31 janeiro 2006
Vale da Pinta
No outro dia, um dos telejornais deu a conhecer Vale da Pinta. Se me pedirem para localizar esta terreola, não o sei fazer. Sei que fica algures em nenhures, tendo todos os problemas típicos destes locais remotos.
Mas a peça jornalística era mais específica. Enganem-se os que pensem que é mais um caso de fecho de escolas - o ministério da Educação decidiu encerrar a maior parte das escolas dos meios mais pequenos. Enganem-se os que pensavam que era sobre o encerramento das urgências à noite, ou mesmo do encerramento da Maternidade de Mirandela ou Bragança (quem saiba que me ajude!). Ou mesmo que se referisse à extorsão desenhada pelos CTT, encerrando os seus postos e atirando as responsabilidades e os encargos dos correios para juntas de freguesias e câmaras municipais.
Não, desta vez os custos de interioridade e da desertificação eram outros. As gentes de Vila da Pinta queriam algo muito mais simples. Reclamavam Da Santa Casa da Misericódia uma máquina para registar o Euromilhões nesta pequena terra. Actualmente, o senhor da papelaria/ café assenta as apostas e os nomes num caderninho, indo depois à cidade mais perto.
Afinal, todo o país tem o direito a desejar ser rico...
Verdade nua e crua II
As televisões brindaram-nos hoje com mais uma perseguição policial. Adivinhem aonde? Nos EUA claro, em St Louis. O destaque vai para o final em que um helicóptero de uma televisão filma a detenção de um "afro-americano", sendo este brutalmente espancado por quatro polícias quando já se encontrava no chão. As últimas notícas indicavam que se encontrava no hospital.
Tendo que haver uma explicação o melhor é mesmo ouvir as justificações do chefe de polícia. Entre outras coisas, este reconhece que no essencial a natureza do trabalho da polícia é a utilização da força. Afinal os cães de guarda devem morder, adiantaríamos nós...
Verdade nua e crua I
Ontem tivemos a oportunidade de assitir ao inenarrável Prós e Contras. Dos convidados destacavam-se Braga de Macedo, Miguel Gouveia (um dos autores de um livro branco sobre a Seg. Social), Ribeiro Mendes (ex-secretário de estado), Carvalho da Silva (CGTP) e uma demógrafa. Não o vi todo, por várias razões e mais alguma.
Fátima Campos Ferreira passou uma boa parte do programa a perguntar se os portugueses deviam ou não saber a verdade (esta segundo o "desassombrado" Ministro das Finanças, que "desabafou" em directo num anterior programa, dando dez anos à Seg. Social).
O Programa acabou defendendo o reforço de poderes dos Ministros das Finanças face ao "despesismo e irracionalidade" dos outros ministérios.
Escandaloso, escandaloso, é que durante boa parte do programa ninguém denunciou o sistmático roubo à Seg. Social (Carvalho da Silva só aflorou a questão). A incompetência e parasitagem de muitos continuou impune.
Vaidades presidenciais
Não sobra muito a dizer sobre Cavaco, a não ser as fantochadas do costume, do género do bolo-rei e outras labreguisses. Desta vez, a poucas semanas de tomar posse, decide instalar-se já no Palácio de Queluz, montar o seu gabinete ("Pavilhão", segundo o artigo do DN) com toda a tecnologia que precisa para os dias que tem de árduo trabalho de preparação. É importante recordar que foi ele quem mandou construir uma piscina no Palácio de São Bento, para desentorpecer as duras articulações. Um dos poucos Primeiros-ministros a lá viver.
Maria não aguenta o nervosismo de esperar para sair da sua marquise na Travessa do Possolo e mudar-se para o Palácio de Belém.
Vinheta situacionista
30 janeiro 2006
O Terror e os Comics
Devo confessar, sou um fã do género. Os comics sempre me fascinaram. No entanto, e admito com todo o respeito para os mais harcore, tenho um certo gosto pelo mais actual. As coisas antigamente eram por vezes um tanto quadradas. Por isso mesmo morreu o Super-Homem.
Acontece nos Comics, que por muitos vilões que se encontrem, acabam por haver sempre dois géneros. Primeiro há aqueles como Skeletor, maus até ao tutano, sem qualquer ponta de Humanidade e que passam o tempo todo a congeminar sem sucesso. É neles característico não serem muito mais além de… maus. São doidos, malignos, querem ter poder para depois no final arrebentar com o Mundo. (nota: com o Skeletor nunca percebi muito bem, acho que ele queria unir as tais espadas e entrar no tal Castelo, mas depois o que se iria passar…) Nunca tiveram mãe ou pai, se tiverem um cão é porque é mutante com oito patas. E a coisa não evolui dali. 90% dos vilões que me foram oferecidos seguiam este padrão.
O segundo género já seria mais do estilo Magneto (quem não conhece não irá perceber tanto o texto mas dá para apanhar a ideia). Ele é mau por mais do que uma razão abstracta, ele quer defender a sua raça e chega mesmo a ter sentimentos divididos por vezes em relação ao seu objectivo. Ele até forma relações com os heróis, o seu filho e filha fazem mesmo parte deles. O máximo que o He-Man alguma vez ouviu do Skeletor foram umas quantas gargalhadas com um “Vou-te liquidar!“ pelo meio. Mas apesar desta diferença, Magneto acaba por cumprir fatalmente o seu papel de vilão.
E agora o ponto que interessa. A vilanização do Terrorismo acontece, já estou até de certa forma habituado. Estranho é como tantas pessoas apagam os bastidores desse Terror. No fundo, Hamas, FARC, ETA, IRA,… todas elas podem ser facilmente colocadas num mesmo pote e esquecer qualquer outro raciocínio. Eles são os maus, ponto final. São loucos, matam mulheres e idosos, arrebentam-se consigo mesmos, só querem destruição. Se calhar por nos habituarmos desde crianças a pensar em He-Mans, em Bem e Mal preto no branco, nem sequer soa estranha tal ideia. Não se chega a duvidar. E no fundo a culpa disto tudo acaba mesmo por ser do Skeletor.
O dogma da gestão privada
Provocado por um comentário anónimo, onde se proclama dogmaticamente "o problema é que quando se nacionalizam os sectores que estao a dar rios de dinheiro eles passam a dar rios de prejuizos", não resisti a reagir e a analisar este paradigma aparentemente inquestionável. Parece estabelecido, e não só em Portugal, a ideia é capitalista mesmo, que tudo quanto seja empresa pública é irremediavelmente ineficiente, em oposição a uma gestão privada, que optimiza os recursos e a produtividade da empresa. Ora, duas questões (há tantas por onde pegar, mas vamos ser comedidos) quanto a isto:
a) É curioso ver as violentas reacções aos "jobs for the boys" aquando das mudanças governativas (com as quais concordo - as reacções, claro) e depois não fazer a relação com o resto. Ora, se muitas vezes, nesta dança das cadeiras, o governo vai buscar os melhores gestores (amigos) ao sector privado, aos conselhos de administração das grandes empresas privadas, e os colocam nas empresas públicas com ordenados chorudos e reformas milionárias, porque raio então não conseguem eles fazer uma gestão como fazem na sua empresa de origem? Será que são incompetentes, ou será que a gestão da coisa pública tem inerente, no capitalismo, um princípio de esbanjamento - a lógica de sugar o máximo ao Estado que somos todos nós? E não me venham com a desculpa dos funcionários públicos...essa já fede...E ainda assim, se temos maus funcionários públicos, de quem é a responsabilidade, deles ou dos gestores?
b) Nem mesmo do ponto de vista da teoria neo-liberal esta coisa tem total fundamento. O capitalismo actual tem a privatização dos serviços públicos como princípio, e não como resultado de uma qualquer busca de eficiência. A redução do papel do Estado é um objectivo político em si (aliás recente, se recuarmos uns 40 anos na Europa, o discurso era algo diferente), não uma medida para aumentar a qualidade do serviço aos cidadãos - o que de resto não tem acontecido com as privatizações, pelo contrário, quem é que está contente com o serviço da PT, da Brisa ou do IEP? Quem é que gosta de circular no alcatrão da A8, o primeiro bastião da gestão privada de AEs? Quem é que ainda não olhou para os resultados globais do Hospital Amadora-Sintra e não concluiu que estamos a pagar mais por um serviço pior? Claro, a seguir respondem que o mau serviço da PT se deve ao facto de não ter concorrência. É o outro dogma, o do mercado que se auto-corrige. Mas é precisamente aí que está o problema. A verdade é que os privados têm um receio enorme do Estado enquanto competidor. Se o Estado realmente competisse, a sua capacidade financeira e o seu objectivo que é o bom serviço ao cidadão (objectivo teórico, não prática estamos longe disso precisamente porque vai contra os interesses da burguesia governante e dos boys que são empossados como gestores públicos), arrasaria qualquer competição privada. O problema da PT não é ter o monopólio, é ter o monopólio e ter como único objectivo o lucro dos accionistas. Mas o dogma persiste, de tanto repetido, às tantas já nem se pensa nele, dá-se apenas como correcto e lança-se em qualquer lado como argumento supostamente demolidor...
