26 fevereiro 2006
Sacudir a água do Capote
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A não ficção cinematográfica constrói-se num crescendo de tensão entre Capote e o acusado Perry Smith. O último revela candidamente o seu passado ao novelista que em troca lhe fornece advogados e apelos à sentença de morte. Ao clímax do filme, quando Capote está prestes a concluir o seu livro revolucionário, uma conversa definitiva extrai “a verdade” sobre a noite do crime. Os motivos do assassino contudo, não elucidam, confundem, são os mesmos que se banalmente se esperam de monstros assassinos, uma decepção após duas horas de filme, e calculo muitas páginas de leitura. Quando finalmente termina o seu livro escrito no idílio da Costa Brava, Capote tenta esquecer os acusados porque precisa destes executados para publicar a obra.
É revoltante, embora o filme não o denuncie, que a estes homens tenha sido negada qualquer defesa contra o que Capote vende como não ficção, como objectividade. Será possível novelar o passado e manter objectividade? Escusando-se de analisar provas, ou argumentos, porque os acusados já estão executados e é assim matéria irrelevante, o livro de Capote pôde novelar como se a verdade fosse transparente. Acreditar nesta objectividade depende da confiança na voz do autor, que ele fale a verdade contra qualquer artifício novelista. Mas Capote é sem possível defesa um congénito mentiroso, que manipula os acusados, e lhes deseja a morte.
O filme como o livro, parece considerar irrelevante a questão se Perry Smith e Richard Hickock foram de facto os assassinos, ou que o justo castigo é a pena de morte. Mas esse seria o único tema objectivo, tudo o resto é imaginado. O filme, que se diz não ficcional, imagina o movimento das emoções de Capote na sua relação com os criminosos. O livro, que se diz não ficcional, imagina as emoções das personagens do crime. A novela não ficcional parece-me assim esconder-se da não ficção para fazer novela.
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olha aqui um link para um blog que talvez interesse. Sorry nao tem nada a ver com o post...
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