. A separação faz-se a cada passo mais irreconciliável quando de ambos os lados se reifica a diferença em dois Estados diferentes, fés que agora tem milícias, governos regionais, e partidos. O exército agressor justifica-se com a crise que criou, está afinal a impedir a guerra civil. Na propaganda paternalista, o bom império Americano é sempre uma força relutante que só aceita ser polícia para o bem do outro.

Quem se deixa cair nesta espiral perde-se dentro da sua vertigem. Só fora dela seremos livres.

22 fevereiro 2006

 

Dinheiro fácil?


Todos os residentes em Portugal são frequentemente agredidos com as campanhas de crédito directo. Na rua ou na televisão abunda o assédio e as promessas de crédito fácil, na hora e baixas mensalidades. As empresas benfeitoras são: Cofidis, Credibom, Cetelem, Credifin e GE Money. Por exemplo, foi “interessante” ver a intensificação da publicidade na altura do Natal, quando as pessoas estão mais vulneráveis, ou no princípio do ano escolar, para o pagamento do livros das criancinhas.

No entanto, quando a esmola é muita, o pobre deve desconfiar. Como já muitos vinham denunciando, e como o DN apurou (20 de Fevereiro), este dinheiro fácil pode esconder taxas anuais até aos 28 %! É só fazer as contas...

 

O “Timorense”


Quem é que me sabe dizer quem é o Timorense que distribuiu mais medalhas em Portugal?

 

Nuclear em Portugal


Estão loucos? Então e quando a ONU começar a cair-nos em cima, e os inspectores, e as sanções?!

21 fevereiro 2006

 

As barbas do terror


Michael Winterbottom é o realizador sensação da cinematografia inglesa. Há pouco mais de um ano fez escândalo com 9 Songs que visitava os limites do respeitável para roçar no pornográfico. Seguiu-se Cock and Bull Story, um filme sobre fazer um filme, inspirado num livro sobre escrever um livro, que não se deve traduzir bem além das ilhas britânicas. O seu trabalho mais recente é televisivo, The Road to Guantanamo, narrando o sequestro de três britânicos, Tipton Three, o seu transporte para o campo de tortura de Guantanamo e o relato do seu pesadelo de dois anos.

Regressava o notável realizador com o elenco do seu filme, após exibição honrosa do mesmo no Festival de Cinema de Berlim, quando o grupo é retido pela polícia no aeroporto de Luton, nos arredores de Londres. Evocando as novas leis anti-terrorismo, os actores do filme foram detidos e brevemente questionados. Tardiamente perceberam as sempre alertas autoridades que o caso podia desembocar em embaraço. Entretanto já haviam prometido a um dos actores detê-lo por 48 horas sem direito a advogado, prontamente apreendendo o seu telemóvel.

Teria piada se não fosse esta já ocorrência banal, como depois garantiu a policia, que inocentes sejam tomados como suspeitos ou culpados por brandir uma barba ou uma túnica.

 

Banir a mentira


David Irving pseudo-historiador inglês foi julgado e condenado por um tribunal Austríaco a três anos de prisão pelo crime de ter negado a ocorrência do Holocausto. No final dos anos 80, Irving visitou a Áustria para pregar que a morte de milhões de judeus era um invenção, e que Auschwitz nunca tivera câmaras de gás. A condenação de Irving, ao que sei, é a primeira efectuada com um conjunto de novas leis que a maioria dos países da Europa Central redigiram para defender a memória do Holocausto.

Eis uma coisa bem feita! Este senhor faz parte de uma legião neo-nazi que quer apagar os crimes do fascismo europeu no meio de um incompetente revisionismo histórico. Para cúmulo da mentira e da manipulação, ensina que o Fuhrer e a ideologia nazi foram vítimas de uma conspiração internacional de governos e académicos. O lugar dele é calado e na prisão. Só me queixo que a justiça austríaca, que se mostra tão firme com este cidadão britânico, não reproduza a mesma determinação acusando os nazis que acolheu em exílio no seu território - não é um pasquim esquerdista que nota a dualidade de critérios, é o centro Simon Wiesenthal.

Irving declarou-se culpado, e de seguida arrependido. Após a sentença, Irving declarou-se pasmado, e de seguida irado. E já temos quem o faça de mártir pela causa da liberdade de expressão.

Por propaganda dos meios de comunicação social, do qual José Manuel Fernandes se faz pontífice em Portugal, a liberdade de expressão é hoje entendida como uma não legislação, como um deserto legal. Isso é obviamente falso. O que é dito e não dito não é livre em absoluto, há quem decida o que se diz e não se diz, há escolha. Quem detém os meios de produção da expressão em massa é quem decide, a liberdade de expressão é privada. Os media detêm o monopólio da palavra, da imagem e do som, e a escolha recai na ditadura do editor. Assim se entende a paixão de JMF e seus compinchas em manter a expressão não legislável, para que o Estado não infrinja no seu monopólio que é todo o seu poder.

A minha posição é que a decisão sobre o que é legítimo ou não expressar, deve sair dos gabinetes dos editores e ser sujeita a debate político. Mentir sobre os crimes do nazismo e do fascismo, querer apagar a verdade histórica, atenta contra as nossas liberdades e deve ser publicamente banido. Se pudéssemos legislar contra a mentira, talvez hoje não se morresse o que se morre no Iraque, talvez não tivéssemos os governos que temos, talvez não andássemos confusos perante as convulsões deste mundo.

20 fevereiro 2006

 

24h para destruir o estado de direito


A promiscuidade entre a indústria de cinema e televisão e poder político dos EUA é algo conhecido e históricamente registado. Durante a guerra fria, os inimigos eram sempre os russos, fosse qual fosse o tema do filme. Nos anos 90 aparece o Saddam, ridicularizado até na saga "Ases pelos ares". Hoje em dia, é preciso legitimar a "guerra contra o terrorismo" e demonizar o muçulmano (ou o árabe, muitas vezes nem se faz a distinção). Acompanhando com alguma regularidade uma série de sucesso internacional, "24", que por cá passa na :2, vemos mais uma vez o mecanismo a funcionar. Para quem não está dentro da história (quarta série), um grupo terrorista (árabe, claro) esteve 5 anos a planear um atentado nos EUA, onde tentam provocar uma fusão em todas as centrais nucleares do país. A história parece ter sido encomendada pela administração Bush. Além de cultivarem o ódio e a desconfiança do "outro", neste caso, mais uma vez, do árabe, alimenta-se ainda mais a paranóia de que qualquer um pode ser terrorista. Afinal, na série, todos os membros viviam no país há pelo menos 5 anos e eram membros destacados e exemplares da sociedade. Para legitimar ainda mais a política de Bush, é frequentemente repetida a ideia de que terroristas não têm direito às regras normais de um estado de direito. Não há advogados, há prisões sem acusação, interrogatórios onde se legitima a tortura com a necessidade de salvar o país...É a política do ódio, do olho por olho, é a ideia de que com "essa gente" não se negoceia, extermina-se, numa série que está a ter um enorme sucesso não só nos EUA, mas por todo o bloco ocidental...

 

Esse estranho Hollywood


“People have been saying this is the gay cowboy movie, but it is much more than that! (pausa) This a gay shepherd movie.” Estas são, de duvidosa memória, palavras do discurso do produtor de Brokeback Mountain que ontem recebeu o prémio de melhor filme da British Academy of Film and Television Arts. Brokeback Mountain levou na sacola melhor argumento adaptado, melhor actor secundário, melhor realizador, e claro, melhor filme. O filme que George Bush não viu e não comenta, é favorito nas casas de aposta, a 1/5 de probabilidades para vencer o Óscar de melhor filme, com o competidor mais próximo, Crash, a 5 para 1.

Neste ano mostro pouca resistência à gripe dos Óscares, ou genericamente aos resfriados dos prémios da indústria cinematográfica. É uma febre moderada que origina numa lista de filmes com uma infecção social. Não são genericamente filmes de agitação política, são mais vezes morais e moralistas, mas não se escondem das temáticas da nossa crise social. Em quase todos ainda conseguimos comer pipocas porque não pretendem grande coragem cinematográfica (Brokeback até nisso supera a concorrência), mas são filmes sem heróis e sem vilões, histórias humanas de agora. Crash visita a solidão e violência da vida moderna, com as suas muralhas de betão e metal, preconceito e racismo com que nas nossas cidades se separam as classes. Munich questiona com intimidade as certezas morais do estado israelita. Good Night and Good Luck ao historiar o fim do terror de Joe McCarthy, é um aviso sobre os recentes atentados à liberdade de expressão nos EUA, e ao dualizar do discurso político. São estes os filmes nomeados para os Óscares!

E quem apresenta os prémios de Hollywood este ano? Jon Stewart!? Alguém tem paracetamol? A febre agrava-se…

19 fevereiro 2006

 

Estratégia de sequestro


Noticia a BBC que o governo israelita decidiu reter 50 milhões de dólares de créditos alfandegários devidos à Autoridade Palestiniana, e que “apertariam” controlo sobre pessoas e alimentos entrando na recém “libertada” Gaza. Os territórios palestinos são totalmente cercados por colonatos ou postos militares israelitas, não há comunicação entre a Palestina e os seus vizinhos árabes que não seja mediada por Israel. Corolário desta prisão, é que um dos principais rendimentos do imberbe estado Palestiniano, taxas alfandegarias são retidas em Israel e só são retribuídas por “bondade” sionista.

