30 janeiro 2006

 

O Terror e os Comics


Devo confessar, sou um fã do género. Os comics sempre me fascinaram. No entanto, e admito com todo o respeito para os mais harcore, tenho um certo gosto pelo mais actual. As coisas antigamente eram por vezes um tanto quadradas. Por isso mesmo morreu o Super-Homem.

Acontece nos Comics, que por muitos vilões que se encontrem, acabam por haver sempre dois géneros. Primeiro há aqueles como Skeletor, maus até ao tutano, sem qualquer ponta de Humanidade e que passam o tempo todo a congeminar sem sucesso. É neles característico não serem muito mais além de… maus. São doidos, malignos, querem ter poder para depois no final arrebentar com o Mundo. (nota: com o Skeletor nunca percebi muito bem, acho que ele queria unir as tais espadas e entrar no tal Castelo, mas depois o que se iria passar…) Nunca tiveram mãe ou pai, se tiverem um cão é porque é mutante com oito patas. E a coisa não evolui dali. 90% dos vilões que me foram oferecidos seguiam este padrão.

O segundo género já seria mais do estilo Magneto (quem não conhece não irá perceber tanto o texto mas dá para apanhar a ideia). Ele é mau por mais do que uma razão abstracta, ele quer defender a sua raça e chega mesmo a ter sentimentos divididos por vezes em relação ao seu objectivo. Ele até forma relações com os heróis, o seu filho e filha fazem mesmo parte deles. O máximo que o He-Man alguma vez ouviu do Skeletor foram umas quantas gargalhadas com um “Vou-te liquidar!“ pelo meio. Mas apesar desta diferença, Magneto acaba por cumprir fatalmente o seu papel de vilão.

E agora o ponto que interessa. A vilanização do Terrorismo acontece, já estou até de certa forma habituado. Estranho é como tantas pessoas apagam os bastidores desse Terror. No fundo, Hamas, FARC, ETA, IRA,… todas elas podem ser facilmente colocadas num mesmo pote e esquecer qualquer outro raciocínio. Eles são os maus, ponto final. São loucos, matam mulheres e idosos, arrebentam-se consigo mesmos, só querem destruição. Se calhar por nos habituarmos desde crianças a pensar em He-Mans, em Bem e Mal preto no branco, nem sequer soa estranha tal ideia. Não se chega a duvidar. E no fundo a culpa disto tudo acaba mesmo por ser do Skeletor.

Comments:
Esqueceste-te do vilão trágico por natureza, o Dr. Destino, que trás desenvolvimento ao seu povo da Lavtéria mas que é sempre alvo de invasões de super heróis americanos!
 
Essa do Dr. Destino tinha-me escapado, mas e' bem visto.

Esta dualidade reporta-se tb nos westerns e nos filmes de ficcao cientifica, do terrivel extra-terrestre. Em estudos culturais havia a conviccao que estas historietas reflectiam a ansiedade com a guerra fria. Mas sendo que esta guerra parece resolvida, e que o modelo se mantem, talvez as raizes sejam outras, mais profundas e estaveis.

E' o modelo por exemplo da Guerra dos Mundos do H.G. Wells, no virar do seculo XIX, qual e' a metafora nesse contexto? Ou sera simplicidade fazer estas ligacoes?

Para agora o eco e' claro, como o Lumumba indica o Outro maligno e' o terrorista de barba longa e pele escura. Se calhar as questoes geneologicas nao merecam assim tanta atencao face as premencias do presente.
 
A.Cabral, P. Lumumba, Cartman,

Sobre a necessidade do povo americano ter heróis eu escrevi um conjunto de 6 posts intitulados: Marcos da Banda Desenhada Americana: Os Super Heróis, da criação ao cinema (http://memorias25abril.blogspot.com/2004/10/nona-arte-banda-desenhada.html)

Um exemplo foi o Capitão América que eu defini como " O soldado perfeito, nobre e patriota, o ideal americano dos anos 40"! Acrescentei que "A superioridade moral dos EUA estava sublinhada e este herói é, antes de mais, uma manifestação de Patriotismo"!