O nosso Estado Providência
Recordo umas longínquas aulas de Política Social na faculdade, onde fui apresentado ao “Modelo Social Latino”. A génese deste conceito bestial reside na realização de que a teoria dos Estados Providência, na formulação canónica de Esping Andersen, não acomoda as nações do mediterrâneo ocidental. Estas nações não são agrupáveis nem no modelo anglo-saxónico, nem no continental, menos ainda no escandinavo. Eis que os Professores de Politica Social, de Portugal a Itália, enfrentam um terrífico problema: como participar no debate académico sendo que as nações que estudam não têm programas de segurança social de cobertura universal? Como a genialidade humana em face da adversidade não tem fim, conjurou-se uma nova categoria. O “Estado Providência Latino” caracteriza-se primeiro pela nula intervenção do Estado!A segunda característica essencial, é que a rede mínima de Segurança Social fica a cargo das famílias, que substituem o Estado Social, pagando pela educação, saúde e velhice.
Não é bestial esta pirueta? O Estado Providência Latino é a Providência sem Estado, e pelo andar da coisa será em breve também Providência sem Providência.
O governo da República, que tem detalhado conhecimento teórico sobre a natureza dos Estados Providência, anunciou que vai legislar contribuições obrigatórias que os filhos passarão a dever aos seus pais idosos. Finalmente, vamos ter um Estado Social! O que antes era uma imposição do desespero passará a imposição de lei, para bem da redução da incerteza e da injustiça - é a isto que alguns parvos chamam civilização e o JN chama revolucionário. Entretanto, a miséria é que indiferente, fica na mesma.
29 janeiro 2006
Munich (2005)
Depois de ter feito fortuna com filmes de aventura e pipoca, Spielberg agora almeja o título de cineasta político. Munich narra a saga de vingança com que Israel respondeu ao atentado Palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique de 1972, que vitimara 11 atletas israelitas. A conduzir o enredo estão as actividades de uma unidade da MOSSAD, e a liderá-la um jovem israelita que representa a inocência e vitalidade de uma nação. Previsivelmente, é sobre o herói que se estampa a problemática moral do filme. É o seu sentido de justiça que pena sob o peso da missão: assassinar sem provas ou julgamento 11 líderes palestinianos. A moral de Munich é simples e catecista: violência é violência e é injustificável. De tão repetida, esta máxima não devia intimidar ninguém. Porque então tanta polémica em torno do filme?
Munich dirige-se a um público Ocidental, senão até Americano, sendo que o enredo se faz das acções, das paixões e dos pensamentos de um grupo de israelitas. As marcas da identidade sentem-se nos pormenores: o retratar hagiográfico de Golda Meir como uma líder visionária e filosófica, ou a escolha de Brooklyn como refugio quando o herói procura sarar as suas feridas de guerra. Pelo trabalho do hábito a audiência tradicional de Spielberg esperaria o desumanizar do terrorista árabe, para o fazer encarnar uma maldade absoluta e sem razão. O atrevimento de Spielberg é contradizer essas certezas morais e politicas.
A violência cometida por Israel toma o centro da narrativa, são os seus crimes que estão expostos na tela. Os agentes da MOSSAD ao iniciar a sua missão vêem o atentado palestiniano como bárbaro e sem justificação, enquanto a sua campanha de morte é a justa retribuição. Mas com o correr do sangue as razões dos Palestinianos vão-se insinuando na narrativa: eles estão sozinhos num combate desigual e desesperam pela atenção do mundo; eles querem somente aquilo que o povo judeu clama direito, uma nação. A convicção dos assassinos da MOSSAD vai desmoronando em loucura e dúvida. Torna-se evidente que os assassínios de líderes palestinianos se fazem não por consequência do atentado de Munique mas meramente a coberto deste, como decapitação da resistência palestiniana.
A violência em Munich parece indiferente ao seu autor, é uma sucessão de actos acidentados, a ameaçar sempre o descontrole. Mesmo o “mal” um conceito tão em voga nos EUA, já não tem a essência clínica e confiante dos campos de concentração na Lista de Schindler. O Nazi não é humano, mas o Palestiniano e o Israelita são. A violência não lhes é fácil.
É a simetria moral de Munich que causa trepidação ao sionismo. O Outro, o Palestiniano, não pode ser considerado humano, não se lhe pode permitir esse privilégio. Este regime mental tem uma vasta genealogia, de cuja mais conhecida expressão é o colonialismo. Para justificar a opressão de um povo é necessário conjurá-lo como sub-humano. Spielberg é afinal um anti-colonialista.
28 janeiro 2006
Quarenta a bulir
Ontem apanhei um choque quando recebi uma carta a dizer que, tendo começado a trabalhar em 2005, poderei reformar-me em 2043! 2043?! Eis que após 20 anos de estudo, esperam-me 40 de trabalho. Isto se não aumentarem a idade da reforma até aos 80 anos, como já se sussurra.
27 janeiro 2006
Menu Família
A lista de acusações que se pode fazer ao McDonald’s é infindável e aliás bastante conhecida.Mas pode-se sempre acrescentar mais uma. A partir de agora, membros da mesma família que trabalhem no mesmo restaurante podem substituir-se no trabalho, sem ter que pedir autorização ao gerente. Claro que isto é posto como as “vantagens da flexibilidade”, mas não significa mais do que a retirada do direito dos trabalhadores de faltarem, mesmo que seja por estarem doentes, porque haverá sempre um familiar que os pode substituir. E ainda por cima, não têm que pagar salário a quem fica doente! Bem, não é que poupem muito, com os Mc-salários que pagam!
Os dois mundos
A vitória surpreendente e inquestionável do Hamas com 76 dos 123 lugares no Parlamento Palestiniano gerou no imediato comentários a dois tons. De um lado, e tendo que recorrer à BBC para o registar, estão os cidadãos anónimos que globalmente, indiferentes a nacionalidade, congratularam o plesbicito palestiniano e procuram compreender as razões da escolha pelo Hamas. No outro extremo do espectro da opinião estão as autoridades, o Presidente americano e o governo Israelita, que recusam reconhecer a legitimidade do partido escolhido pelos palestinianos (a UE, pela sua comissão, calou-se até poder firmar um consenso europeu).
Será da dialéctica que o mundo se faz em dois?
26 janeiro 2006
Coelho, o Caçador
Foi nomeado Carlos Coelho (eurodeputado do PSD) para presidir a uma comissão temporária do Parlamento Europeu que investigue as alegações de prática de tortura e da existência de prisões da CIA na Europa. Um dos pontos altos do seu currículo inigualável (preencheu uns lugares que ficaram vagos por aqui e por ali, colaborou com Manuela Ferreira Leite naquele extraordinário Ministério da Educação e escreveu uns quantos livros com a palavra "Europa" no título), presidiu já à comissão que investigou o caso Echelon. O sistema Echelon é um sistema de vigilância por satélite que permite aos EUA, na prática, aceder a todo o tipo de informação não encriptada no Mundo. Tudo desde telefonemas a e-mailes, se quiserem até apanham a Sport TV de graça.