Começa assim o jogo do empurra. Um jogo de pequenas e grandes agressões que pretende testar a vontade do governo Hamas a acatar a ética de parceiro negocial nos termos impostos por Israel. Ehud Olmet, primeiro-ministro israelita, exigiu com estas medidas que o Hamas reconheça o estado de Israel. O pedido parece à primeira vista sensato e não se vê motivo para o recusar. Contudo, semelhante admissão do Hamas sem contrapartida negocial equivale a sancionar as presentes fronteiras e privilégios do estado sionista, e abandonar a fundamental e justa exigência de um regresso às fronteiras de 1967, ou pelo menos algo que se aproxime disso. Israel começou a negociar e fá-lo com chantagem, e fá-lo com imposição.

As vozes que vem do Hamas são para já contraditórias, há quem recuse qualquer negociação com Israel, mas há também quem desde cedo a procure. Qual destas posições dominará depende também da resposta da União Europeia. O gigante alemão, pela assertiva Angela Merkel e pró-choque das civilizações CDU, tem rejeitado o novo governo palestiniano. Se esse contexto permanecer inalterado, sendo-lhe negada a legitimidade que ganhou nas urnas, resta ao Hamas regressar à luta de rua e aos ataques suicidas.

18 fevereiro 2006

 

Meio mundo de fome


O plano das Nações Unidas para reduzir para metade o número de pessoas que passa fome até 2015 falhou dramaticamente. Se os “avanços” que se têm feito continuarem ao ritmo actual, será preciso um século (em vez de 10 anos) para chegar ao objectivo proposto.

Segundo a Associação Americana para o Avanço da Ciência, em 2015 haverá mais 100 milhões de pessoas a passar fome, a juntar aos 850 milhões que existem hoje. Na África Subsariana, o número de pessoas malnutridas aumentou de 170 milhões para 203 milhões nos últimos dez anos. E desde o início dos anos 80 que o número de crianças mortas à fome não diminui: dez por minuto, 6 milhões por ano. Isto sem falar do agravamento da pobreza, iliteracia e doenças associadas à fome. Julga-se que dois mil milhões de pessoas sofrem de “fome escondida” ou desnutrição: apesar de não sofrerem de malnutrição técnica, a sua dieta é extremamente pobre e não inclui nutrientes vitais. Mulheres e crianças são particularmente atingidas, por exemplo, 140 milhões de crianças vivem no limiar da cegueira por falta de vitamina A.

 

Paletes de gás natural


Para quem acha que as vitórias de esquerda na Venezuela e na Bolívia pouco poderão influenciar o plano político sul-americano, eis algo a considerar.

A Venezuela planeia um projecto de 7 anos para a criação de um gasoduto sul-americano, orçamentado em 20 mil milhões de dólares (estou a tentar evitar um comentário do Mbeki...). Terá 8,000 km de comprimento, e destina-se a criar uma rede de gás natural que poderia suplantar quase todas as necessidades de gás natural no continente. Tal projecto iria cortar com a ridícula dependência energética que se fez sentir desde sempre na América Latina. É inexplicável como a Venezuela, um dos maiores produtores de petróleo mundiais, em 100 anos nunca tenha exportado um único barril de petróleo para o Brasil, Argentina,... pequenos gigantes industriais vizinhos. Em vez disso, toda a política energética tem sido feita em função da lógica imposta por políticas corruptas, manipuladas por FMI e EUA,...

Talvez não seja uma grande fantasia esperar muito destas pequenas conquistas...

 

Cala-te pá!


Num dos tascos da vizinhança, a ovelha-negra reflectiu sobre a actualidade de uma política anarquista. A resposta dos visitantes foi de pânica perplexidade – anarquia é termo para sumária e ritual condenação, não é tema para as sinapses.

Para aqueles que saltitam de blog em blog a comentar à esquerda e à direita, esta reacção não surpreende. Algures no código genético da moderação e bons costumes está inscrito que “anarquista” é insulto. O termo está a par com “terrorista”,”comuna” ou “anti-americano” numa lista de impropérios que têm entrada no dicionário. Estes são títulos para desferir em momentos de frustrada raiva. Arremessam-se estes termos em frases curtas e solitárias quando o debate entre opostos ideológicos já vai longo e sem resolução. Na física da retórica são como buracos negros, singularidades de massa infinita que pela sua gravidade engolem tudo o que se disse. É uma espécie de: “cala-te!” No momento seguinte, sobram só três tristes opções: a) não responder e abandonar a alarvidade; b) esgrimir com equivalente acidez; c) ofertar uma despedida cordial e altiva. Inevitavelmente a discussão finou. O curioso é que são projécteis que não ferem. Como outro vizinho dizia há uns tempos, ser comuna é para a gente motivo de orgulho. A conversa termina não pelo insulto ter aberto um armário de esqueletos mas pela violência no arremesso, na inegável intenção de anular a conversa, de negar a nossa voz. Aprende-se uma grande lição nesses momentos, o conversete não nos leva muito longe.

16 fevereiro 2006

 

Silogismos


As mulheres constituem 51% da população mundial.

40% dos jornalistas são mulheres.

Logo, as notícias nos meios de comunicação mostram uma população de 80% de homens.

E esta, hem?

 

digam três vezes Baden-Württemberg muito depressa


Na região de Baden-Württemberg (Alemanha) está a ser discutida a inclusão de um exame de cidadania a proponentes de religião muçulmana. De facto, uma das coisas que me confundiu na terra foi a necessidade de divulgar a religião no momento em que se regista a morada. Achei bizarro. Outro pormenor é o da região apresentar-se como ponta-de-lança numa série de inovações em regras de "boa-integração": proibição de lenços na cabeça e a discussão de testes pré-escola linguísticos (crianças que queiram frequentar a escola pública terão de apresentar já um certo nível de alemão, caso não passem no exame são colocados em outras turmas).

Desde Janeiro tem vindo a surgir ainda outra medida. Para aceitação da cidadania, o indivíduo muçulmano terá de responder a uma série de perguntas de cidadania e de moral, para ver se "passa bem no contexto civilizacional da Alemanha". Pois...

O link para um artigo sobre o caso encontra-se aqui. Mas vamos lá a dar uma olhadela a algumas das perguntas traduzidas... (desculpem se não estiver grande coisa, mas dá para perceber)

(...) [bla bla, cabeçalho, oh, aqui está uma interessante](...)

1. O empenho pela Ordem democrática e livre, na base da Constituição da República Federal da Alemanha, envolve o ordenamento de valores dessa mesma Constituição, cujo conteúdo é válido para todos os Estados da União Europeia. Nestes incluem-se entre outros:
- a defesa da Dignidade Humana
- o Monopólio do Estado sobre a Violência (...)
- assim como a Igualdade de Direitos entre Homem e Mulher.

Representam os pontos acima a sua visão pessoal?
(...)

2. O que pensa sobre as seguintes frases:
"Democracia é o pior sistema de Governo que temos, mas também o melhor que existe."
"A Humanidade nunca viveu um período tão negro como quando em Democracia. Para que o Homem se liberte da Democracia, deve ele em primeiro lugar compreender, que a Democracia não lhe pode dar nada de Bom"
(...)

20. O seu filho/irmão chega a casa e conta-lhe que foi molestado sexualmente. Que faria enquanto Pai/Mãe/Irmão/Irmã?
(...)

23. Ouviu falar dos atentados a 11 de Setembro de 2001 em Nova Iorque e a 11 de Março de 2004 em Madrid. Do seu ponto de vista, foram os bombistas Terroristas ou "freedom fighters"? Esclareça a sua resposta.
(...)

28. A sua filha candidatou-se a um emprego na Alemanha. Ela recebe no entanto uma resposta negativa. Mais tarde você descobre que uma negra africana da Somália ficou com o lugar. Como se comporta?

29. Imagine que o seu filho vem ter consigo e lhe explica que é homossexual e que gostaria de viver com outro homem. Como reage?
(...)

No fundo o esquema é simples. A pena por mentir neste questionário é a anulação da cidadania, e caso as autoridades encontrem algum muçulmano em excessos relacionados com as perguntas, têem poder para isso. Um "Loop-hole" no nosso democrático paraiso Europeu.

 

Bárbaros somos nós


A propósito das novas, hediondas imagens de americanos e britânicos a torturar prisioneiros iraquianos, o editor diplomático da BBC disse que “o choque de culturas está-se a tornar tema diário”. Se isto é choque de culturas, então os bárbaros somos nós. Nós é que somos as bestas que violamos prisioneiros e cuspimos-lhes na cara.

15 fevereiro 2006

 

Devagar, devagarinho…


A Juventude Socialista anunciou um anteprojecto lei que pretende legalizar o casamento civil. É já uma tradição do PS que em matérias de costumes sejam os juniores a dar a cara, um estilo que todos compreendemos, são temas de menor monta para o partido que governa. Estes projectos-leis antecipam semelhantes propostas pela esquerda parlamentar, e servem sobretudo de cobertura para desculpar o parlamentares do PS quando vetarem as iniciativas do PCP ou do BE. No final dos joguinhos, ficamos com a versão diluída de progressismo, esterilizada pelo compromisso.