Mais tarde, na década de 60, os heróis nasceram da guerra fria, e os heróis desta época eram vítimas de acidentes nucleares, "É o medo da classe média Americana do desconhecido, do nuclear. É a América a tentar continuar a viver apesar do medo".

Os X-men já representavam outra faceta dos EUA, ou seja, eram o "Reflexo duma América a ferro e fogo com problemas raciais. A BD torna-se cada vez mais um escape aos problemas sociais, a solução milagrosa".

Mais tarde "Os “novos” heróis tornaram-se mais adultos, começaram a questionar a sociedade, surge o herói “anti sistema”. Era o fim da inocência do Sonho Americano, era uma América cheia de crime e corrupção que minava este sonho...", essencialmente com o trabalho de Frank Miller e Alan Moore.

"Em resumo os Super Heróis têm sido uma fuga para os medos dos cidadãos americanos, e as suas tendências reflectem muito a conturbada mentalidade americana."

Nesse conjunto de 6 posts resumo a evolução dos super heróis e como estes foram sempre um reflexo da tal mentalidade ou do contexto americano. Daria um bom estudo sociológico.

Cartman,

O Dr. Destino é visto sobre os olhos de quem o quer derrotar, daí a comparação com Pinochet. Mas curiosamente, na "vida real", os EUA apoiaram Pinochet. Mesmo assim acreditam estar a trazer liberdade ao mundo.

Abraço(s),
 
Mais uma nota, os vilões são apresentados como a antítese dos heróis:

- Se o Capitão América defende a liberdade o vilão vai defender a ditadura (fascismo/ nazismo) como o Caveira Vermelha;

- Se o grupo defender a integração racial (X-Men), o vilão defende o domínio de uma das raças (Magneto);

- Se o herói combater o crime (Daredevil) o vilão será o rei do crime (KingPin).

E por aí fora...
 
Mais notas 'a discussao.

Agrada-me muito essa descricao da mitologia do Capitao America, acrescentava talvez que ele "corporiza" (literalmente) o sonho Americano. Pelo patriotismo ele torna-se sobre-humano (foi como voluntario a uma experiencia cientifica que conseguiu os poderes, e de lingrinhas passa a ubermensch). Neste sonho americano podes ser quem quiseres desde que te dediques 'a causa nacional, desde que vistas a bandeira - ate o teu corpo se faz novo.

O que para mim e' curioso nos X-Men e' que a ansiedade tecnologica (dos herois e viloes filhos do nuclear) internalizou-se, a mutacao ocorre sem instigacao externa. Isto parece-me que denota o fim do fascinio pela fisica (e o nuclear) e o comeco do fascinio pela genetica e o biologico, que surge noutros contextos culturais tambem. Ja' no tema racial, concordo tb que os X-Men tem esse sub-texto mas o curioso e' que a diferenca racial e' multiplicada, todos os mutantes sao diferentes, sao uma inumera combinacao de corpos, e potencialidades. Isto talvez denote que o problema racial ja nao e mais entre brancos e pretos mas entre uma leque enorme de variacoes, europeus/africanos/orientais/latinos...

Mesmo a moralidade entre o Professor Xavier e o Magneto nao e tao definida como entre o Capitao America e o Caveira Vermelha (notem que o nazi e' vermelho!!!). A maldade de Magneto recua frequentemente com acessos de bondade e empatia com a racao humana, ele nem sempre esta seguro do caminho que segue. O Caveira Vermelha dessas duvidas nao tinha. A distincao que o Lumumba indica pode entao ser temporal e historica, o vilao contemporaneo e' mais aberto.
 
A. Cabral,

Gostei dessa perspectiva dos X-men... todos diferentes mesmo dentro da mesma raça. E também não é de negligenciar a perspectiva biológica que muito bem referes. Na reinvenção dos super heróis transportos para o cinema as suas origens são recontadas e o nuclear tem dado lugar à nano tecnologia.

É curioso como os super heróis acompanharam a mentalidade e os medos dum povo. Foi, por exemplo, no tempo do Nixon que estes ganharam, com mais força, a sua faceta "anti sistema".