Dei-me ao trabalho de ler as conclusões do relatório. Aparentemente a legislação de protecção de dados na Europa não serve para proteger os cidadãos individuais de tal coisa pois " a protecção dos cidadãos da UE depende da situação jurídica observada nos Estados-Membros, sendo consideráveis as diferenças registadas". Quanto a espionagem económica, não existem provas de tal, mas igualmente nada impede que aconteça. Boa. Na secção seguinte encontra-se a solução para o problema:
"São em número suficiente os sistemas de encriptação seguros existentes a preços módicos no mercado europeu. Também as pessoas singulares devem ser incentivadas à encriptação do respectivo correio electrónico, uma vez que um correio não criptado equivale a uma carta sem envelope. Na Internet, encontram-se sistemas relativamente conviviais, postos à disposição de todas as pessoas, por vezes mesmo gratuitamente."
A responsabilidade de se proteger passa a ser do indivíduo... sim senhor, acho que o inquérito está em boas mãos...
Quem tem medo do Hamas?
O que se vai sabendo das eleições palestinianas é que o Hamas venceu a Fatah. O principal intento do plebiscito palestiniano era legitimar a Fatah sem Arafat, um parceiro que subscreva os ditames de Israel com o falso apelido de “processo de paz”. O povo palestiniano não soube interpretar o que se lhe pedia. A meia-voz vamos ouvir nos próximos dias que os palestinianos escolheram o “terror” e a “intransigência”, ou até que são um povo que não aprecia a “civilização” e a “democracia.” Com estes (e outros mais materiais) castigos se retalia a desobediência palestiniana.
Na velhaca tradição do Orientalismo, a análise de muitos vai debruçar-se no “extremismo infantil” da população palestiniana fascinada pelos carismáticos do ódio islamita. Quero contradizer essa heroína cultural que depois do breve êxtase de amor-próprio (celebrar o “eu” ocidental, ateu e democrático) me deixa na dor da ressaca, prostrado num chão de dúvidas. É por conta deste paternalismo que se perde a sublime verdade do momento: o povo palestiniano recusou a paz podre que o “Ocidente” lhe quer impor.
A Fatah não é uma unidade politica, é antes faccionada e ideologicamente diversa. Mas actualmente a encabeçar a organização está uma burocracia que enriquece numa relação clientelista com a ocupação Israelita. Esta burocracia aliada a uma burguesia comprador, perpetua a Palestina como um estado fraco e subordinado, com um povo dividido e em guerra civil. São estes os polícias indígenas a soldo do colonizador Israel. É por exemplo para bloquear a reforma da Fatah, que a sua ala radical é mantida detrás de grades (Barghouthi).
O perigo explosivo do Hamas, não se restringe aos bombistas-suicidas, antes inclui a possibilidade de concretizar aquilo que a OLP prometeu mas que já não pode fazer, unir e mobilizar o povo palestiniano, incluindo aquele que habita em Israel, em Jerusalém. O Hamas não é um grupúsculo de extremistas marginais, é uma organização de massas, com uma base popular que a Fatah perdeu com a sua corrupção. Sendo que não é possível a Israel travar o crescimento do Hamas nos territórios ocupados, a alternativa tem sido a de deligitimar a organização internacionalmente. Foram inúmeras as provocações que antecederam este acto eleitoral. A mais exemplar provocação ocorreu quando um helicóptero israelita alvejou uma bomba ao clérigo Ahmed Yassin, uma septuagenário tetraplégico. Ao contrário do que se repetiu nos media, o Sheikh era uma presença moderada no Hamas, um líder espiritual que clamava por uma nova prática política institucional e eleitoral. Israel convidou com sucesso uma intifada, para depois responsabilizar o Hamas de violações do cessar-fogo e como prova de que a paz não é negociável. A intimidação israelita não funcionou, o povo palestiniano não teve medo, e eu medo não tenho do Hamas.
Com o trânsito em Lisboa...
Vamos a ver se alguém avisou Cavaco de que o carro é para estacionar em Belém, e não em S. Bento...
24 janeiro 2006
Ligação Cavaco-Sharon
Quem a faz é o espantoso Luís Delgado (tido já como "o jornalista que passa recibos verdes a G. W. Bush" pelo Contra-Informação) no artigo inaugural da sua secção do novo DN, que agora lhe aumenta a concessão de uma para três colunas.
Como é habitual nas crónicas Delgado, pouco ou nada se explica e esta ligação é de difícil entendimento (ainda menos se percebe a misteriosa última frase, sobre um "triângulo cujo vértice é o centro político").
Mas tudo se torna repentinamente claro quando se lê o que ele diz de Sharon, há algumas semanas atrás, antes do assassino ter ficado no estado lastimável em que ficou:
"Sharon não perdeu as qualidades [agora talvez tenha perdido] que o notabilizaram como general: ataques de surpresa e com uma rapidez exuberante para deixar sem fôlego o adversário. Falta-nos em Portugal um Sharon..."
Isto inclui concerteza o ataque de Qibya, na Cisjordânia (Outubro de 53), com 70 mortos civis, dos quais dois terços eram mulheres e crianças, e o ataque de Sabra-Chatila, Líbano (Setembro de 82), com mais de 3000 mortos palestinianos em cerca de 30 horas de massacre.
Cavaquinho, não te ponhas com ideias!
O que faz falta é semiótica OU How I learned to stop worrying and love Cavaco
O tema dos dias é o resultado eleitoral. Nos meios da des-comunicação de massa, como na blogosfera, tecem-se generosas elações sobre a eleição de Cavaco. Na tradicional ordem das coisas, fala-se e escreve-se muitíssimo, fulaniza-se a conversa, e a política fica por discutir. Semeiam-se culpas e louros, mas é cultivo que sabemos que não dá fruto, porque o amanhã será igual ao hoje.
O debate causa-me grande transtorno porque, para mim, Cavaco não existe. E cansa ouvir falar daquilo que não existe! Cavaco é um mero totem, uma estatueta grosseira de dúbio valor estético que representa algo além do que é. Nem é sequer um totem politico, sendo agnóstico de programa eleitoral - diz Cavaco e quem o conhece que vai colaborar com o governo, há quem acredite, há quem desacredite, cada um na sua... Cavaco passeou-se pelo país a mostrar-se ao povão, qual rei a honrar com visita a servitude. Cavaco nos parcos debates limitou-se a fintar ataques. Cavaco era um candidato que não tinha nada para oferecer, então como foi eleito?
A história desta eleição conta-se como a organização de um grande festival, um grande espectáculo das massas a comemorar. Correram rios de dinheiro para a sua realização, foram contratados reputados artistas para a animação, fez-se ensurdecedora publicidade. Era a chegada do Messias, do D. Sebastião, era tudo excepto uma eleição Presidencial. É na produção do evento que está a política. No esvaziar do debate reside o acto político, quando a oportunidade de expressão popular é sequestrada pelo espectacular. É aos encenadores que se deve a grande vitória, quem escolheu o Presidente a meses do plebiscito, quem o fez. A lição destas eleições é a evidencia que a elite nacional (a burguesia e os seus clientes) graduou-se do seu provincianismo e periferianismo. Os políticos podem ainda tropeçar em gaffes e escândalos, as costumeiras peripécias trágico-comicas, mas a máquina funciona apesar deles. Os governos sucedem-se em maiorias absolutas, sem sustos para quem mais tem e mais quer, os presidentes são eleitos em prol da “estabilidade.” O roubo segue impune e sem resistência. O roubo aprofunda-se.
Votou-se como quem compra bilhete para o espectáculo, pediu-se o Cavaco porque toda a gente o queria também. Foi com tristeza e desespero que se gritou a “vitoria”, não foram sentidos os festejos, e amanhã já deles se esqueceram.
Portugal precisa de revolta, aquela dos dentes à mostra e dos punhos cerrados. Só com ela voltaremos a sentir.
23 janeiro 2006
A análise do discurso
É notório que Cavaco Silva ganhou as eleições por ter seguido a estratégia comum na Europa desde os anos 60, dos "catch-all parties". Um discurso ambíguo, fraco em conteúdo, muito pouca (nenhuma?!) discussão de ideias políticas, de modo a conseguir apanhar o maior número de eleitores possível. E como a direita estava garantida, o desafio estava na esquerda. Daí o "Grândola Vila Morena" e outros episódios caricatos. Analisando o discurso de vitória de Cavaco, houve duas frases que se destacaram:
As pessoas serão o centro da minha atenção enquanto Presidente da República. Tenho sempre presente que são as pessoas o fim último de toda a actividade política.