Mas neste caso, temos um aspecto de interesse adicional. O anteprojecto da JS foi pré-apresentado como reconhecendo aos casais homossexuais o direito à adopção, ponto que foi agora retirado. A justificação para esta reviravolta é simples, o anúncio foi feito antes de contar apoiantes dentro do partido, e os graúdos não aceitam a medida.

Segundo o Presidente da JS é preciso vencer: “Não queremos fazer fogachos mediáticos. É preciso ter calma para obter resultados e vencer.” Currículos políticos fazem-se de vitórias. E o Presidente da JS e os seus assistentes não querem manchar a carreira com excessos de apaixonada convicção. Portanto segue-se com serena paciência, "Este texto é um ponto de partida para a discussão, vamos também organizar um semanário para os deputados do PS sobre este assunto. Temos consciência que qualquer alteração legal neste domínio só lá vai com o PS", afirmou Pedro Nuno Santos, frisando: "Só o PS pode decidir isto, Mais ninguém!" O Jovem Socialista não quer melindrar os seus colegas. Entretanto, a politica fica reclusa nos bastidores, alegadamente para deixar o PS debater. “Mantemos a discriminação em relação à adopção, é verdade, mas discriminação já existe hoje. Vamos lentamente. Vamos discutir e legalizar o casamento. Temos de fazer uma gestão política deste assunto.” Enquanto faz “gestão politica”, o Presidente da JS constrói alianças e solidariedades dentro do seu partido que lhe servem só a si, não lhe custa muito ser paciente.

Será que o palco do Parlamento só serve para encenar vitórias? Será assim tão temível o risco de perder esta votação? Forçar os deputados do PS a revelar o que pensam sobre o assunto? Será que a politica tem de ser este jogo de silêncios e orquestrada encenação?

 

O populismo e o fascismo em Itália


Ainda não tenho uma posição clara sobre a questão das caricaturas de Maomé. Mas uma coisa que me parece clara é que a orgulhosa republicação das referidas imagens não é certamente um acto de liberdade de imprensa ou de expressão. Em Itália, o governo de tendências fascistas de Silvio Berlusconi volta a mostrar a face. O ministro da Reforma institucional, Roberto Calderoli decidiu imprimir t-shirts com as famosas caricaturas para usar e distribuir. A justificação nitidamente xenófoba, que deixa transparecer um belicismo em relação ao "outro", e mesmo algum ódio, mostra bem o cariz da personagem, bem como a fibra do governo de Berlusconi que, é preciso não esquecer, prometeu abstinência sexual durante a campanha. É neste populismo extremo que se sustenta o sistema político italiano. Se houver uma concentração do poder, passsamos rapidamente para um modelo típico de fascismo, já que o discurso já lá está. A questão importante agora é, e tendo em mente a reeleição de George Bush no ano passado, o que vão fazer os italianos?

 

Verde por fora, vermelho por dentro


Num planeta onde ainda se matam milhões à fome, as militâncias verdes são por vezes caprichosas e erram o alvo. Não nutro simpatia pelas incursões paramilitares de grupos de defesa dos direitos dos animais - com atentados bombistas a centros de investigação universitários, ameaças e ataques a indivíduos. Não vejo mérito na campanha que se difunde das escolas e dos media, culpabilizando o consumidor por não comprar “verde”, como se a degradação ambiental fosse gerada pelos actos do consumidor indolente e pouco informado.

Pondo de parte estas diversões revela-se uma causa que não se pode ignorar. O modelo tecnológico formado pelo motivo do lucro envenena o planeta. Se o que dirige as nossas economias é a busca do lucro, este é cego às suas consequências ambientais. Se o que move as nossas economias é a força do trabalho alienado, é indiferente que finda a jornada os trabalhadores durmam entre o lixo, se molhem em chuva ácida, e sufoquem na poluição em massa. Que o planeta se faça num deserto não preocupa o capital, porque este só habita agoras, na sua cegueira o amanhã é sempre longe demais.

A esquerda não está sozinha em reconhecer que a causa ambiental é incompatível com o “mercado livre”. À direita, os mais libertários apoiantes do ideal americano recusam as evidencias do aquecimento global com retórica científica, criando controvérsia onde esta não existe. O seu objectivo é adiar acção, para mais umas décadas de lucro selvagem, mais biliões que se acumulam. É pela urgência de agir, que precisamos saber mais sobre as alterações climáticas que vivemos. É preciso provar, imune de qualquer dúvida, que ocorre um aquecimento antropomórfico do planeta. É preciso saber.

Antes de ir para a rua gritar, podemos participar na investigação. A proposta vem de uns senhores em Oxford que querendo publicar uns artigos na revista Nature, oferecem em troca umas simulações atmosféricas projectando o futuro da nossa sociedade global. Pedem tempo no nosso CPU quando saímos para ir beber o café, para aprender o efeito dos oceanos no aquecimento global. Querem constituir uma rede global de computadores pessoais para compor os cálculos dos seus modelos. A inventar formas de combater a tecnologia com tecnologia, o virtual contra o fabril. Será dialéctica?

14 fevereiro 2006

 

O amor nos tempos de cólera


Não são só os românticos que gostam do dia dos namorados, os vendedores também, especialmente os de postais, flores e chocolates. Só na Grã-Bretanha, gastam-se 2.4 mil milhões de libras no São Valentim (cerca de 3.5 mil milhões de euros).

151 milhões de libras em flores,
26 milhões em postais,
384 milhões em chocolates.

Lovely!

 

Guantanamerda


Em resposta a uma greve de fome dos reclusos de Guantanamo, e receando o efeito internacional a uma morte no campo, oficiais americanos decidiram actuar directamente sobre a subversão. Os responsáveis do campo admitem que prisioneiros têem sido colocados em "restraint chairs", sendo alimentados por tubo e impedidos de regorgitar. Detidos que têem participado na greve são igualmente colocados em isolamento para evitar que os companheiros os incentivem. E isto é apenas a versão oficial. Segundo números do Lt. Col. Jeremy M. Martin, o número de reclusos em greve de fome é agora um total de 4, quando no fim de Dezembro se tratavam de 84.

Os advogados dos prisioneiros kuwaitianos relatam ainda outras acções dentro do campo. Por exemplo, detidos terão sido alimentados por tubos inseridos nas cavidades nasais até ao estômago, enquanto imobilizados por polícia anti-motim.

Deslumbrante, este mundo de Liberdade...

 

A azia da Europa


Após a Segunda Guerra Mundial, e em resposta à escassa mão-de-obra disponível para levar a cabo a reabilitação da Alemanha, sucedeu nos anos 60 uma das maiores ondas de imigração da história desse país. Os denominados "gastarbeiter" (trabalhadores convidados) tinham origem em Portugal, Itália, Espanha, Grécia, Jugoslávia e especialmente da Turquia. Destinados para trabalhos de limpeza, contrução civil, na Indústria Automóvel, os "convidados" deixaram-se ficar.

Extraordinário ao ponto que o Capital chega, chamar centenas de milhares de pessoas por necessidade, e procurar a partir do momento em que não são necessários devolvê-los para países onde essas almas deixaram de ter laços. Tudo por falta desse tão precioso exército, os desempregados. Ainda outra curiosidade, o "gastarbeiter" 1,000,000 foi um português (em 1964). Recebeu uma Moped.

Claro que o não retorno deste exército mal desejado cria alguma azia. No fundo, apesar de neste momento salvarem uma Segurança Social sumptuosa que não lhes é garantida no final dos seus anos de trabalho, são fonte de mal estar para muita gente. E quando há falta de trabalho, quando as horas são aumentadas ou o salário reduzido, é o turco no comboio a explicação para os males da nação (curiosamente, mais do que os italianos ou os portugueses). São mais identificáveis, com os seus lenços, cor de pele, hábitos distintos. As razões para os males desaparecem, fica o desconforto dos convidados que ficaram. E o Capital rejubila. Afinal, sempre é melhor uma guerra cultural do que uma guerra de classes.

13 fevereiro 2006

 


 

O obediente José Manuel Fernandes


Apesar das suas multiplas falhas, José Manuel Fernandes tem uma enorme virtude - respeito e lealdade pelo seu patrão. Quando a SONAE anunciou a OPA à Portugal Telecom, JMF não poupou tinta para louvar a coragem da iniciativa.

Trata-se de uma operação financeira que motiva orgulho pátrio: "numa reacção ao PÚBLICO, um dos empresários mais bem sucedidos na nova geração, Filipe Botton, manifestou-se “orgulhoso” por este movimento, a par com a compra da Galp por Américo Amorim, mostrar “que existe gente com coragem em Portugal e empreendedora”."

Uma medida a pensar no bem da nossa economia. A proposta de Belmiro assegura “três valores que sempre defendeu: maior concorrência, uma estratégia coerente e planos viáveis de internacionalização. Belmiro de Azevedo, tal como Paulo Azevedo, presidente da Sonae.com, sempre criticaram a posição dominante da PT no mercado português" E em imediata contradição, em bom estilo-JMF, "Como a simples fusão entre a PT e a Sonae.com criaria um gigante quase monopolista, ambos avançaram ontem com propostas que visam assegurar, no futuro, um mercado mais aberto à concorrência onde os consumidores sejam melhor servidos e existam mais estímulos para inovar e progredir."

