24 janeiro 2006

 

O que faz falta é semiótica OU How I learned to stop worrying and love Cavaco


O tema dos dias é o resultado eleitoral. Nos meios da des-comunicação de massa, como na blogosfera, tecem-se generosas elações sobre a eleição de Cavaco. Na tradicional ordem das coisas, fala-se e escreve-se muitíssimo, fulaniza-se a conversa, e a política fica por discutir. Semeiam-se culpas e louros, mas é cultivo que sabemos que não dá fruto, porque o amanhã será igual ao hoje.

O debate causa-me grande transtorno porque, para mim, Cavaco não existe. E cansa ouvir falar daquilo que não existe! Cavaco é um mero totem, uma estatueta grosseira de dúbio valor estético que representa algo além do que é. Nem é sequer um totem politico, sendo agnóstico de programa eleitoral - diz Cavaco e quem o conhece que vai colaborar com o governo, há quem acredite, há quem desacredite, cada um na sua... Cavaco passeou-se pelo país a mostrar-se ao povão, qual rei a honrar com visita a servitude. Cavaco nos parcos debates limitou-se a fintar ataques. Cavaco era um candidato que não tinha nada para oferecer, então como foi eleito?

A história desta eleição conta-se como a organização de um grande festival, um grande espectáculo das massas a comemorar. Correram rios de dinheiro para a sua realização, foram contratados reputados artistas para a animação, fez-se ensurdecedora publicidade. Era a chegada do Messias, do D. Sebastião, era tudo excepto uma eleição Presidencial. É na produção do evento que está a política. No esvaziar do debate reside o acto político, quando a oportunidade de expressão popular é sequestrada pelo espectacular. É aos encenadores que se deve a grande vitória, quem escolheu o Presidente a meses do plebiscito, quem o fez. A lição destas eleições é a evidencia que a elite nacional (a burguesia e os seus clientes) graduou-se do seu provincianismo e periferianismo. Os políticos podem ainda tropeçar em gaffes e escândalos, as costumeiras peripécias trágico-comicas, mas a máquina funciona apesar deles. Os governos sucedem-se em maiorias absolutas, sem sustos para quem mais tem e mais quer, os presidentes são eleitos em prol da “estabilidade.” O roubo segue impune e sem resistência. O roubo aprofunda-se.

Votou-se como quem compra bilhete para o espectáculo, pediu-se o Cavaco porque toda a gente o queria também. Foi com tristeza e desespero que se gritou a “vitoria”, não foram sentidos os festejos, e amanhã já deles se esqueceram.

Portugal precisa de revolta, aquela dos dentes à mostra e dos punhos cerrados. Só com ela voltaremos a sentir.

Comments:
Estabilidade para que? Para mais desemprego? Para mais garrote na despesas publicas e sociais? E' assim que cresce o PIB?

Para a miopia politica lamentavelmente nao ha oculos. Politica nao se faz de fulanos e personalidades, nem de carisma (porque no caso o homem em questao nao o tem). O que move a politica e o que esta por detras do veu: os interesses, os jogos de poder, as classes. E' preciso ver mais longe.
 
Concordo absolutamente Cabral. Esse tipo que escreveu antes de si de certeza que nao tem sentido de humor. Deve ser um gajo de respeitinho e de trabalhinho.
Mas eu quero ajudá-lo:

http://braganza-mothers.blogspot.com


Em larga medida, a mainstram media levou Cavaco ao colo nestas eleições. É preciso nao esquecer a enorme concentração da nossa comunicação social, que está nas mãos dos balsemões e afins. A coisa foi feita com enorme subtileza. Era só ver, por exemplo, as fotos do Soares no site da Sic. Apanhavam'no sempre cansado, exausto e nunca a sorrir ou bem disposto. Coisas. Ainda não estamos num país com uma Fox TV, mas para lá caminhamos. O povo é inculto porque quem está no poleiro são os de sempre. Eles querem manter o stato quo e com papas e bolos se enganam os tolos.

Ja agora, enviei'lhe um email no domingo, chegou a receber?
 
Ao migdef, não se trata de arranjar desculpas para a vitória de Cavaco, trata-se de fazer uma análise objectiva das condições políticas em que decorreram estas eleições. As últimas eleições em Portugal têm sido ganhas por negação. Durão Barroso ganhou por negação do Guterrismo, José Sócrates por negação do Durão Barroso e do Santana Lopes, e Cavaco Silva por negação de Soares e de Manuel Alegre. Não tem havido um debate político, não há troca de ideias, não há exposição. Cavaco, assim como Sócrates antes dele, limitou-se a gerir a vantagem, expondo-se ao mínimo (a quantidade de recusas de entrevistas e debates foi confrangedora, além daquele modelo televisivo de conteúdo nulo imposta pela candidatura cavaquista). A questão não é só o Cavaco, é a degeneração do modo de fazer política e de legitimação do poder. É a degenerescência da coisa democrática, que implica debate, informação, participação e cidadania crítica por parte da população. Onde esteve tudo isso?
 