Apanhei esta afirmação no rodapé de um qualquer canal televisivo, enquanto o discurso acontecia, mas onde só fora reproduzida a primeira frase. A necessidade de afirmar isto é para mim indiciador da decrepitude desta coisa a que convencionámos chamar democracia. É óbvio que Cavaco Silva tem razão, o objectivo da política é a coisa pública, o objectivo do Estado são as pessoas. Mas a pertinência que parece ter esta frase é de facto demonstrativa de qualquer coisa...fico sem saber se Cavaco o disse pensando que descobrira a pólvora, ou se era apenas discurso de ocasião, assumindo já a pose de estado e de maturidade política que se espera de um presidente;
Quero exercer este mandato com o empenhamento total no desenvolvimento do nosso País, no respeito pelos poderes constitucionais do Presidente da República. Desenvolvimento que, para mim só é económico para ser social.
Aqui aparece o neo-liberal. Já o pregador dominical, como alguém de má reputação chamou a Marcelo Rebelo de Sousa, havia passado esta ideia na noite das contagens. Este conceito de que a economia é o motor do desenvolvimento, e dela advém o bem-estar social como um sub-produto, continua a ser um dos pilares de legitimação do capitalismo, apesar da avalanche de dados que o desmentem. No caso do discurso de Cavaco, a ideia vem maquilhada com pó-de-arroz das melhores marcas, ao dizer que a obsessão económica tem apenas o objectivo do desenvolvimento social, e não a busca unilateral do lucro. Agora até a teoria da mão invisível leva maquilhagem...Mas o pregador dominical acrescentou ainda outro aspecto, a meu ver mais grave. Valorizando a formação económica de Cavaco para realçar as possibilidades de cooperação com o governo, ao mesmo tempo que minimizava as diferenças políticas, tentou passar a ideia de que a economia não é discutível, de que a economia não é resultado de ideologias políticas. O capitalismo funciona inquestionado e sem estar sujeito ao plebiscito, os governos limitam-se a gerir os danos colaterais. É esta a ideia mais reaccionária de todas. O modelo económico é uma opção política, e se Cavaco vai lidar bem com o governo, é porque na verdade as diferenças entre um e outro são poucas...
22 janeiro 2006
É oficial!
Portugal à beira do abismo, dá um passo em frente.
21 janeiro 2006
"Make Bono history"
A revista Time tem uma longa tradição de dar prémios dispensáveis. Por exemplo, em 1965, homenageou o general William Westmoreland que comandava as forças americanas na guerra contra o Vietname. No ano seguinte, em jeito de desculpa, premiou os “Twenty-five and under”, os jovens que protestavam o racismo e imperialismo americano. Em 69, o namoro com a juventude termina. Nesse ano a Time volta-se para os apoiantes de Richard Nixon, ou como este os gostava de chamar, os “Middle Americans”. Aliás, Nixon é um dos favoritos da Time, premiado mais duas vezes, em 1971 e 72! Mais recentemente, no ano um da guerra contra o Iraque homenageou o “American Soldier”.
Em 2005, o prémio foi para Bono e Bill e Melinda Gates, os milionários e bilionários salvadores de África. Na ausência de direitos sociais e económicos, a caridade é erguida pela Time como a única solução que nos resta. O convite é para que se aplauda quando os obscenamente ricos deixam cair uns trocos da carteira. Eis uma proposta alternativa – para que se faça “poverty history” comece-se por fazer “millionaires history”.
20 janeiro 2006
O meu voto
Nesta democracia burguesa, não temos direito a muito. Portanto, faço questão de usar o pouco que me dão, neste caso ir votar. Evidentemente que a probabilidade de influenciarmos o resultado só me faz lembrar o Totoloto (não falo do Euromilhões pois isso seria exagerar). Não pertencendo o meu voto a ninguém, analiso a situação concreta e, de quando em vez, verifico que lá devo engolir uns sapos.
Das eleições em geral, as presidenciais em particular são das eleições mais complicadas para alguém que não se reveja na esquerda que temos. Nestas, temos de votar no garante desta democracia que ninguém leva a sério. Será que teremos de considerar “revolucionário” um presidente que demita um governo que minta às pessoas, governando com um programa diferente do que se apresentou às pessoas? No entanto, só um candidato o sugeriu. Chegamos a um ponto onde o óbvio é radical, pondo a nu esta democracia de fachada.
Nestas eleições voto contra Soares e Cavaco. O porquê deve-se a estes terem sido os responsáveis pelas decisões mais importantes dos últimos trinta anos. Em resumo: terem grande parte das responsabilidades de estarmos na situação actual. Dir-me-ão que estamos melhor do que no tempo da ditadura e eu concordarei. No entanto, teria de lhes perguntar onde estaríamos se outros projectos tivessem sido implementados, ou se simplesmente tivéssemos sido governados por gente mais competente e menos parasitária. Com a libertação do atavismo ditatorial e com os milhões da Europa não teria sido assim tão difícil fazer um bocadinho melhor, não acham?
Quanto ao Alegre reduzo-o à importância que tem, isto é, teve nas décadas de democracia. Foi um colaboracionista de segunda, de vez em quando de terceira, da ordem vigente. Sempre que foi preciso esteve ao lado do PS e da política que nos levou aonde estamos. Mas confesso um pequeno segredo. Se no dia 22 a luta pelo segundo lugar e uma eventual presença na segunda volta se resumir a Soares e Alegre conforme nos dizem as pouco fiáveis sondagens, prefiro que seja este último. Primeiro, porque tenho memória e gostava de ver Soares claramente derrotado. Infelizmente será mais difícil com Cavaco. Segundo, porque era uma resposta adequada à reacção corporativa e inaceitável dos partidos, incluindo os da esquerda parlamentar, contra uma candidatura não apoiada por um deles. Não percebo o que PCP e BE ganham em entrar nestas discussões, especialmente quando parte do eleitorado de Alegre provavelmente alimentaria a abstenção.
Chegamos aos ”meus” presidenciáveis. Desejar o impossível já lá vai e os senhores que temos são o Jerónimo, o Louçã e o Garcia Pereira. Todos eles têm dito coisas importantes durante a campanha e reconheço-lhes mais competência que na corja que nos tem governado (o qual digo abertamente a amigos, conhecidos e outros). Se acreditasse nesta democracia, certamente votaria fielmente neles. Mas não acredito. Também, infelizmente, as políticas reformistas levam-nos à política do absurdo. Assim, sou forçado usualmente a utilizar a escala do nojo para decidir o meu voto: aquele que tiver menor pontuação e que não ultrapasse um limite máximo suportável ganha o meu voto. Confesso que desta vez a luta vai forte. Gelei com a visita de Jerónimo à escola da PSP, com os argumentos inacreditáveis (Cavaco poderia levantar obstáculos ao arrependimento e viragem à esquerda de Sócrates!), ou com a preparação de eventuais sapos. Louçã definiu Cavaco como inimigo primordial e assegurou-nos que votaria Soares numa segunda volta, apelou ao voto dos socialistas e indignou-se com o “ataque cobarde” que um ex-combatente terá feito a Soares. Perante isto resta perguntar se não farão parte da mesma esquerda? Quanto a Garcia Pereira é importante recordar as posições anti-revolucionárias do seu MRPP durante o PREC ou a “péssima educação” dada a tantos actuais VIPs da política portuguesa, de Durão Barroso a José Lamego, que ele próprio recentemente referiu. Quanto ao comentário de haver democracia na Madeira, mesmo que burguesa, prefiro nem comentar. Como podem imaginar a competição está renhida.
No entanto, não lhes digo em quem vou votar. Só lhes posso garantir uma coisa: tentarei evitar uma eleição de Cavaco à 1ª volta. Infelizmente nulos não contam e nas eleições presidenciais até nos retiram o direito ao branco. Nesta democracia somos mesmo obrigados a votar neles. Sem palavras fico para os 60% a 75% dos eleitores que irão votar nos dois grandes responsáveis da actual situação.
Quanto a uma segunda volta e caso nenhum dos “meus” passe é certo que vou outra vez votar. Mas não em nenhum deles.