Tudo isto devemo-lo a um homem, um rebelde do capitalismo: "Belmiro de Azevedo é que nunca actuou como “empresário do regime”: mais depressa se comportou de forma desalinhada, porventura desabrida. Teve conflitos com quase todos os governos dos últimos 20 anos, alguns deles bastante sérios e envolvendo acções judiciais."
"A OPA lançada segunda-feira pela Sonae (...) só está ao alcance de um grande empresário. (…) Belmiro de Azevedo, aos 67 anos, abalançar-se ao que considerou ser “a sua maior operação” é uma lição de vida reconfortante num país onde muitos mais novos reclamam a passagem à reforma"

JMF conclui que “Num país apático como Portugal, o choque desta operação pode ser uma excelente terapia.” Qual é o choque? Que os poucos fiquem cada vez mais ricos, que o PUBLICO se associe ao monopolista das comunicações nacionais, e que as acções que o editor do PUBLICO detêm da Sonae GPS aumentem de valor? Com terapias destas não admira que andemos todos doentes.

 

Um novo Messias!


Após ter sido ridicularizado por se ter comparado a Napoleão, Sílvio Berlusconi corrigiu a sua prodigiosa imaginação comparando-se a Jesus Cristo. Muito clarifica esta nova alusão, e entende-se melhor a sua promessa de não ter relações sexuais com a esposa durante a campanha eleitoral. Na altura dessa promessa, julguei que se tratava de episódico e ridículo populismo para amealhar uns votitos da direita senil. Afinal, tem um significado mais profundo e patológico: é um fenómeno de demência eleitoral. O intrépido Berlusconi explora os limites do absurdo, e tudo dirá para regimentar a direita católica a seu favor. É de aproveitar, talvez o convençamos a espetar-se numa cruz.

12 fevereiro 2006

 

Vidas Musicais


O género “biopic” (filmes biográficos) não nos tem oferecido grandes obras. Walk the Line é talvez o melhor que tenho visto. A narrativa trata as tribulações de Johnny Cash, da sua infância até ao seu casamento com June Carter e aos épicos concertos nas prisões de Folsom e San Quentin de 1968-9. Devia esfumar e espernear de irritação por um enredo que trata tão apoliticamente um dos heróis da guerra civil Americana dos anos 60 e 70. Devia bocejar face à repisada história da celebridade que se afunda num pesadelo de drogas e excesso, e finalmente encontra redenção no amor de uma mulher. Mas comparado por exemplo com Ray ou Ali, Walk the Line é sublime. As personagens não são reproduções andróides das memórias colectivas das celebridades, como em Ali quando somos forçados a revisitar os grandes combates que a narrativa dispensava. Em Walk the Line cada música e concerto tem um papel a desempenhar, são momentos que comunicam algo. Joaquin Phoenix com o seu olhar duro de terror, é mais que um esboço do homem que veio representar, o mesmo não se pode dizer de Jamie Foxx em Ray. É uma boa história, mas uma história que dispensava ser biografia. Ser biografia tem valor meramente promocional.

Para mim a narrativa cinematográfica não serve para a biografia. A boa biografia, à laia de J.P. Sartre ou R. Barthés, é anti biográfica, em oposição às “vidas dos santos” modernas que se vendem em massa, onde se relata: “como fiz uma fortuna,” “como encontrei a fé,” “como venci a droga,” “como venci a doença.” Estas biografias são como catecismos, armas numa batalha pela nossa conformidade ideológica, a querer impor um trajecto universal de vida. Na anti-biografia o biografado nunca nos pode ensinar porque nunca se materializa, permanece sempre em construção e incompleto. Esse biografar é subversivo. Primeiro, porque recusa o “somos assim e pronto,” somos sempre muitas coisas. Segundo, porque revela determinismos sociais que tantas vezes a voz autobiográfica, ou o biógrafo em busca de intimismo com o seu objecto, obscurecem. Para quando uma anti-biopic?!

11 fevereiro 2006

 

Barbies de encomenda


Barbie, a boneca que rende 1.9 biliões de dólares por ano, a um ritmo de venda de três bonecas por segundo, tem agora uma sósia no médio oriente: Fulla, de lenço na cabeça, roupas longas e um tapete de oração cor-de-rosa.

Os criadores de Fulla, com sede na Síria, usam a retórica de como é importante dar às crianças muçulmanas uma boneca com quem se possam identificar, que respeite e transmita os valores muçulmanos. Mas à parte do véu, as duas bonecas são iguais e ambas representam tudo aquilo que uma mulher se deve erguer contra.

É de várias maneiras que Barbie e Fulla reduzem as mulheres ao mesmo, a louras burras. Ambas mostram às meninas a importância de ter um corpo perfeito, o corpo como montra onde se penduram uma infinita lista de acessórios e, o mais fundamental de tudo, comunicam quais as duas grandes preocupações das mulheres: ajudar os pobrezinhos e fazer compras! A Barbie, claro, vai mais longe e na sua versão a pilhas a boneca repete: "Will we ever have enough clothes?", "I love shopping!", "Wanna have a pizza party?", "Math is tough!".

As diferenças entre Fulla e Barbie são de pormenor. Seja na sociedade oriental ou na ocidental, que se auto-proclama como mais aberta e justa, as bonecas têm a lógica única de serem instrumento disciplinar e pacificador das mulheres.

10 fevereiro 2006

 

Frei Blair


Blair instigou a Venezuela a que "respeite as regras da comunidade internacional" se "quer ser respeitada".

Presume-se que este Blair ainda é o mesmo dos planos maquiavélicos sobre o Iraque (ver "Tarde piaram" de 8 de fevereiro no Bitoque), das mentiras sobre as armas de destruição maciça (lembram-se das pressões sobre um perito que acabou por se matar?), e por fim do desrespeito da "lei internacional" na agressão do Iraque.

Imbuído das referências religiosas dos últimos tempos só me resta referir que bem prega Frei Tomás...

 

O povo é sereno


A notícia, com origem no New York Times, chegou hoje às páginas do Público. Pretende-se resolver um paradoxo: se os “cartoons da infâmia” foram denunciados no Egipto a Outubro de 2005, porque é que os protestos só se seguiram em Dezembro? A solução para o problema, dizem-nos, é o evento de uma reunião dos “líderes muçulmanos … num encontro da Organização da Conferência Islâmica (OCI) [em que estes] coordenaram estratégias e "cristalizaram" a crise”. A notícia não oferece comentário, na formalidade de um jornalismo isento e factual.

Mas quem quer factos em lugar de insinuações precisa perguntar o que foi discutido na reunião? Decidiu-se pelos protestos de rua? Decidiu-se pelo incendiar de emabaixadas? De protestar de Marraquexe a Jacarta? Antes temos somente essa “factual” expressão: “cristalizaram”.

Não é precisa grande análise para compreender a mensagem:
- A indignação nas ruas, a que se apelida da ““rua” islamica”, não é sincera.
- A revolta é imposta pela maniqueista manipulação de cléricos sedentos de poder.
- O povo precisa de ser salvo desta perniciosa influência.

Este argumento conhecemo-lo bem. E até sabemos onde nos conduz. A melhor ilustração da finalidade do mesmo, é a confissão do major Americano, depois de ter arrasado uma aldeia vietnamita: "It became necessary to destroy the village in order to save it."

09 fevereiro 2006

 

Sobre terrorismo religioso...


De 1989 a 1999 verificaram-se 163 atentados ou tentativas de atendado a bomba ou fogo-posto e 1905 crimes violentos (incluindo assalto e rapto ou invasão de propriedade). As ameaças de bomba, "hate-mail" ou ameaças por telefone são em número bem superior, foram 21808 no mesmo período. Mortos ou condenações por tentativas de homícidio não consegui discriminar nos dados mas totalizaram 23.

Não estou a falar de nenhum "civilizacionalmente atrasado" país muçulmano, estou a falar de dados sobre a violência dirigida apenas a clínicas de aborto nos EUA e Canada.

P.S: dados retirados do relatório "Incidents of Violence and Disruption Against Abortion Providers" da National Abortion Federation.

 

Sada Says: "Comb the Desert"


Quase 3 anos após a Invasão do Iraque, com bastante tempo para passar o deserto a pente fino, vasculhar discos rígidos e documentos, seria de esperar que a conversa sobre as WMD tivesse estagnado. Nem que fosse com a declaração de Bush "We did not find those weapons." . Mas não. Isto é muito complicado, e há aqui muita coisa que a gente não sabe.

A ideia de que as armas teriam sido transportadas para a Siria não é nova. Talvez não tão valorizada fora dos EUA (tentem ler a edição online da FoxNews durante uma semana, o vosso cerebro começará a sussurrar muita coisa), mas de qualquer forma, continuou em pano de fundo. O elemento novo são as declarações do ex-número 2 da forca aérea iraquiana, o General George Sada. Já exilado nos EUA desde 2002, George veio contar como dois colegas lhe contaram o que se passou. Ah, pois é.

