30 junho 2006
Assassínio, mentiras e lata, muita lata
A propósito da discussão que está a ocorrer aqui, escolho um extracto d’As Palavras da revista Política Operária de Março/Abril:
Ovo de Colombo
“Para criar emprego é preciso primeiro criar desemprego”
(Ludgero Marques, na reunião de empresários em Vigo, 1/4)
Bruxo
“Seria melhor que Milosevic morresse no banco dos acusados. Tal como o julgamento está a decorrer, poderá ser condenado só por acusações menores.”
(James Gow, “perito em crimes de guerra” e apoiante do tribunal de Haia, numa entrevista à Channel 4, em 2004)
Adubo
“Acusam-me de ter dito que os comunistas comiam crianças. Na China de Mão, não comiam as crianças mas coziam-nas para servir de adubo nos campos.”
(Sílvio Berlusconi, num comício em Nápoles, Corriere della Sera)
29 junho 2006
Façam as contas
O Diário de Notícias de 4ª feira fazia manchete que Portugal viu o fogo destruir um quinto da floresta nos últimos dez anos.
Agora convido-os a puxar da calculadora e fazer uma continhas...
27 junho 2006
Faluja: O massacre escondido
Depois de um primeiro ataque tentado em Abril de 2004, rechaçado pela Resistência e pela população, as tropas dos EUA atacaram de novo em Novembro, cercando a cidade, cortando os abastecimentos e bombardeando áreas habitacionais com fósfoto branco. Foram mortas entre 4 e 6 mil pessoas.
Projecção, seguida de debate, do documentário da RAINews sobre o assalto das tropas norte-americanas à cidade iraquiana de Faluja (legendado em português, duração 20 minutos). Participam no debate os coroneis Vasco Lourenço e Mário Tomé e o dr. Jorge Figueiredo, editor do site resistir.info
Sessão promovida pelo Tribunal-Iraque com o apoio da Associação Abril.
Quinta-feira, 29 de Junho, 19 horas
Associação Abril
Rua de S. Pedro de Alcântara, 63, 1.º D, Lisboa
(frente ao jardim de S. Pedro de Alcântara)
26 junho 2006
Fortaleza Europa
Uma acção de protesto contra a Europa Fortaleza ou o Muro do Mediterrâneo acabou em violenta repressão. Reproduzimos a informação transmitida pelos companheiros do Monte do Olivete:
"Na manha de sabado, dia 24 de Junho a II Caravana Europeia pela Liberdade de Movimento – a I Caravana deslocou-se a Ceuta, em Novembro passado, para denunciar a morte de mais de 40 pessoas que atravessavam os muros de Melilla – continuava com o seu programa de actividades iniciado na sexta feira anterior. As 10.30 da manha, mais de 100 pessoas de varios paises da Europa estavam concentradas em frente de um "Centro de Internamiento de Estranjeros" (CIE) actualmente em construcao em Barcelona. Este novo centro de internamento substituira o CIE actualmente em funcionamento em Barcelona (bairro da Verneda) e sera o maior de Espanha.
Esta acçao terminou com multiplas agressoes por parte da policia e pela detençao de 59 pessoas, entre as quais dois jornalistas (Europe press e TVE).
Hoje, domingo 25 de Junho, continuam detidas 57 pessoas em condiçoes que sabemos serem extremamente duras. Encontram-se em grupos de 6 em celas previstas para 2 pessoas e varias pessoas foram maltratadas. Foram acusados de estragos materiais e perturbaçao da ordem publica. Os pedidos de libertaçao por abuso policial e detençao arbitraria até agora nao foram aceites, e os 57 detidos serao amanha levados a tribunal onde prestarao declaraçoes.
Denunciamos assim a inusitada repressao policial de um acto pacifico pela defesa de todas as pessoas migrantes, e apelamos a todas as pessoas, movimentos e colectivos a solidariedade e apoio aos detidos atraves do envio de fax, mail e noticias para jornais, embaixadas e consulados."
Câmara Escura
Já se falou aqui como está na moda comparar Hitler a Estaline. O último dos episódios foi registado no “Câmara Clara”, o novo programa cultural da 2, da responsabilidade de Paula Moura Pinheiro. Da literatura à música a apresentadora e os dois convidados, Richard Zimler e António Costa Pinto abordam a cultura de “resistência” à barbárie. A tese apresentada é que afinal todos os totalitarismos são iguais.
Longe de mim vir agora recuperar o “pai dos povos”. No entanto, não se pode deixar passar em claro esta tentativa de reescrever a história. Não só no papel histórico de cada personagem, quer como num passo seguinte em que colam Fascismo e Comunismo como faces da mesma moeda. Num pretenso programa cultural apresentam um extenso manifesto, infelizmente nada original e bastante mais do mesmo.
À laia de nota de rodapé, estes democratas ainda abordam outros temas. Especialmente, Zimler, “judeu” crítico da política de Israel, critica a vitimização constante do povo judeu como justificação dos ataques aos palestinianos. Deixa ainda umas palavras de perplexidade perante Bush. Pena é as suas palavras para estes regimes serem bastante mais suaves do que para outros. Critérios…
22 junho 2006
Por Ana Sá Lopes
“Havia um mistério na crise timorense: porque é que os revoltosos prosseguiam armados? Porque é que o"comandante" Reinado descansava em sossego com a protecção australiana? Ontem, o brigadeiro Slater, número um da força australiana, veio esclarecer tudo: as tropas não desarmam os rebeldes porque Xanana não lhes pediu. Simples. Quando Xanana lhes pedir, estão prontos. Ou, nas palavras do brigadeiro, "quando chegar o tempo certo".