Gimme gimme
Capitalist growth necessarily generates inequality, which it requires in order to stimulate frustration and new needs. Income inequality has increased explosively over the past 40 years despite the considerable growth in the wealth produced throughout the world. The income ratio of the poorest to the richest 20% was 1:30 in 1960. Today it is 1:80. That is not surprising, since the transition to a system of financial accumulation upsets all the mechanisms for the distribution of produced value. The demands of the capitalist classes for higher rates of remuneration, especially higher dividends, force down the added value distributed to wage earners as direct wages and social welfare benefits
Jean-Marie Harribey in le Monde Diplomatique August 2004
19 janeiro 2006
Decifrar o conflito na Costa do Marfim
Nos últimos dias jovens na Costa do Marfim combatem as tropas da “paz” das Nações Unidas. A forma do combate começa a ser clássica no século XXI, pedras e artesanato incendiário, em estilo de intifada. O estrondo do motim assoma as ruas, de Gaza a Seattle, e de Paris a Abidjan. Não se leia romantismo nestas palavras, pretendo somente notar uma forma de expressão politica que se repete no palco global.
A intenção dos jovens não é difícil de se entender. Reagem a exigência por parte das Nações Unidas que o Parlamento seja dissolvido, o preâmbulo para uma partilha do poder pelas facções rebeldes. Esta ingerência soa a agressão até porque vem pela voz da França, que enviou os soldados da “paz”. É que no papel pode estar inscrito “Nações Unidas”, mas quem arbitra o conflito da Costa do Marfim é a antiga potência colonial e actual principal investidor naquele pais.
Esta é uma história conhecida mas mal compreendida. Como em tantos outros casos nascidos do pós-1989, e note-se que só desde então, assiste-se à divisão de um país em fracturas aparentemente étnicas. A legitimação internacional destes movimentos rebeldes faz-se na linguagem do multiculturalismo e multi-etnicismo, nota-se como as gentes falam dialectos ou línguas diferentes, que tem religiões e ritualismos que não se interceptam. E para os especialistas até nos rostos e nos corpos se notam distinções. Os estados nação fragmentam-se com a descoberta da etnicidade.
Actualmente, aceita-se no discurso político o primado do étnico: a etnia é algo de primário e essencial, de impossível manipulação e a privilegiar acima de tudo. Contudo, a etnia não é independente nem da história nem dos interesses económicos e geopolíticos. Todas as culturas e identidades são construções traçadas por interesses, sejam estes indígenas ou imperiais. Famosamente, a distinção entre Tutsi e Hutus foi uma fabricação das teorias eugénicas do Império Belga.
No final do século XIX, as potências europeias impuseram um mapa à Africa. Hoje, desenham-se novas fronteiras em nome da etnia, mas quem preside sobre a divisão são ainda os senhores do século XIX. A cortina do discurso étnico esconde um enredo de interesses e a cobiça pelas grandes riquezas do continente Africano.
"O Grito"
Para rir, ou mais provavelmente uma antevisão dos próximos 5 anos.
Duma maneira ou doutra, não resisti a divulgar.
18 janeiro 2006
A direita amordaçada
É frequente o lamento que o “politicamente correcto” é uma esclerose do discurso político. (Não tenho a jeito nenhum exemplo para ilustrar este tique, mas é tão frequente que me descuido de referencias, leia-se ou ouça-se o Pacheco Pereira, ou outros notáveis e frequentes comentadores da coisa nacional.) A reclamação considera que o debate politico é asfixiado pelo pudor do “politicamente correcto.” Pede-se com a queixa maior liberalidade no discurso, porque sem esta as ideias são apresentadas constrangidas e deformadas. O “politicamente correcto” é entendido por estes senhores com uma vil censura ao livre pensar (ou pelo menos à expressão deste pensar). É um corpo estranho e imposto.
Mas a que se refere afinal este “politicamente correcto”? Tal como se o conhece não é mais que a substituição do vocabulário xenófobo, homófono, racista e sexista por outro mais neutro. Abandonar o novo vocabulário seria o retorno ao insulto é a agressão pública. O vocabulário “politicamente correcto” só pode pois ser imposição para quem está a salivar pelo insulto. Só a estes é que censura.
O problema do politicamente correcto não é deformar o debate politico. A sua fragilidade reside antes em não ser mais que uma capa que se veste por conveniência, que não comunica nem sinceridade nem convicção. Sabemos pelos lamentos de quem quer dispensar o pudor do “politicamente correcto” que mesmo que o insulto seja hoje interdito, ele não deixa de ser pensado e treme de desejo para ser anunciado.
17 janeiro 2006
Pestalozzi
Um pequeno gesto de apreço para o Jardim Infantil "Pestalozzi" que celebrou cinquenta anos em 2005. Fundado por Lucinda Atalaia em 1955, marcou várias gerações seguindo os métodos do pedagogo que deu o nome ao colégio.
Tendo 1 turma por nível da pré-primária até à quarta classe opõe-se às concepções de fábricas de meninos (como no seu vizinho Moderno). Um colégio humanista que dá espaço para as crianças crescerem, fomentando um espírito humanista, de comprensão e solidariedade que tanto faz falta neste mundo feio.
Sexo e desenvolvimento sustentável
Há conceitos que, tendo sido ignorados por muitos durante muito tempo, conseguiram ganhar fama inter-galáctica. Não é que o seu conteúdo seja claro, óbvio até. Não.
São conceitos que se dão a confusões e a interpretações tão variadas que é possível ter pessoas ou entidades tão díspares como os índios da Amazónia ou o Deutsche Bank a clamar a sua quota parte de contribuição à implementação dos mesmos.
É o caso do conceito de desenvolvimento sustentável. Tem tudo lá: a economia, o ambiente, o desenvolvimento, a escassez de recursos. Agora é combiná-los como der mais jeito.
A provar esta elasticidade de conceitos ocos está um exercício simples mas esclarecedor: fazer buscas no Google com a expressão “desenvolvimento sustentável” em português e em inglês. Os resultados são esmagadores: em português são mais de 1.550.000 hits, e em inglês mais de 48.400.000.
Mas para que a comparação tenha sentido, há que comparar com outros termos que se considerem ser ubíquos na Internet.
Eu escolhi o sexo.
Em Português, registei 10.800.000 hits e em inglês a módica quantia de 234.000.000 hits.
Resumindo e baralhando... se em inglês há "só" cerca de 5 vezes mais hits associados a sexo que ao "desenvolvimento sustentável", é em português que os números são esmagadores: nós temos 7 vezes mais sexo que desenvolvimento sustentável.
Valha-nos isso!
Infidelidades...
Rogério Samora, o actor, apoia a candidatura de Mário Soares.
Recentemente, terá feito uma entrevista para a Caras onde afirma:
"A infidelidade, muitas vezes, pode ajudar o amor. Tem é de ser muito bem feita."
Será que ainda faz parte do apoio eleitoral ao Marocas?
Será algum piscar de olho aos eleitores dos partidos à esquerda?
É que até esses partidos já apelam ao voto noutros candidatos à primeira volta "com o objectivo de combater Cavaco". Já para não falar da ginástica para os apoios a uma eventual segunda volta.
Os eleitores, esses, é que não parecem muito convencidos.
Israel
Há uma nação que recusa que outra nação hostil possa ter armas de destruição maciça.
Há uma nação que deteve um seu cidadão por vinte anos e lhe colocou sérios entraves a uma vida normal, por ter revelado segredos sobre o programa nuclear dessa mesma nação.
Há uma nação que constrói um muro que a separa de um povo cuja independência e autonomia vêm sendo adiadas de forma vil.
Há uma nação que, tendo construindo um ignóbil muro a separá-la do seu vizinho, reconheceu há dias que esse muro contempla os colonatos que ainda estão no papel, ou seja, não é para defesa dos seus actuais limites mas para expansão dos mesmos.
Ao contrário do outro, este fala que se desunha
"Com o cargo que tenho, devo repetir as coisas e voltar a repeti-las quantas vezes foram necessárias para que as pessoas aprendam a verdade, como se fosse uma catapulta da propaganda."
G. W. Bush
Greece, Nova Iorque
Cuidado, cuidadinho...
Pelo sim pelo não, é melhor não ligarem muito aos media. Não, não é nada relativo a serem cães tinhosos, defensores do imperialismo e essas coisas do costume. É algo muito mais sério, que mexe cá no mais íntimo de nós.