E como é que se conseguiu tal feito? Em Junho de 2002, terá sucedido o colapso de uma barragem na Síria. O Iraque, já pressionado pelas inspeccoes da ONU, toma lá, aproveitou-se da situação. Ofereceram ajuda humanitária à Síria e os espertalhões (agora vem a melhor parte) o que é que fizeram? Tinham dois aviões comerciais, aos quais retiraram os assentos e toca lá a pôr barris amarelos com caveiras na tampa lá dentro. Alguns desses barris também foram transportados por camiões. No total foram 56 os vôos, bem contadinhos.

Então agora vamos lá a rebobinar e a rever esta história. Rebenta uma barragem na Síria, visto que a ajuda humanitária teve lugar durante os poucos meses seguintes, deve ter sido questão de um simples telefonema... Saddam: "Ó colegas, pá, isto eu tenho aqui uns inspectores que vêem de visita e, coisa chata, tenho de arrumar a casa. Vocês não se importavam que em vez de mandarmos ajuda humanitária vos enviássemos 56 aviões cheios de agentes químicos e biológicos? É só até eles se irem embora." Ao qual os sírios terão respondido, "claro", mas tu trata de devolver o corta-relvas que te emprestámos ainda antes da Guerra com o Irão. E isto esquecendo o controle que os EUA tinham sobre o espaço aéreo iraquiano, e que naturalmente nunca pensariam em investigar que raio de ajuda humanitária era aquela que precisava de aviões de passageiros a ir para trás e para a frente 56 vezes.

A própria análise que o George faz do Iraque é apaixonante:

"Iraq has a Christian history that goes back to 79 AD [...] Muslims didn't come in until 600 AD or later. Iraq historically is not a Muslim nation, but is a Christian nation."

(isto provavelmente quer dizer que Portugal é um país bárbaro com algumas raízes mouras, os cristãos só chegaram bem para além do ano 600...)

e ainda

"In my mind, 85% of Iraqis are supportive of the American liberation of Iraq"

Mais pormenores no livro: "Saddam's Secrets: How an Iraqi General Defied And Survived Saddam Hussein". Se entretanto já conseguiram acabar de ler o último do Paulo Coelho.

08 fevereiro 2006

 

Profecias de guerra


O “mistério da profecia” depende da ilusão de que o mundo se move por ordem metafísica, que além das gentes há forcas dirigindo a história. O profeta diz-se o intérprete do mundo que virá, revelando o que ninguém vislumbra. Quando o mundo anunciado se realiza os seus seguidores aplaudem o milagre e certificam-se que o mundo está como devia ser, por ordem maior.

Mas não é assim que a máquina profética funciona. O profeta não comunica com o meta-humano, não prevê o mundo que virá. O profeta, faz outra coisa completamente distinta, cria comunidades de crentes. A profecia tem a banal função de convencer, é um mundo imaginado em busca de crentes. A profecia uma vez convencendo torna-se motor da história, faz história, auto-concretiza-se.

Dados recentes eventos, poderia estar a pensar no profeta Maomé, ou talvez de profetas mais íntimos, como Cristo ou Isaías (mais não conheço). O profeta que denuncio não faz parte do cânon monoteísta, é Professor em Harvard e chama-se Samuel P. Huntington. A sua profecia, com que se rege o debate politico internacional, é o Choque de Civilizações.

A tese do Choque das Civilizações tem todos os elementos da profecia. É um mundo imaginado, porque não existe um confronto de valores civilizacionais, é real o consenso entre Ocidente e Oriente em ambições e valores. O capitalismo é total e uno. Contudo, a ficção convence, e convencendo leva a história consigo. Quem melhor convence é a elite Americana, era afinal para esta que o livro foi dirigido, para formular uma nova missão internacional para os EUA finda a Guerra Fria. Por imposição e jogo mediático, hoje somos nós convidados a ser islamófobos. Os árabes confundidos com o Islão, confundidos com o terrorismo islâmico, são representados como a negação da nossa identidade histórica - um ideal democrático burguês, um laicismo tímido, e o primado da liberdade económica sobre os direitos sociais e culturais. Que esta seja uma descrição incorrecta pouco importa, interessa é fazer acreditar na imaginação do profeta e dos seus acólitos. Porque acreditando vamos combatendo o mundo árabe como se de facto nos separasse algo de substancial. Porque acreditando e fazendo este combate, também eles acreditam que essa guerra é real, e também o mundo árabe se convence da metafísica do Professor de Harvard.

 

Uma no cravo, outra na ferradura


Condoleeza Rice acusa Irão e Síria de incitarem a sentimentos anti-ocidentais... e George W. Bush apela ao fim da violência.

Good cop, bad cop?

 

Quem dá mais?!


PT: BES, Monteiro de Barros e Ilídio Pinho preparam oferta concorrente à da Sonae.

P.S: lembrando-me da história do Rei Salomão, podia-se aproveitar a ocasião para esfatiar a criança... e deixar as mães irem-se embora.

 

Tarde piaram


Sabe-se agora que há três anos atrás, Bush e Blair tiveram um número de encontros em que explicitamente ignoraram as inspecções da ONU e decidiram a melhor maneira de atacar o Iraque. Excertos desses encontros têm várias vezes vindo a público. Os mais recentes incluem citações de Bush a dizer a Blair que os EUA iriam sobrevoar o Iraque com um dos seus aviões espiões pintado com as cores da ONU. Se Saddam disparasse, os iraquianos estariam a quebrar as resoluções da ONU. Noutro excerto, Bush dizia que, se fosse necessário, arranjavam um membro da elite iraquiana que desertasse e mostrasse ao mundo evidências de armas de destruição massiva. E refere ainda o possível cenário de Saddam ser assassinado. Blair por sua vez limitava-se a repetir que estava solidamente do lado do presidente e pronto para fazer o que fosse preciso para desarmar Saddam (excertos da nova edição do livro Lawless World, de Philippe Sands).

Pergunto-me: onde estavam os jornalistas e conselheiros que agora fazem estas denúncias há três anos atrás, antes do começo da guerra? Porque é que só agora aparecem? E é inevitável perguntar também se o mesmo se passará, daqui a três ou quatro anos com o Irão. Será que, tal como no caso do Iraque, só depois de bombardearmos, invadirmos, torturarmos e rasgarmos o país aos bocados se dignarão a dizer-nos a verdade?

07 fevereiro 2006

 

Os candidatos nas televisões


Todos reconhecemos o poder dos media e particularmente da televisão nos desfechos das eleições. Assim, é de esperar uma certa correlação entre a exposição mediática das candidaturas e os resultados eleitorais. Analisando o somatório da visibilidade dos diferentes candidatos das últimas eleições presidenciais em todos os canais de sinal aberto (RTP1, 2, SIC e TVI), obtemos o seguinte ranking: Cavaco (24%), Soares (21%), Alegre (19 a 20%), Jerónimo (16%), Louçã (13 a 14%), Garcia Pereira (6%).
Se quiséssemos estabelecer uma relação causa-efeito entre estes dois fenómenos, encontraríamos que nestas eleições a votação eleitoral é função exponencial da visibilidade.

No entanto, esta agregação é apenas parte do fenómeno em análise, tendo particular interesse identificar e tentar compreender os comportamentos dos diferentes canais. Desagregando os tempos das candidaturas, um dos aspectos mais relevantes é que a SIC ignorou Garcia Pereira e dedicou-lhe quatro minutos – um pouco mais que 1% do tempo dos outros candidatos. A TVI deu-lhe mais de 17 minutos (5%). Tal é a disparidade que, para comparações mais adequadas, fui forçado a pôr de lado esta candidatura na análise referente aos outros candidatos. No entanto, a maior parte da análise é consistente em ambos os casos. Há que ter ainda em conta que a duração da visibilidade mediática nem sempre corresponde a qualidade nessa mesma atenção (afirmo-o com base na confrontação de alguns dos resultados com as opiniões de diferentes pessoas e do bom senso).

Na Televisão Pública, Cavaco teve de longe mais visibilidade e Manuel Alegre teve menos relativamente aos outros canais. Será que se tentou dar corda suficiente a Cavaco ou simplesmente se acolheu o então anunciado futuro presidente? Por canais, a RTP1 foi a que deu menos tempo a Louçã. A 2 foi o canal com maior equilíbrio entre os candidatos. No entanto, esta é significativamente mais institucional, dando inclusivamente mais tempo a Garcia Pereira do que a Alegre. Garcia Pereira obtém aqui o seu máximo com 13% do tempo atribuído.

Quanto à SIC, o canal de Balsemão, foi o que deu menos tempo a Cavaco. Estaria a proteger este candidato, mostrando-o, mas não demasiado? Outro aspecto da emissão da SIC foi o canal que deu mais tempo quer a Soares quer a Alegre, tendo sido o único canal que deu mais visibilidade a este último do que ao ex-presidente. Terá sido presente envenenado ou simplesmente destinado a atiçar a rivalidade entre os dois? Louçã teve aqui a sua maior exposição.

Chegando finalmente à TVI, esta dedica um pouco menos tempo a Louçã. Em contrapartida dá mais a Jerónimo (o qual também tem boa visibilidade na 2). Será mais um resultado do efeito Jerónimo?

Em suma, embora os media construam candidatos vencedores, quantidade não corresponde necessariamente a qualidade. Nalguns casos, face ao manifesto desgaste de determinados candidatos, especialmente Cavaco e Soares, parece que a visibilidade foi inversamente proporcional ao apreço dos canais pelos candidatos. Por outro lado, noutras situações, houve um manifesto desprezar de determinados candidatos. Muitas perguntas ficam no ar esperando resposta. Todas as teorias são bem vindas.


