30 janeiro 2006

 

O dogma da gestão privada


Provocado por um comentário anónimo, onde se proclama dogmaticamente "o problema é que quando se nacionalizam os sectores que estao a dar rios de dinheiro eles passam a dar rios de prejuizos", não resisti a reagir e a analisar este paradigma aparentemente inquestionável. Parece estabelecido, e não só em Portugal, a ideia é capitalista mesmo, que tudo quanto seja empresa pública é irremediavelmente ineficiente, em oposição a uma gestão privada, que optimiza os recursos e a produtividade da empresa. Ora, duas questões (há tantas por onde pegar, mas vamos ser comedidos) quanto a isto:
a) É curioso ver as violentas reacções aos "jobs for the boys" aquando das mudanças governativas (com as quais concordo - as reacções, claro) e depois não fazer a relação com o resto. Ora, se muitas vezes, nesta dança das cadeiras, o governo vai buscar os melhores gestores (amigos) ao sector privado, aos conselhos de administração das grandes empresas privadas, e os colocam nas empresas públicas com ordenados chorudos e reformas milionárias, porque raio então não conseguem eles fazer uma gestão como fazem na sua empresa de origem? Será que são incompetentes, ou será que a gestão da coisa pública tem inerente, no capitalismo, um princípio de esbanjamento - a lógica de sugar o máximo ao Estado que somos todos nós? E não me venham com a desculpa dos funcionários públicos...essa já fede...E ainda assim, se temos maus funcionários públicos, de quem é a responsabilidade, deles ou dos gestores?

b) Nem mesmo do ponto de vista da teoria neo-liberal esta coisa tem total fundamento. O capitalismo actual tem a privatização dos serviços públicos como princípio, e não como resultado de uma qualquer busca de eficiência. A redução do papel do Estado é um objectivo político em si (aliás recente, se recuarmos uns 40 anos na Europa, o discurso era algo diferente), não uma medida para aumentar a qualidade do serviço aos cidadãos - o que de resto não tem acontecido com as privatizações, pelo contrário, quem é que está contente com o serviço da PT, da Brisa ou do IEP? Quem é que gosta de circular no alcatrão da A8, o primeiro bastião da gestão privada de AEs? Quem é que ainda não olhou para os resultados globais do Hospital Amadora-Sintra e não concluiu que estamos a pagar mais por um serviço pior? Claro, a seguir respondem que o mau serviço da PT se deve ao facto de não ter concorrência. É o outro dogma, o do mercado que se auto-corrige. Mas é precisamente aí que está o problema. A verdade é que os privados têm um receio enorme do Estado enquanto competidor. Se o Estado realmente competisse, a sua capacidade financeira e o seu objectivo que é o bom serviço ao cidadão (objectivo teórico, não prática estamos longe disso precisamente porque vai contra os interesses da burguesia governante e dos boys que são empossados como gestores públicos), arrasaria qualquer competição privada. O problema da PT não é ter o monopólio, é ter o monopólio e ter como único objectivo o lucro dos accionistas. Mas o dogma persiste, de tanto repetido, às tantas já nem se pensa nele, dá-se apenas como correcto e lança-se em qualquer lado como argumento supostamente demolidor...

Comments:
Os CTT, a TAP, a CP (creio), a Carris e os SMTP, a Segurança Social, o sistema de saúde, o ensino, as prisões...Ainda há tanto por fazer...tanto dinheiro para ganhar à custa da populaça...:D
 
Essas duvido. A ideia do neo-liberalismo é a de que o Estado tem apenas a função securitária, essencialmente para proteger a propriedade. Tudo o resto deve estar nos privados. Portanto, apesar de poder privatizar parte da segurança (como já está a acontecer com a substituição da PSP por seguranças privados em algumas situações), o monopólio da violência continuará no Estado. E a Justiça, por definição, não é privatizável, mas nunca se sabe...
 
Parte da políca e das prisões é privatizável (veja-se os EUA). Evidentemente que a elite dominante quer manter o controlo sobre a situação e convém ter um controlo integrado sobre uma força suficiente forte para a opressão necessária e impedir a desagregação em pequenos feudos. Como a elite dominante fica sempre por cima nas eleições o sistema ganha "legitimidade".

Embora considere que a competição tem algum papel a desenvolver em determinados sectores (por exemplo, até a URSS tewntou introduzir competição entre empresas estatais), é claramente uma má desculpa.

Se a busca de eficiência fosse o verdadeiro objectivo, a introdução de simples regras de boa gestão (muitas vezes também não usadas no privado) seria bem mais importante que processos de privatização. Veja-se o exemplo dos telémoveis onde as operadoras praticam preços absurdos. A ANACOM veio recentemente denunciar o que qualquer português já sabia.

Uma das principais regras de boa gestão é ver comparar com práticas de outras entidades, o chamado benchmarking. Havendo uma entidade reguladora séria, bastava estabelecer preços de referência baseados nas melhores experiências de outros países.

Outro exemplo onde a concorrência atinge o absurdo são os genéricos. Seria mais "eficiente" contratar uma a três entidades que apresentem preços de custo mais baixo e efectivamente inspecionar a qualidade do medicamento. Actualmente não há efectiva fiscalização para muitos genéricos. Deixando-se de comparticipar os medicamentos de marca e tinhamos um sucesso de gestão.
 
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