D. Eurico Nogueira, bispo emérito de Braga:
"Os jornalistas querem impor-nos a homossexualidade até cairmos."
in "Sábado"
Quem nos avisa, amigo é.
Então não é que sabiam, mas também colaboravam
«Os países europeus estavam a par, desde há dois anos, da existência das prisões secretas da CIA e das actividades dos EUA na Europa, afirmou Dick Marty, relator da comissão do Conselho da Europa, que está a investigar esta questão. Marty garantiu que há "países que colaboraram activamente e outros que toleraram" a situação»
DN
Aníbal, o que não fala nem bebe
Após umas primeiras comunicações que efectivamente não correram bem, o candidato, a conselho dos assessores dizem as más-línguas, voltou a gerir o silêncio. Ele não fala. Embora já tenha dado provas de conseguir abrir a boca: a comer o famoso bolo-rei ou de admiração ao recente comentário de Santana Lopes. Aníbal foge aos confrontos com os outros candidatos, recusa dar respostas as perguntas da imprensa. Se perscrutarmos um jornal diário que resolveu questionar os candidatos sobre alguns dos assuntos relevantes (uns mais que outros) para os próximos anos e para as diferentes classes para esclarecer as posições dos candidatos encontramos: “O candidato não respondeu ao inquérito do Diário de Notícias”.
Vá lá que o suplemento Fugas do Público de 14 de Janeiro de 2006 lhe conseguiu arrancar uma respostazita. Quando questionado sobre o vinho da sua vida respondeu: “Eu não sou especialista de vinhos e estar a escolher um poderia ser injusto em relação aos outros. Não costumo beber vinhos. Para mim, os vinhos bons são os vinhos portugueses.” E é assim. É pouco, mas é o que sabemos sobre o Aníbal. O homem que não costuma beber ou falar, mas gosta de vinhos portugueses.
Ah, antes que me esqueça. Parece que o Aníbal já terá desempenhado um cargo importante, um tal de primeiro-ministro. Ele terá sido um dos dois principais responsáveis dos últimos 30 anos de governação*, coisa pouca. O que nasce torto…
* O Bitoque já publicou anteriormente vários posts e petições de outros activistas que reflectem largamente sobre a (/o bico de) obra (em) que o Aníbal nos deixou.
"esquerda moderada"
Não faço ideia do que seja, mas só pelo nome, não vou com a cara dela...
Um erro como qualquer outro
A CNN havia sido proibida de desenvolver actividade no Irão há poucos dias, aparentemente por traduzir erroneamente as palavras do Presidente iraniano. Não houve muitos mais detalhes, mas depois do pedido de desculpas já se sabe a que se deveu a proibição. A tradução feita pela CNN terá usado a palavra "weapons" em vez de "technology", originando assim a seguinte declaração de Mahmoud Ahmadinejad:
"We believe all nations are allowed to have nuclear weapons [and that the West should not] deprive us to have nuclear weapons".
São pequenos erros que acontecem todos os dias...
16 janeiro 2006
Uma coisa que me preocupa...
Será que Loures ainda é um concelho livre de armas nucleares?
15 janeiro 2006
Isto é tudo deles!
A CIA regressou com paixão às decapitações políticas. Esta prática antes condenada, no mundo pós-11 de Setembro é trivial. Assim, a 14 de Janeiro, choveu morte sobre a aldeia de Damadola no Paquistão. O alvo era um jantar onde alegadamente estaria Ayman al-Zawahri o suposto número 2 da lista hierárquica que os Americanos apelidam de Al Quaeda.
A novidade neste atentado é que a administração Bush desculpou-se de pedir autorização ao seu aliado Paquistão para o ataque, nem aviso houve. Aviões americanos largaram as suas bombas sobre território paquistanês na segurança da impunidade. O mundo é deles, não é assim? O que são fronteiras, estados, ou cidadanias?
É os direitos dos Estados que já em nada pesam, mas mais grotesco é o direito à vida que nada vale. Mais uma vez a guerra contra o terrorismo assassina inocentes às dezenas. A morte de civis é quase uma banalidade para o superpoder. Povos em paz, podem sem aviso ou justificação ser visitados pelas “bombas inteligentes” dos EUA e dos seus clientes. Eis a direcção em que se move o mundo...
13 janeiro 2006
O poder na net
Uma das presunções do pensamento radical contemporâneo é que a internet é democrática. Formalmente a afirmação não é falsa, mas o formal raramente conta a estória, e a embalagem sufoca o que mais importa.
A blogosfera é certamente de livre acesso, não se questiona o uso a ser dado ao blog ou a identidade do blogger quando se lhe concede o privilégio da palavra. Mas o livre acesso não é nem fácil acesso, nem acesso democrático. Construir um blog tem as suas dificuldades técnico-económicas: o acesso à Internet permanece um luxo em Portugal; e mesmo o mais simples html pode ser demasiado assombroso para a maioria. E depois há que divulgar o blog, há que vê-lo lido, e essa é a tarefa mais difícil. Qualquer um pode panfletar uma rua obscura com fotocópias tiradas na hora de almoço, qualquer um pode escrever um blog, mas os quaisquer serão como sempre ignorados. Democracia só é poder popular quando o povo tiver a voz ouvida.
Fala-se tanto em redes e como estas redes que se formam na net e nas sociedades civis, não respeitam as hierarquias de autoridade tradicionais. Mas o exemplo da blogosfera corre no sentido oposto, os blogs mais lidos (ainda que muito mal lidos e muito mal comentados) são os dos ilustres, tanto à ultra-direita como à esquerda PS. As redes existem (este blog é sustentado por uma rede desse género), mas estas são ainda corruptíveis pelo império da autoridade tradicional: os blogs publicitados nos jornais, ou nas listagens reputadas da net são sempre os dos mesmos.
O momento radical está por construir, a comunidade está por vir. Temos que inventar novos meios para construir solidariedades, e democratizar a rede.
12 janeiro 2006
NSA comercial
Para ajudar as empresas a descobrir o que os bloggers pensam da sua empresa, “a Umbria, uma empresa de investigação de mercado, desenvolveu um software cuja função é investigar o teor dos comentários em blogues envolvendo os seus clientes. O programa cruza ferramentas de inteligência artificial com algoritmos e regras linguísticas, tudo para elaborar um relatório das opiniões dos consumidores sobre determinados produtos. O software vai mais longe, estimando a idade e género dos bloggers.
Hospitais SA vs. SPA
Sobre um assunto que ainda vai fazer correr muita tinta (neste caso muitos posts): a gestão dos hospitais. O DN escreve hoje: “Os hospitais SA conseguiram reduzir em 0,235% o número de mortes verificadas em pacientes internados, comparativamente com os SPA”. Ontem, um dos autores referia a um canal de televisão que se os SA apresentavam melhores resultados, já anteriormente à experiência o fariam.
Sete razões para não gostar da PT
Não gosto da PT. Talvez seja por ser o meu operador. Se fosse outro, a Oni ou a Optimus, se calhar passava a não gostar destas. Mas não são.