* Baseei-me nos dados disponíveis no DN de 18 de Janeiro, retirados de MediaMonitor, Marktest. Estes dados não incluem os dois últimos dias de campanha. Embora haja uma pequena inconsistência entre os tempos atribuídos pelos diferentes canis e o total apresentado pelo DN (este total não iguala a soma das partes), a análise é consistente para ambos os casos.

 

Betty Friedan (1921-2006)


Escreveu um dos mais famosos livros da literatura feminista americana – “Feminine Mystique”. Com repercussões a todos os níveis da sociedade americana, levantou o véu e mostrou o óbvio mas calado descontentamento por detrás da mulher de classe média. Aquela que tendo estudado muitas vezes para além da licenciatura, ou que tendo desistido de estudar apesar de ter a possibilidade de o fazer, embarcou no sonho americano de ser mãe de família.

Com a ajuda das tecnologias do pós-guerra que então vieram facilitar o trabalho doméstico de muitas mulheres, mais a mãozinha pródiga da publicidade a apregoar a felicidade de fazer da educação dos filhos e da gestão da casa uma profissão que realiza toda e qualquer mulher, criou-se uma geração de mulheres insatisfeitas. Mulheres que, apesar do que tudo à sua volta parecia indicar, não eram felizes, não se sentiam realizadas, e, mais que tudo, não percebiam porquê pois todos lhes diziam que tudo tinham para ter alcançado o céu na terra.

Betty Friedan desvendou este mistério e deu um nome à imagem construída da mulher feliz entre os tachos, os TPC dos filhos e o bife do marido: a mística feminina. Esta mística que aponta a direcção em que os sentimentos devem ir, mas que esquece que estes, teimosos, não desaparecem.

A interrogação sobre este fenómeno iniciou-se com a sua própria situação de mãe de três filhos que tenta conjugar com a actividade profissional. Começando por enviar questionários a antigas colegas de escola e analisando as suas respostas, embarcou então na aventura de entrevistar algumas destas e outras mulheres em diferentes fases das suas vidas. Raparigas prestes a entrar na universidade ou nos primeiros anos do ensino superior que tentavam evitar perguntar-se quem eram e o que queriam ser; mulheres a quem a mística feminina esmagava mas por não ter nome, era apenas um mal invisível; e mulheres que ao entrarem nos quarenta se deparavam com a ausência dos filhos e assim com o desaparecimento de uma das supostas razões da sua existência.

Conheceu mulheres exímias na arte de eliminar toda e qualquer nódoa recorrendo a truques caseiros e que cozinhavam fantásticas tartes de maçã. Mulheres que achavam que eram felizes apenas porque os maridos e filhos o são. Mas eram também mulheres que sentiam uma insatisfação inexplicável, fazendo as delícias dos psicanalistas e da indústria farmacêutica. Mulheres que choravam sem saber porquê, mulheres que apesar de rodeadas de conforto e apesar da felicidade aparente, eram, apesar de tudo, infelizes.

Betty Friedan mostrou assim como os políticos, a comunicação social, as agências de publicidade, conseguiram criar uma imagem da mulher que em pouco ou nada correspondia às suas reais aspirações. E que consequentemente provocava sofrimento. O maior feito de Betty foi mostrar que não havia nada de errado com as mulheres que viviam estes sentimentos de insatisfação. O problema estava na imagem – a mística feminina - a que elas tentavam corresponder. E que simplesmente não podia ser descartado como um problema de “ajustamento ao papel feminino”, ou de bloqueio à sua “realização como esposa e mãe”.

Ao fazê-lo, contribuiu para a consciencialização de muitas mulheres e não só. Nas suas próprias palavras: «My answers may disturb the experts and women alike, for they imply social change. But there would be no sense in my writing this book at all if I did not believe that women can affect society, as well as be affected by it; that, in the end, a woman, as a man, has the power to choose, and to make her own heaven or hell.»

06 fevereiro 2006

 

Impressionante...


OPA: Sonae oferece 9,5 euros por acção da PT

Aguardo curiosamente pelo desenrolar desta história.

 

Get up, stand up


Para celebrar o aniversário de Bob Marley que faria hoje 61 anos.

 

Rumsfeld, Chavez e Hitler


Donald Rumsfeld, um dos arquitectos da agressão ao Iraque, comparou recentemente Hugo Chavez a a Adolf Hitler. Segundo ele ambos teriam sido eleitos democraticamente. Para além disso, demonstrou estar preocupado com a corrupção na América Latina. Isto porque a corrupção dos legitimados pelo povo, mancha a democracia.

Quanto ao primeiro aspecto da questão é falso que Hitler tenha ganho as eleições. Este só ascendeu ao poder através da aliança com determinadas elites (por exemplo, os grandes industriais), nunca tendo obtido a maioria absoluta dos votos. Apenas com a resignação do chefe de governo anteriormente nomeado e com os seus actos de intimidação conseguiu manter o poder, mas não pela via eleitoral. Curioso que Rumsfeld, membro da 1ª e 2ª Administração de George W. Bush, esqueceu-se da muito constestada vitória no 1º mandato com fortes indícios de fraude e logro. Aspecto também interessante é a capacidade de Bush de conseguir financiamento para a sua candidatura. É bonito ver a generosidade de tantas inocentes empresas como Philip Morris, Merryl Lynch, Enron, Pfizer. Quanto a Hugo Chavez, este tem merecido até hoje a confiança do eleitorado, apesar de ter a oposição das poderosas elites Venezuelanas, que inclusivé dominam e utilizam agressivamente todas as televisões privadas.

No que diz respeito à sua preocupação com a corrupção, se esta fosse genuína devia começar pela sua própria Administração. A lista de favorecimentos, negociatas pouco claras e evidente mau uso de dinheiro estatal não faltam. No Iraque, a atribuição de contratos para a operação de ataque, ocupação e agora de “reconstrução” tem constituído um regabofe para muitas empresas, das quais se destaca a Halliburton, ex-empresa do Vice-Presidente Dick Cheney. No Afeganistão até o director do Banco Mundial para o país, Jean Mazurelle, considera a situação inacreditável. Neste país, “...várias centenas de estrangeiros recebem, também por dia, entre 500 (413 euros) e 1000 dólares. (...) A maioria são norte-americanos, pagos pela ajuda americana e subcontratados através de empresas como a Bearing Point ou a construtora Louis Berger”*. Para se ter uma ideia o Washington Post estima que a construção ou renovação de edifícios tenha custado 4 vezes e meia mais do que seria razoável.


* Público, 1 de Fevereiro de 2006.

 

Cartoons e terrorismo


Sei que venho atrasado, efeitos da info-exclusão. Aqui vai um texto de sábado:

A polémica da representação do profeta Maomé tem-se prolongado e inclusivé despoletado reacções mais volentas. Já tinha abordado superficialmente esta questão num artigo anterior (Fundamentalismos e “Um traço distintivo chamado liberdade” de 1 de Fevereiro), mas pelas proporções tomadas creio ser necessário voltar a abordar a questão. Sendo que os cartoons eram diversos, o que chegou ao meu conhecimento era a representação da cabeça do Profeta com um rastilho a sair do seu turbante/bomba. A associação entre o Islão como um todo ao bombismo/”terrorismo” vem, no contexto actual, necessariamente tomar uma posição marcadamente anti-islâmica que nem George W. Bush se atreve assumir.

Sendo que apenas é mais uma acha para a superioridade moral do Ocidente propalada por alguns sectores, acabou por funcionar ela própria como o acender do rastilho de uma situação já de si tão precária. Exemplos referem-se à questão da Palestina, da ocupação do Iraque (em que a Dinamarca participa - tendo sido o quarto país a declarar a guerra) e até mesmo na recente polémica com o Irão. A assimetria das posições tomadas comparativamente a outras países, nomeadamente Israel (ques eestima ter 200 ogivas nucleares!!!), deixa mossas. Desta forma, pode-se estabelecer paralelos com a ida de Ariel Sharon, então ainda na oposição, ao Pátio das Mesquitas em Jerusalém, a qual na altura desencadeou uma nova Intifada.

Muitas têm sido as vozes no Ocidente, especialmente no meio jornalístico, solidarizando contra a “censura”. De facto, é natural que muitos destes jornais sintam dificuldade em compreender o porquê do incómodo causado pela simples publicação de uns cartoons, quando a maior parte destes jornais publicaram e publicam frequentemente peças de descarado apoio à agressão e ocupação do Iraque. Quanto ao argumento da liberdade de imprensa só me resta rir. Toda a gente sabe, especialmente os que estão ligados ao meio, que a maior parte, se não todos os jornais e jornalistas são mantidos sobre rédeas firmes. Afinal, quem manda é o dono e a margem de manobra raras vezes é larga o suficiente para se ir contra o status quo.