A. Cabral,

Gostei da "revolta" inerente no teu texto contra o status quo, contra a estabilidade podre, contra os falsos messias. Mas não te esqueças que essa é uma revolta contra nós próprios porque Cavaco Silva não escapa à excepção de ser o nosso reflexo, saído de entre nós e de quem mais pessoas, neste contexto, identificou-se.

Eu também quero um Portugal diferente e vou lutar por ele. Quero um Portugal diferente na mentalidade e no espírito de cidadania, na propensão ao risco e na alegria e viver, na solidariedade e no combate às desigualdades. Repito, vou lutar por isso mas não posso impor o que acredito aos outros. Nem quem não vota pode dizer que quem votou escolheu mal.

É que os governates passam e a Democracia fica!

Abraço,

P.S. Gostei bastante do texto! Nota-se que vem de dentro!
 
Uma das mais perigosas decepcoes da modernidade (e da pos-modernidade) e' culpar a vitima. O interiorizar da culpa e' mistificar a opressao e envenenar a possibilidade de revolta - ao roubar ao oprimido a imagem (o objecto, o entendimento) de quem o oprime.

Assim se inventa que os "portugueses" ou a "democracia portuguesa" escolheu o Cavaco. Pois nao escolheu! O Cavaco nao e' o meu reflexo. Eu nao escolhi e nestas eleicoes nao houve escolha. A manipulacao democratica, a elite, escolheu o seu representante e depois deu-lhe um carimbo de legitimidade. E' contra essa legitimidade que se deve dirigir a revolta.
 
A. Cabral,

Não foi a minha intenção calar a revolta! Só quis sublinhar que, após estas eleições, a revolta é sobre quem votou Cavaco Silva e não o próprio. Por isso disse que a revolta é contra a nossa maioria.

Não quero deixar dúvidas, também não me revejo em Cavaco Silva. Mas quem votou - sublinho votou porque quem não o fez entregou a decisão - escolheu em consciência. As elites e a CS que temos e que nos influencia só tem esse poder se nós deixarmos que tenha. Onde anda o nosso sentido cívico?

Abraço,
 
Desculpa lá ricardo, mas não resisto:

"Repito, vou lutar por isso mas não posso impor o que acredito aos outros."
Fazes-me lembrar a Alexandra Teté dos textos de dia 2 de Fevereiro. Cuidado...:)


"Nem quem não vota pode dizer que quem votou escolheu mal. (...)Mas quem votou (...) escolheu em consciência"

Com tanta confiança na "democracia", deves ter ficado contente com o bom funcionamento do processo eleitoral palestiniano, sem fraudes e respeitando o povo palestiniano

Aguardando resposta,

Samir
 
Ó Amílcar não compreendo é como não confias na revolta da "nossa" esquerda.

Louçã, o mesmo que disse raios e coriscos do homem e das suas políticas, ao falar após o conhecimento dos resultados eleitorais, a primeira coisa que fez foi cumprimentar Cavaco pela vitória. Afinal, somos todos civilizados.

É confrangedor...
 
Samir,

Não conheço a analogia que fazes mas concerteza não é elogiosa, hehe.

Quando ao processo eleitoral palestiniano, como em qualquer outro processo eleitoral, é preciso respeitar a opinião da maioria e, desse modo, quem é eleito fica legitimado. Considero que cabe à comunidade internacional respeitar esses resultados. Mas uma democracia é a transferência da representação dos eleitores para os seus representantes (desculpa o pleonasmo) mas há regras, ou seja, um eleitor não pode praticar actos contrários às leis (sejam elas nacionais, estejam elas inscritas no Direitos Humanos, entre outras) e, logo, não pode delegar esses actos aos seus representantes. O ideal, nestes casos, é reconhecer a legitimidade de quem foi eleito e, ao mesmo tempo, quem foi eleito saber os limites do que lhe foi confiado.

Se não percebi bem se era isto que querias que comentasse, as minhas desculpas! Podemos sempre voltar ao assunto... é que já nem sei se estamos a escrever sobre Cavaco Silva ou sobre a palestina ou sobre a Democracia em geral.

Abraço,
 
Nao sei se comentarios neste cantinho e o melhor para abordar a questao. Nalgum momento proximo, teremos de abrir a caixa de pandora da representatividade. "Era bom que trocassemos umas ideias sobre o assunto."
 
Samir,

Já percebi a analogia. Como suspeitava, não era elogiosa! Mas vou aceitar com espírito democrático, hehe
 
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