Não gosto da PT. Afinal, é o meu operador. Estive a pensar porque não gosto da PT. Lembrei-me de sete razões. Podiam ser mais, podiam ser menos. Estas foram as que eu me lembrei:
- Pago uma exorbitante taxa fixa. Ainda por cima acrescida de IVA. Agora a 19%;
- Sou constantemente incomodado por ofertas de serviços da PT não solicitados;
- Quando, por qualquer distracção mental, hesitamos, deparamo-nos com plano de telenofemas quase sempre inútil. As poucas excepções acontecem quando nos rendemos à lógica extorsionária desta organização;
- E que me dizem à montagem de uma linha própria para ADSL que obrigava a um contracto de 1 ano com a Sapo (Será que ainda é assim?);
- Evidentemente que qualquer serviçinho requer pagamento. Queres Sapo? Mais 20 euros. É sempre a somar. Mas o inverso não acontece pois a taxa que pago desconfio que é a fundo perdido…
- Os administradores da PT parece que vão aproveitar um pacote favorável de reformas. Mais um dos que ainda para os executivos. Ai a minha taxazinha…
- Confesso que cheguei ao ponto que me fez escrever este post. Tudo por culpa de um anúncio na TV. Uma pessoa paga e cala e tudo o mais. Mas não chegando isto, a PT ainda resolve esfregar na cara a todos os extorsionados um anúncio longo e sempre transmitido às horas de maior audiência: um Anúncio de A grande. Ainda para mais, até nos dão música, com o hino nacional. Lá vai mais um bocado da taxazinha…
Terrorismo Social
Infelizmente, a insustentabilidade do modelo actual corresponde a bases reais, embora nas discussões públicas raramente se tenha ido ao cerne da questão. Este é que a Segurança Social tem sido largamente roubada ao longo dos anos. Os principais véiculos de assalto à Segurança Social foram* (Caso saibam de mais casos agradecemos a colaboração…):
Ilegais:
- Sub-declaração de rendimentos do trabalho – A CGTP estima que haja fuga de um terço dos rendimentos que deviam entrar na Seg. Social;
- Numerosos patrões não fazem descontos pelos seus trabalhadores para a Seg. Social;
- O próprio Estado não descontou durante anos a fio pelos seus próprios trabalhadores (também ele é patrão);
- Continuando a lógica que as regras não se aplicam ao Estado, diferentes governos usaram as receitas da Seg. Social para tapar outros buracos, em tempos de vacas mais magras.
Legais:
- De pensões milionárias a acumulação de pensões de diferentes cargos, muitas vezes funções desempenhadas por períodos irrisórios;
- De benesses extra-remuneração base que não são taxadas. Inclui: carros, cartões de crédito, telemóveis, senhas de gasolina, incluindo ainda pagamento de telefones fixos e de colégios de filhos.
E ainda alguém se admira de não haver sustentatibilidade?
* Falo aqui de Segurança Social em geral, embora mais correctamente se devia falar de cada fundo individualizado. No entanto, a maior parte destes problemas são comuns a diversos deles.
A Música M.A.T.A.
O M.A.T.A (Movimento Anti Tradições Académicas) lançou uma iniciativa há pouco tempo. Faço aqui a divulgação do texto:
O MATA lança uma ideia: gravar um cd com sons, canções, ruídos e outras
músicas *para responder criativamente às tradições conformistas, às
caixinhas corporativas, ao autoritarismo e às hierarquias que nos chateiam
dentro e fora da escola.*
Para isso, convidamos estudantes e não só, gente que se junta para fazer
música e não só, a fixar os sons insubmissos que contribuam para abalar os
silêncios e para abanar os corpos, para furar os muros e para ferir os
medos. Porque não compramos caladinhos a escola-mercadoria, porque não
aceitamos as ordens "da praxe", nem a ladainha do "não há nada a fazer".
* Façam-nos chegar, até 15 de Março, essa faixa em minidisc ou cd.*
Se não tiverem facilidade de gravar, desenrasca-se alguma coisa. Como
sabem o MATA não tem dinheiro. O cd será vendido por um preço até 5 euros
para cobrir as despesas e dar uma ajuda ao MATA.
respondam sobre se aceitam o desafio ou não o mais rápido possível...para
saber com quem contar...
Aqui fica o contacto: mata.info(at)gmail.com
11 janeiro 2006
Cabeçudos
As vias públicas de Portugal estão ladeadas de cabeçudos. São o Aníbal, o Mário, o Manuel, o Jerónimo e o Francisco (em ordem de sondagem) a sorrir para a estrada e a exibir com orgulho as suas frondosas testas. São grandes as cabeças para denotar grandiosos intelectos.
São aparentemente simples os cartazes, são aparentemente iguais: umas breves palavras para serem lidas de relance, sem grande consequência, banalidades todas elas: “rigor”, “confiança”, “determinação”, “presença”, “vitória”, ocuidades; e um rosto a sorrir como quem quer fazer-se simpático. Mas há mais, além do se vê num breve olhar, note-se a pose ou o vestuário, note-se também no cenário.
É curioso que o Jerónimo se apresente engravatado mas que Mário oculte a sua gravata, ou que o Francisco exiba a ausência da mesma. A informalidade à esquerda parece ter ainda significado. Talvez para compensar o tom sério da gravata, Jerónimo é aquele que mais oferece do seu corpo, do seu tronco de ex-operário, é o que menos pontifica a testa e a intelectualidade simbólica da mesma. Mas na pose, o cartaz mais denso de significados é o de Aníbal. Neste o candidato debruça-se a sugerir uma intimidade que nunca teve com a populaça portuguesa, aqui centraram a sua fronte sobre uma esfera armilar a lembrar a auréola de um santo – é para nos convencer que se trata de um Messias?
E o que dizer da semiótica dos cenários para estas ilustres cabeças? Aníbal porque pretende salvar a nação da ruína mostra-se em contraste com uma patriótica bandeira. Com semelhante fundo abandeirado está o Francisco, mas a bandeira deste é vermelha e clama pelo olhar à esquerda. Já Mário prefere um fundo branco, querendo significar a imputada universalidade da sua candidatura e a alva pureza do seu currículo (para lavar o passado?). Jerónimo em matéria de cenários tem duas personalidades: a aludir que não tem encargos históricos mostra-se em fundo branco, mas em localidades mais militantes tem também um fundo vermelho de combatividade revolucionária - terá Jerónimo dois públicos? Finalmente, em azul real, porque se trata de nobreza intelectual temos o poeta Alegre.
Ai, como é monótono este marketing político!
Portugal, 2006
Alfama, um prédio restaurado, pintadinho de novo. No rés do chão, uma porta e uma janelinha quadrada, por cima da qual estava montado um estendal. Escrito a tinta branca na parede pintada de cor de vinho, lia-se:
"PROIBID. SECAR ROPA NEST ESTADAL SÓ INQUELINOS."
10 janeiro 2006
Emancipação da América Latina
Um país com 55% de população indígena, 30% mestiça e apenas 15% brancos europeus, a Bolívia elegeu em Dezembro e pela primeira vez um presidente indígena, Evo Morales. O seu programa político é certamente radical e se se concretizar terá com certeza a oposição feroz dos EUA e EU. Morales promete legalizar as plantações de coca, a base de subsistência de dezenas de milhares de indígenas, contra o programa de erradicação da coca levado a cabo pelos EUA (como os índios cocaleros gritavam “Coca no es cocaina! Erradica Coca-Cola!”). A nacionalização das reservas de gás natural, também promete zangar o sector privado que hoje tira lucros brutais à custa da população mais pobre da América Latina. Se estas e outras medidas, como a reforma constitucional para dar mais direitos a maioritária população indígena, se tornarem realidade, é possível que venhamos a ter um novo quadro político e social na Bolívia. As semelhanças com Hugo Chavez na Venezuela são evidentes e levantam uma questão chave (atentamente monitorada pelos EUA) – será que a recente vaga de esquerda na América Latina vai continuar? Até Dezembro de 2006 mais dez países latino-americanos vão ter eleições presidenciais e para já os resultados na Bolívia e Venezuela são um sinal de que os mais de 500 anos de colonialização da América Latina podem estar a chegar ao fim.
Se há 10 anos...
... dissessem a alguém que um Cavaco Silva a fazer campanha ao lado do Alberto João Jardim iria estar à frente das sondagens com 57%, seria difícil de acreditar. Tendo para mais em conta que nesses 10 anos Cavaco Silva nada fez para mudar a imagem. Esteve calado ou a ensinar versões sofisticadas da regra dos 3 simples numa Faculdade de Economia.
Não podem ser apenas os políticos que andam mediocres, nós mesmos deixámos de pedir melhor…
Comandante Ramona (1959-2006)
Não se lhe sabe o nome de berço, conhecemo-la como Comandante Ramona, líder do movimento de Chiapas. É com cuidado interesse pela política do simbólico que o movimento zapatista esconde a identidade dos seus combatentes. Pragmaticamente, o passa-montanhas protege a família e amizades do rebelde das represálias dos poderosos. Nesta nova identidade apaga-se todo o passado do indivíduo e cria-se um novo ser de luta e obstinada determinação. São gestos que parecem chocar com o nosso apurado ocidental respeito pela individualidade mas que historicamente não são novos. Em todos os movimentos de revolta, tanto nos motins agrícolas medievais como nos movimentos operários, se procurou substituir as identidades das sociedades opressoras por identidades inventadas e emancipadoras.