O último aspecto que gostava de abordar é a comparação entre estes cartoons e, por exemplo, o cartoon de António com o anterior Papa com um preservativo no nariz para mostrar a “nossa” superioridade civilizacional. Os cidadãos do país que 30 anos após uma ruptura com um passado conservador e medievalista continua incapaz de oferecer uma educação sexual e afectiva à sua população ou sequer cumprir a actual lei de Aborto por fundamentalismo religioso, seria melhor que olhassem para o seu próprio país. Para além disso, tenho certeza que caso aparecesse cartoons sobre Jesus (o mais correcto homólogo de Maomé), muita tinta correria.

 

Microsoft em Portugal II


Já por aqui se lançara umas farpas às recentes notícias da Microsoft em Portugal. Agora que a febre da visita do Bill Gates parece ter passado, façamos uma análise do que se passou. Bill Gates visitou Portugal na qualidade de executivo da Microsoft, e não na qualidade de presidente da fundação de beneficiência que criou com a mulher. As notícias dos protocolos assinados com o governo português que vão permitir a alguns milhares de trabalhadores terem formação em informática suportada pela Microsoft (totalmente? - confesso que não conheço este pormenor) é, antes de mais, um negócio, e não uma acção de beneficiência como por vezes a nossa comunicação social acabou por transmitir, ao confundir frequentemente as duas situações. E qual é o interesse da Microsoft em oferecer formação? Obviamente, a formação será feita nas aplicações Microsoft, e isso criará uma dependência dos produtos de Bill Gates. Portanto, Bill Gates veio a Portugal subjugar a população portuguesa, torná-la dependente, o governo agradeceu e a comunicação social aplaudiu. A verdade é que a Microsoft precisa de assegurar estes mercados, sobretudo devido ao desenvolvimento do software livre que começa a sair da sua influência - veja-se o Linux ou o fenómeno Firefox. Há poucos dias, o sociólogo espanhol Manuel Castells comentava ironicamente em Lisboa que a tendência da sociedade de informação era a de criação de software gratuito. A única excepção era a Microsoft e tudo o que lhe está associado, e o problema é que essa é uma excepção que domina o mercado...No final, Bill Gates saiu de Portugal com a imagem de grande filantropo, que veio oferecer formação à nossa mão de obra pouco qualificada, quando na verdade veio assegurar um negócio de vários milhões de euros durante anos. Pergunta final: em tempo de "vacas magras", de congelamento de salários, despedimentos e aumento de impostos, quanto poupam em licenças de software os países europeus que usam programas "open-source" na sua administração pública?

05 fevereiro 2006

 

Elliot Carver II


Elliot Carver: Don't you realise how absurd your position is?

James Bond: No more absurd than starting a war for ratings.

 

Elliot Carver I


E quando as "notícias" de um dia servem para criar as do dia seguinte?

 

CIA, Chavez, e os Cuban Five


O direito internacional não é simétrico, pelo menos assim o entende os EUA. Segundo esta doutrina algumas nações dispõem de poderes de excepção. Na sua auto-proclamada função de polícia do mundo, os EUA são isentos das responsabilidades que se exigem a nações menores. Ao resto do mundo cabe aceitar esta “realidade da vida.”

Foi o que Hugo Chavez recusou aceitar. Quinta-feira o governo venezuelano anunciou que ia expulsar um dos adidos de Defesa da Embaixada Americana acusando-o de espionagem. O Departamento de Estado Americano num gesto de diplomacia de jardim-escola respondeu expulsando o número 2 da Embaixada Venezuelana. Contra o diplomata venezuelano não há queixa alguma, trata-se de assumida retaliação. Assim se ensina que os agentes americanos têm total impunidade e qualquer desvio deste entendimento será punido.

Mesmo na heróica e congregadora luta contra o terrorismo, a missão civilizacional para o século XXI, a Casa Branca reserva para si o monopólio de decidir quem são os terroristas. São ignorados os repetidos pedidos de Cuba para que os EUA investiguem os grupos de exilados que operando de Miami, promovem uma campanha de intimidação e terror sobre a ilha. E num caso célebre, há sete anos que cinco Cubanos estão detidos em prisões americanas sob a acusação de espionagem. Os acusados não negam que investigavam as actividades das organizações de exilados nos EUA, defendem-se apenas com o direito de proteger a nação cubana do terrorismo. Mas bem mais precioso que a paz e segurança do povo cubano, é a inviolabilidade do território americano a agentes de outras nações. Quatro dos Cubanos cumprem prisão perpétua, e um 75 anos de detenção. Assim se ensina que terror é só aquele que aflige os interesses americanos.

04 fevereiro 2006

 

Justiça de fachada


O novo juiz no julgamento de Saddam Hussein já deixou claro que não vai autorizar que Saddam ou qualquer outro dos réus façam denúncias sobre a ocupação Americana do Iraque, sobre a ilegalidade da invasão ou o tratamento que têm recebido na prisão. Sempre que um dos réus ataca a ocupação, é expulso da sala. Assim, no primeiro dia de audiência ficaram quatro réus até ao final da sessão, no segundo dia apenas três e no terceiro nem um. Mas não se fica por aqui, o juiz tratou logo de substituir os advogados de defesa de Saddam por outros, apontados por si. Até a BBC pergunta, como é que um julgamento sem réus, com uma equipa de advogados apontada pelo tribunal e em que o juiz foi condenado a prisão perpétua durante o regime de Saddam Hussein pode alguma vez ter legitimidade? Não pode e não tem.

03 fevereiro 2006

 

Caricaturas



Confesso que demorei até conseguir apontar no papel as ideias que tinha sobre o tema. E aqui as deixo ao frio, ainda mal cozinhadas da minha cabeça.

A liberdade de expressão deve ser utilizada como qualquer outra liberdade, as quais sem excepção têm regras. Sem querer cheirar a mofo, "a minha liberdade acaba onde a dos outros começa". Por este mesmo motivo existem leis, desde a divulgação de propaganda nazi até à difamação. Não se trata de atentar contra a liberdade de expressão, mas de uma defesa das outras liberdades. Contra uma cultura de ódio e difusão de intolerância, ou simples defesa do nome.

Ao ouvir pela primeira vez relatos da polémica senti apoio pela causa dos caricaturistas e do jornal, de início pareceu-me semelhante à controvérsia do assassinado Theo Van Gogh. Só mais tarde tive acesso às imagens. Nada a ver. A minha primeira pergunta foi: "Porque liberdade é que se luta nestes cartoons?". A maior parte das caricaturas divulga um profeta terrorista, assassino e belicoso. Procura-se adicionar injúria a blasfémia. As imagens não me parecem um exercício de liberdade, mas de agressão às comunidades islâmicas. Não é um esforço de comunicação, mas de insulto. Não se levanta qualquer tipo de questão (como o cartoon de António abaixo), simplesmente cataloga-se de assassino a principal figura do Islão.

É para isto que os cartoonistas dinamarqueses procuram a sua liberdade? Para difamar um culto? Nem há um ataque a uma organização, sequer a uma pessoa, injuria-se toda uma cultura. Põe-se cornos em Maomé, metem-se facas na mão, bombas na cabeça. E conhecendo ano a ano cada vez mais a política de "tolerância" que os europeus oferecem às comunidades islamicas, o acto não me surge como de liberdade, mas de uma exteriorização de toda a culture-gap que o politicamente correcto tenta esconder. Aquelas não são caricaturas de Maomé, são caricaturas da liberdade de expressão.

 

Hipócritas!


Hoje castiga-se a voz muito alta a intolerância dos muçulmanos face a umas “inofensivas caricaturas da sua religião”. Esqueceram-se depressa do escândalo que este cartoon do António gerou há menos de uma década. Na altura era a Igreja Católica e os moralistas de serviço a censurar a falta de sensibilidade do cartoonista. Em Vila Nova de Cerveira houve quem arrancasse cartazes anunciando uma exposição dos trabalhos de António. E a intenção, deste já esquecido, cartoon era política e progressista, acusar a disciplina sexual da moral católica de responsabilidades pelo alastrar da SIDA. Os cartoons dinamarqueses não parecem ter semelhante pedigree, são pelo que se ouve de vários e diversos comentários, insulto gratuito.

 

Depois da fúria


Eis finalmente a resposta à questão: quem é Nongoloza? Bandido e herói, é agora um blogger.

02 fevereiro 2006

 

Lucros colaterais


A Royal Dutch Shell (e só a Shell, sem BP, sem Texaco, sem os outros gigantes do petróleo) declarou lucros de 13.12 biliões de libras. Porque tantos zeros deixam a cabeça à roda quis saber o que isto significa em termos mais caseiros. Quantos anos teriam os portugueses de trabalhar para encher um cofre semelhante? 140. Os lucros da Shell de 2005 são quase um século e meio de produto interno bruto nacional.

Eis uma descoberta fundacional: petróleo caro só castiga quem o paga, nas margens de lucro não se mexe.

E esta fortuna recompensa o quê? Que serviço prestado merece semelhante recompensa? Sendo que os lucros seguiram a subida dos preços, e estes responderam à “instabilidade” no médio oriente, então a resposta é óbvia: guerra.

