29 janeiro 2006

 

Munich (2005)


Depois de ter feito fortuna com filmes de aventura e pipoca, Spielberg agora almeja o título de cineasta político. Munich narra a saga de vingança com que Israel respondeu ao atentado Palestiniano nos Jogos Olímpicos de Munique de 1972, que vitimara 11 atletas israelitas. A conduzir o enredo estão as actividades de uma unidade da MOSSAD, e a liderá-la um jovem israelita que representa a inocência e vitalidade de uma nação. Previsivelmente, é sobre o herói que se estampa a problemática moral do filme. É o seu sentido de justiça que pena sob o peso da missão: assassinar sem provas ou julgamento 11 líderes palestinianos. A moral de Munich é simples e catecista: violência é violência e é injustificável. De tão repetida, esta máxima não devia intimidar ninguém. Porque então tanta polémica em torno do filme?

Munich dirige-se a um público Ocidental, senão até Americano, sendo que o enredo se faz das acções, das paixões e dos pensamentos de um grupo de israelitas. As marcas da identidade sentem-se nos pormenores: o retratar hagiográfico de Golda Meir como uma líder visionária e filosófica, ou a escolha de Brooklyn como refugio quando o herói procura sarar as suas feridas de guerra. Pelo trabalho do hábito a audiência tradicional de Spielberg esperaria o desumanizar do terrorista árabe, para o fazer encarnar uma maldade absoluta e sem razão. O atrevimento de Spielberg é contradizer essas certezas morais e politicas.

A violência cometida por Israel toma o centro da narrativa, são os seus crimes que estão expostos na tela. Os agentes da MOSSAD ao iniciar a sua missão vêem o atentado palestiniano como bárbaro e sem justificação, enquanto a sua campanha de morte é a justa retribuição. Mas com o correr do sangue as razões dos Palestinianos vão-se insinuando na narrativa: eles estão sozinhos num combate desigual e desesperam pela atenção do mundo; eles querem somente aquilo que o povo judeu clama direito, uma nação. A convicção dos assassinos da MOSSAD vai desmoronando em loucura e dúvida. Torna-se evidente que os assassínios de líderes palestinianos se fazem não por consequência do atentado de Munique mas meramente a coberto deste, como decapitação da resistência palestiniana.

A violência em Munich parece indiferente ao seu autor, é uma sucessão de actos acidentados, a ameaçar sempre o descontrole. Mesmo o “mal” um conceito tão em voga nos EUA, já não tem a essência clínica e confiante dos campos de concentração na Lista de Schindler. O Nazi não é humano, mas o Palestiniano e o Israelita são. A violência não lhes é fácil.

É a simetria moral de Munich que causa trepidação ao sionismo. O Outro, o Palestiniano, não pode ser considerado humano, não se lhe pode permitir esse privilégio. Este regime mental tem uma vasta genealogia, de cuja mais conhecida expressão é o colonialismo. Para justificar a opressão de um povo é necessário conjurá-lo como sub-humano. Spielberg é afinal um anti-colonialista.

Comments:
Viva,

Não leio críticas a filmes antes de os ver para manter a minha percepção intacta. Mas, antes de ver, devo dizer que Spielberg a tratar de questões políticas é como andar em gelo fino...

Abraço,
 
Tem vezes em que ler a critica de um filme antes de o ver, quando bem feita - e nao tenho essa pretensao, enriquece a experiencia. Por exemplo, as introducoes do Benard da Costa aos filmes da Cinemateca, sugerem mais do que uma leitura aos filmes e nao sao necessariamente disciplinares. Nao e' afinal assim tao diferente de ler prefacios de livros.

Abraco,
 
A. Cabral,

De acordo! É uma regra pessoal para não me deixar influenciar mais do que já sou diariamente. Apesar de haver certas influências, como a tua, que não me importo de ter regularmente. Mas, neste caso, o caso da sétima arte, talvez antes do segundo visionamento, hehe!

Com amizade,
 
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