O Capitão América só não "morreu", emboara tenha perdido popularidade, porque tornou-se num herói bélico. Veja-se como ele agora aparece nos palcos de guerra a comandar os soldados para uma vitória cheia de glória. Já não é o herói da liberdade mas sim o herói da segurança.

Abraço(s),
 
(ainda sobre o Capit.America) Passa-se assim de uma ordem de combate militar e ideologica, para uma ordem securitaria, de uma nacao policial (policia do mundo). A Marvel nao e' indiferente a nova geopolitica.

Abraco,
 
Boys and their toys!... :)
 
Dolores,

É verdade! Regressei à infância com esta discussão! Na fase adulta é engraçado ver como o que eu inocentemente gostava na infância tinha mensagens subliminares!
 
O Homem Aranha é um sub produto do sonho americano. Mas também é um dos primeiros grandes heróis trágicos. "Com grande poder vem grande responsabilidade"! Se a América tivesse representada neste herói os problemas mundiais seriam bem menores. Mas é um herói difícil de definir sociologicamente porque é muito centrado num público alvo, os adolescentes.

Chegaste finalmente aos vigilantes (Batman, Wolverine, Punisher). Eu acho que são tipicamente heróis que agradam os muitos americanos que gostam de armas e que acreditam na segurança conquistada pelas suas próprias mãos. Não são, como o Super Homem ou o Capitão América, heróis que representam o sonho americano. São heróis anti sistema, são os párias da sociedade que lutam sem reconhecimento. Mas lá que o Wolverine é popular, lá isso é...

O vigilante por natureza é uma noção perigosa mas que esteve em voga nos EUA. Este não confia na justiça e é capaz de matar sem pestanejar para atingir a tal segurança que o país precisa. Ao longo do tempo o Wolverine já teve várias caras e, hoje em dia, o seu lado animalesco é o resultado de experiências traumatizantes do passado. Têm tentado, à custa da popularidade da personagem, suavizar a sua personalidade e modo de actuação. Actualmente pertence aos Avengers, um grupo do sistema com um nome interessante (vingar o quê?), por isso julgo que a sua personagem esteja muito diferente.
 
P. Lumumba,

Não sei! Também ando desligado. Contaram-me...

Abraço,
 
So queria dar mais umas dentadinhas no Homem Aranha. E que o que sei do Aranha contradiz-se. O Aranha mais actual e' de facto o adolescente a entrar na idade adulta. Nao sei se notaram mas o filme esta recheado de referencias sexuadas, a mudanca no corpo, a nova confianca para falar com o Mary Jane, etc... Contudo, tanto como me lembro do Aranha dos escaparates, ele era o pobretanas Nova Iorquino que nem conseguia se alimentar decentemente. O Homem Aranha foi sempre para mim uma especie de heroi popular, meio-"loser", sempre a namorar a probreza e a desgraca. A moralidade neste caso e' que a sua fragilidade pessoal, monetaria tantas vezes, nao se reflectia nas suas vitorias contra o mal, como se viver nessa fronteira fosse aceitavel, ou ate indiferente. Um heroi do povo, da metropole, sem nacionalismos anexos.
 
A. Cabral,

O homem aranha é o melhor super herói na mensagem que passa. Está sublinhado que, mesmo com poderes, precisa de trabalhar arduamente para escapar a essa pobreza. O seu lema "com grandes poderes, grande responsabilidade" tem uma certa nobreza no grande herói trágico da década de 60/70.

Com o tempo isso realmente mudou. Casou com uma modelo e tornou-se mais próximo da classe média americana.

Ao contrário do que defendes acho que os filmes - sobretudo o segundo - recuperam o espírito inicial do herói. Ele passa o segundo filme sem recursos e sem capacidade para sobreviver (até a sua tia não consegue pagar a hipoteca). É só pena que seja um herói juvenil mas não deixa de ser idealista. Não é dos meus favoritos por isso mesmo, por ser para um público alvo juvenil.

Actualmente gosto mais de ler Sin City porque é mais crú, anti-sistema e sem concessões ao politicamente correcto. Não há heróis, só homens sem esperança ou ideais.

Abraço,
 
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