 

Teoria económica para arremesso


If the people pie, the leaders will swallow.Desengane-se quem pensa que a teoria económica só serve a ladroagem do Estado e do Privado (de letras grandes). Para o trabalhador, para a mulher, para o emigrante e para o colonizado, há discursos radicais que falam mais verdade que as sublimes homilias de Chicago a Tilburg. Há barreiras ao acesso, porque a aldeia global é feita de fronteiras: a barreira cultural de saber inglês, porque, nisso também, Portugal é periférico; e a económica do acesso à net. Para dar azo ao desejo pela denúncia ligam-se aqui e inscrevem-se no mailing de Economic Atrocities do Center for Popular Economics, mas para quem tem a caixa de correio a transbordar há a opção de ir lendo do sítio. Tem um pendor Americano mas afinal não somos todos Americanos? Ou pelo menos trabalhamos para eles…

Serve este material para os combates públicos e para os caseiros, caso para se dizer: às armas, às armas!!!

* Na imagem Milton Friedman, prémio Nobel da Economia 1976, recebe a oferta de uma tarte.

 

O virtuosismo de Alexandra Teté


Confesso que fiquei com curiosidade em conhecer este baluarte moral de Portugal chamado Alexandra Teté*, a heterossexual virtuosa protectora do capital social e da instituição do casamento. A Senhora que “respeita as opiniões opostas e não pretende impor a ninguém as suas convicções” (adaptação).

Como senhora culta que é, relembra-nos que as maravilhas da heterossexualidade “foram cantadas em todas as civilizações e registos, desde o Génesis à Arte deAmar.” Neste aspecto até os meus parcos conhecimentos neste assunto particular sugerem aspectos interessantes:
- Na Época Clássica, nos Gregos era só festarola entre tutores, pupilos e outros que tais. Existem inclusivé relatos que Alexandre, um dos maiores, senão o maior, dos guerreiros de todos os tempos era gay.
- Olhando para o nosso pequenino Portugal que me dizem do D. Henrique, escolhido por muitos como o grande herói nacional. Lembram-se porque foi enviado para Sagres?
(Agradecia contribuições especialmente na área do lesbianismo, será que também aqui a História tal como é escrita só tem protagonistas homens?)

Segundo Teté, a poderosa minoria gay, embora de duvidosa representatividade, apresenta uma “estratégia de vigilância, denúncia, censura, pressão e agora até ameaça penal” de forma a impor “a toda a sociedade as suas convicções”. Depois tudo lhe parece uma conspiração: imagine-se “uma indiscreta operação de marketing para promover” um filme; depois um assunto “menor” exuberantemente anunciado no Público. Com a imaginação desta senhora, fica-nos a dúvida se será que se come courgette, pepino ou bananas na sua casa?

Não é todos os dias que ouvimos retratar a homossexualidade com tanto requinte de malvadez: “pessoas que sofrem, com a dilaceração e ansiedade de uma sexualidade problemática”; “a homossexualidade parece-me (e estou bem acompanhada) uma contradição antropológica, moral e psicologicamente destrutiva”. Em oposição temos a maravilhosa heterossexualidade, “a polaridade masculino-feminina, a complementaridade psíquica e biológica na comunidade de vida, a criatividade interpessoal e a abertura à vida”. Afinal, a violência doméstica, mais conhecida nos casais heterossexuais, é só amoreee!

Interessante seria também reflectir sobre estas relações heterossexuais e monogâmicas tão perfeitas. Afinal, qual será o motivo pelo qual um dos poucos negócios em florescimentos em Portugal, a par com os hipermercados é a prostituição, com rentabilidade provavelmente acima da droga? Uso a palavra prostitução, porque putas uso para senhoras como Alexandra Teté, que não querendo impor nada a ninguém, são representantes maiores duma elite parasita e mesquinha que usa e abusa dos portugueses.


PS1 – Alguns destes senhores e senhoras virtuosas põem frequentemente a homossexualidade e pedofilia no mesmo saco, uma prova da sua falta de carácter.

PS2 – Desculpem-me algumas imprecisões. Por várias vezes caio na dicotomia heterossexual-homossexual. Há ainda os bis e outros que tais. A nível histórico, há diferentes relatos, mas creio que os que apresento estão bem documentados.

*(ver texto imediatamente anterior

 

“Heterossexualidade e casamento”


Para alguns esta novela pode não parecer muito interessante ou estarem saturados do tratamento mediático da questão. Mas vale a pena tirar uns minutos para conhecer um pouco melhor o que vai nalgumas cabeças “bem-pensantes” e influentes de Portugal.

A polémica está lançada em Portugal por duas Meninas (casadas não são…) que vivem em duplo ou triplo pecado ao aparecerem na televisão a dizer que querem casar. Havendo uma tão fértil e surreal verborreia por deliciosos fazedores de opinião, a minha escolha recai no texto de uma fundamentalista religiosa.*

Alexandra Teté, da dinâmica Associação Mulheres em Acção, garante-nos que “o código civil não proibe o casamento dos homossexuais, mas sim o casamento entre pessoas do mesmo sexo”. Continua, referindo que o mesmo código “estabelece outras restrições: exclui o casamento poligâmico, exige uma determinada idade, proíbe o casamento entre pessoas com laços de consaguinidade de certo grau, etc.”, perguntando em seguida ”Serão também discriminações inconstitucionais, uma vez que contrariam algumas orientações sexuais?”. Continua apresentando três pontos magníficos.

1. Para a Sra (ou será Menina?) Alexandra “assistimos presentemente a uma campanha agressiva por parte do [diria eu famoso] lobby gay, com a cumplicidade superficial e sentimental dos meios de comunicação social: primeiro a indiscreta operação de marketing para promoção da love story entre os dois cowboys de Brokeback Mountain; depois a insensata e absurda resolução do Parlamento Europeu contra a homofobia, para converter em delito qualquer crítica relativa à homossexualidade. Agora o caso de ”Teresa e Lena”, reportado exuberantemente nas páginas do Público”.
Mesmo assim, condesce a Sra Alexandra, “As pessoas de orientação homossexual merecem o respeito que é devido a quaisquer outras. Têm igual dignidade e os mesmos deveres e direitos”. Mostrando também compaixão, nota que tratam-se “frequentemente de pessoas que sofrem, com a dilaceração e ansiedade de uma sexualidade problemática, e por isso credoras de maior compreensão e afecto. Por outro lado, ninguém proíbe uniões voluntárias entre adultos responsáveis (com os direitos económicos e protecção social que forem convenientes)”. No entanto, adverte com indignação, “coisa muito diferente (…) é violentar e desfigurar o estatuto legal do casamento para que abranja uniões entre pessoas do mesmo sexo.”

2. “A heterossexualidade é uma nota essencial do casamento, que se funda na conjugabilidade homem-mulher e na fecundidade potencial dessa união. O casamento é uma instituição reconhecida pela sociedade como fundamental por ser o lugar natural da geração, formação da personalidade e educação das crianças. É a fonte primária do capital social. É por serem socialmente valiosos que o Estado regula e protege o casamento e a família (heterossexual monogâmica): a função do direito é não é dar cobertura jurídica a todas as relações afectivas (sexuadas ou não) que possam dar-se, mas só àquelas que são socialmente relevantes. E só a relação homem-mulher está nos alicerces da sociedade. “Eu amo quem quiser!”, dizem. É verdade. Mas o Estado não tem nada a ver com isso.”

“De resto, qualquer pessoa pode casar, independentemente da sua orientação sexual. O Código Civil náo proibe o casamento dos homossexuais, mas sim o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Como disse Jospin, a este propósito, a “humanidade não se divide entre homossexuais e heterossexuais, mas entre homens e mulheres”. Aliás, a lei estabelece outras restrições (...)”.

3. “Tenho que confessar que considero a heterossexualidade algo maravilhoso: a polaridade masculino-feminina, a complementaridade psíquica e biológica na comunidade de vida, a criatividade interpessoal e a abertura à vida, que foram cantadas em todas as civilizações e registos, desde o Génesis à Arte deAmar. Pelo contrário, a homossexualidade parece-me (e estou bem acompanhada) uma contradição antropológica, moral e psicologicamente destrutiva. Mas respeito as opiniões opostas e não pretendo impor a ninguém as minhas convicções [Soa-vos familiar?].”

“Contudo, não devemos estar dispostos a aceitar que uma minoria de representatividade duvidosa (embora poderosa) – através da sua estratégia de vigilância, denúncia, censura, pressão e agora ameaça penal – imponha a toda a sociedade as suas convicções [Deus nos livre...], forçando uma concepção degradada de casamento que subverte o sentido dessa instituição.”


Em suma, há uma conspiração gay em andamento, que não olha a meios para chegar aos seus fins que minam os baluartes morais desta sociedade. Já não há respeito nem mesmo pelos vigorosos cowboys do Oeste. Dá-se uma atenção desproporcionada à homossexualidade e bons eram os tempos onde se varria para debaixo do tapete estas coisas e mantinham-se as aparências. Apesar de merecerem a nossa pena pela sua sexualidade problemática, não se deve permitir aos homossexuais violentar e desfigurar o casamento. Não é que os pecadores querem-nos impor a todos nós as suas “convicções”? Mais, não se deve permitir às inúteis e inférteis uniões homossexuais prejudicar a nação, privando-nos do capital social. E casar eles e elas podem. Pode ser é que não seja com quem eles amam...

Ao contrário de meninas pecaminosas como Teresa e Lena, é de mulheres da cepa de Alexandra Teté, virtuosas, (potenciais) parideiras e com valores que se faz uma nação. Olé!

* Artigo no Público de 1 de Fevereiro.



   

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