O Sub-Comandante Marcos, a face pública do EZLN (Ejército Zapatista de Liberación Nacional), repetia comummente que era somente um sub-comandante. A legítima liderança do EZLN é etnicamente índia. Ramona era uma dos membros do Comité revolucionário dos índios Tzotzil e Tzeltal Maias. Foi ela que dirigiu a famosa incursão a San Cristobal de las Casas em 1994, que anunciou o movimento zapatista ao mundo. Ramona encabeçou as primeiras negociações com o estado mexicano em Fevereiro 1994. Em Outubro de 1996, desrespeitando uma proibição do governo, Ramona participou num congresso do movimento índio na cidade do México e discursou para 100,000 manifestantes na principal praça da capital. O cordão humano que a protegeu das forças da ordem, respondia ao seu discurso: “Todos somos Ramona.”
Ramona faleceu na sexta-feira de insuficiência renal. Morreu a caminho do hospital de San Cristobal porque a região onde nasceu (viveu e morreu) habitada pela população indígena permanece sem direito a assistência médica - um entre vários direitos sociais que lhes são negados pelo neo-colonialismo mexicano.
09 janeiro 2006
A nova versão da estrela e do número
Durante a segunda guerra mundial, as vítimas do fascismo alemão eram identificadas com um número. Hoje aproveitamos a tecnologia, e até parece útil. E rapidamente vai ser tão útil que vai estar ligada a um GPS para sermos localizados em qualquer momento (no caso de nos perdermos ou sermos raptados, claro), associado a uma conta bancária (para evitar as fraudes e os roubos, claro) ou em substituição de um passaporte ou cartão de identidade (tudo para a nossa segurança, claro!). Em relação à II Guerra Mundial, muda a tecnologia, mantém-se o fascismo.
Vai uma extorsãozinha?
O programa “Nós por cá” ontem emitido na SIC denunciou algo que todos sabemos, mas que faz bem quantificar. Com a privatização dos Cartórios Notariais e a correspondente liberalização (leia-se aumento dos preços), diversas localidades viram-se confrontadas com autênticas situações de extorsão. Na reportagem dava-se o exemplo do registo de uma escritura de uma associação sem fins lucrativos. Ora estas 3 ou 4 páginas (sim, não estamos a falar de mais de 4 páginas) custariam 168 euros pelo preço tabelado, podem custar uma módica quantia entre 350 a mais de 400 euros. E ainda dizem que não há espírito empreendedor neste país…
Serviço Público?!
Hoje, às 22.25 vai para o ar na RTP1 mais um programa “Prós e Contras”. A execrável Fátima Campos Ferreira propõe hoje o tema “O Fim das Ilusões”. “O que vai mudar na vida económica e financeira dos portugueses? Em que pé estão as reformas da administração pública?”
Atrevendo-nos a imaginar as conclusões do debate, só nos resta concluir: apertar, apertar o cinto; emagrecer, emagrecer o Estado. E então viveremos felizes para sempre.
Velhice e políticas de miséria
Após os desastrosos governos do então Durão Barroso e de Santana Lopes, um país exangue a nível social pedia mudanças. Para que o seu “projecto” fosse vitorioso, José Sócrates necessitou de personificar a mudança. Como tal teria que arranjar medidas emblemáticas. Perante um país com o seu tecido produtivo em desmantelamento, sugeriu um “choque” tecnológico. Lembrou-se ainda dos velhinhos, constantemente solicitados em altura de eleições. Para os mais velhos dos velhos prometeu-lhes um complemento de reforma.
Agora no governo, a medida vai finalmente entrar em vigor. Se o benefício para os reformados maiores de 65 já só ficou prometido para as calendas gregas, a aplicação da medida trouxe algumas “surpresas”. Afinal, não só apenas se refere ao velhinhos com pensões de miséria, como ainda exige que os familiares não tenham recursos para os ajudar. Para tal, a administração irá consultar as declarações de rendimentos dos familiares. Em suma vai ser o complemento dos ultra-pobres ou daquelas famílias que não declaram rendimentos. O Estado demite-se das suas obrigações, atribuindo, ao invés, a responsabilidade às famílias e continuando uma tradição semi-tribal. Após uma vida de trabalho, as pessoas vêem-lhes negados o direito a uma vida condigna.
A uma velhice de miséria só propõem políticas de miséria. Quanto a eles, segundo nos consta, vai tudo bem. São as reformas milionárias, várias vezes acumuladas de diversos cargos. Cavaco Silva acumulará a reforma de 1º ministro, do Banco de Portugal e de Professor Universitário, sendo que ainda dá aulas na Católica. Não admira que mostre a sua reforma dourada com uma das suas casas com piscina em Vilamoura. Mira Amaral ganhou uma mensalidade de milhares de contos por uns meses na CGD, enquanto Campos e Cunha “ainda” teve de suar um par de anos no Banco de Portugal para a choruda mensalidade. São a estes funcionários públicos de luxo e não aos outros que se devia exigir moralidade, já que eles não têm nenhuma.
06 janeiro 2006
A propaganda e a manipulação dos dados
É sabido que o imperialismo ocidental anda incomodado com a China. É sabido que o elevado ritmo de crescimento económico e a incapacidade de controlar os destinos políticos desse país estão a causar suores frios na oligarquia ocidental. Também temos visto uma campanha, sobretudo na Europa, para defesa dos empresários contra a "invasão chinesa", recorrendo sobretudo ao argumento do trabalho quase escravo, das longas jornas de trabalho, das baixas remunerações e da desvalorização da moeda controlada pelo estado chinês. Esquecem-se, convenientemente, que a Europa e os EUA fizeram o mesmo em determinados períodos da sua história, e que muitos historiadores económicos apontam esses factores como essenciais ao desenvolvimento capitalista. Mas a luta imperialista entre o ocidente e a China continua. Descobrimos hoje a conclusão do presidente do Earth Policy Institute, organização independente de investigação ambiental de Washington, preocupado com a sustentabilidade ambiental do modelo económico vigente. Descobrimos que ele concluiu que o modelo não se sustenta porque a China está já a consumir mais recursos naturais do que os EUA, e portanto, se assim continuar, o desenvolvimento da China "poderá ser fatal para o planeta". Os dados parecem claros: a China consome hoje 67 milhões de toneladas de carne contra os 39 milhões dos EUA, e 258 milhões de toneladas de aço contra os 104 milhões dos EUA. Parece grave, de facto. Mas se compararmos, utilizando os dados da CIA, a dimensão da população chinesa, de 1306 milhões de pessoas, e os 296 milhões de pessoas nos EUA, e fazendo umas contas rápidas e inocentes, descobrimos que o consumo de carne per capita na China é de 51,3 kg contra os 131,8 kg nos EUA, e o consumo de aço per capita é de 197,5 kg na China contra 351,4 kg nos EUA. Qual é a origem do problema, afinal?
O desenvolvimento sustentável é uma questão premente. O autor aproveita os dados para demonstrar a insustentabilidade do modelo, utilizando o caso da China, e tenta desenhar uma alternativa, obviamente dentro do capitalismo. Como se ele conseguisse dar a resposta.
02 janeiro 2006
A farsa do Pereira
É-me cada vez mais difícil contornar a figura de Pacheco Pereira. Esta noite tivemos mais uma das suas actuações no "Prós e Contras" da RTP. Tentando repetidamente incluir-se no grupo de intelectuais que o rodeavam, a verdade é que difícilmente o conseguia. Durante o debate limitou-se a defender uma série de ideias neo-liberais, sem qualquer argumentação que realmente as sustentasse, encadeando uma série de lugares comuns que não são realmente encadeáveis, tentando mostrar uma erudição e uma capacidade reflexiva que definitivamente parece não ter. Independentemente de se concordar com o que defendiam os outros participantes, tornou-se notório que qualquer um deles rebatia as teorias atabalhoadamente apresentadas por Pacheco Pereira. Sim, podem-me acusar de um preconceito anti-pacheco pereira, mas perante a fragilidade da sua argumentação e a legitimidade que a comunicação social lhe continua a dar, alimentando a imagem de génio e enfant terrible, é impossível ver e ficar calado.
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