Aparentemente, segundo Slater, o Presidente timorense está a tentar a reconciliação entre as partes. Com 2000 homens sob o seu comando, Slater diz que não arrisca: "Se cada um actuar independentemente e fizer algo que não seja aceitável para todas as partes corremos o risco de provocar maior turbulência."
Enquanto isto, "os nossos rapazes" da GNR estão no epicentro de um turbilhão de consequências imprevisíveis. Comandados por António Costa (a sério, a sério), apresentaram-se em Díli sem qualquer garantia e foram tratados pelos australianos com a mesma simpatia com que os analistas de Camberra avaliam o papel de Portugal em Timor. Igual a zero. Foram, depois, acantonados pelos australianos em Comoro, bairro periférico que une Díli ao aeroporto. António Costa, comandante das tropas, já teve a primeira derrota no terreno.
Portugal prepara-se, agora, para uma derrota diplomática: pode ser que, com a alegria do Mundial e o aumento das exportações, a coisa passe despercebida. Na terça-feira, nas Nações Unidas, a Austrália apresentará o seu projecto de controlo do futuro de Timor que, aparentemente, tem a bênção do ministro dos Negócios Estrangeiros e da Defesa, José Ramos-Horta. De Xanana nada se sabe, nos últimos tempos: mas todos os seus passos (nomeadamente os da sua mulher, Kirtsy) não iludem que concorda com a aliança. Alkatiri é o monstro que, até agora, nem Xanana, nem Ramos-Horta (todos os dias esclarece estar pronto para ser primeiro-ministro), nem o Governo australiano conseguiram ainda erradicar. Mas, na ONU, o papel decisivo será dos EUA: duvida-se que a diplomacia americana fique ao lado de Alkatiri. Se for aprovado o plano australiano para o controlo de Timor, a imagem dos GNR a patrulhar Comoro é uma metáfora. Não é grande coisa, mas é uma metáfora.”
Ana Sá Lopes, DN de 11 de Junho
Anatomia de um golpe
Ontem, completou-se o círculo da tentativa do golpe em Timor. Só que nem sempre o que parece é. Para nós que estamos longe é mais fácil estabelecer uma sucessão de acontecimentos relevantes, limpa de ‘ruído’ de menor importância. Já aqui denunciamos as contínuas tentativas de suborno pela Austrália para conseguir os seus objectivos nas negociações do petróleo, bem como a opinião de Ruben de Carvalho e “Govan Mbeki” sobre a questão. Agora olhamos para as actividades mais recentes (mais ou menos) por ordem cronológica:
- “Revoltosos” pegam em armas e iniciam distúrbios, pedindo demissão de Alkatiri;
- Austrália prontamente se oferece para “ajudar” o vizinho;
- Primeiras duras críticas do Primeiro-ministro australiano ao governo timorense;
- Xanana Gusmão usa o seu prestígio de “pai da pátria” para tentar “acalmar” distúrbios;
- Discussão a quem GNR obedeceria se Austrália se a Timor, e dentro de Timor ao governo ou ao presidente.
- Choque violento entre militares australianos e GNR portuguesa: Australianos queriam mostrar quem é que manda em Dili; Já o Parlamento era protegido por Malaios e gostava que GNR patrulhasse Dili;
- Pressões sobre governo; Alkatiri muda dois ministros, o da Amdinistração Interna e o de Defesa, o último substituído por Ramos Horta;
- 8 de Junho – Ramos Horta disponibiliza-se para substituir Alkatiri;
- O chefe dos revoltosos, anteriormente radicado na Austrália, é entrevistado, tendo por companhia militares australianos supostamente para fazer de ligação;
- Mrs. Xanana Gusmão, uma australiana recauchutada timorense aponta baterias contra Mari Alkatiri. O Primeiro-ministro australiano volta à carga;
- 11 de Junho – Porta-voz de peticionários é recebido por Xanana;
- 16 de Junho – os revoltosos entregam as armas após “ordem de Xanana”
- 18 Junho – Xanana acusa FRETILIN de fazer golpe
- 19 de Junho – Ramos Horta visita supostos esquadrões: "Custa-me a crer que seja verdade. Mas este grupo parece ser fidedigno, sério e sente-se enganado (...) Acharam que as ordens que receberam não eram justas nem corretas e, por isso, recusaram cumprir as ordens e (decidiram) falar", acrescentou o ministro.
A prova que tudo isto não passa de um golpe está também no discurso de Xanana. Este preocupa-se mais a mostrar o seu antagonismo face à FRETILIN, juntando-se às elites da Igreja e dos partidos da oposição.
“Xanana acusa FRETILIN de fazer golpe para matar a democracia
O presidente timorense, Xanana Gusmão, afirmou hoje que a alegada distribuição de armas a civis se insere num plano da FRETILIN para «fazer o golpe e matar a democracia» em Timor-Leste.
«A FRETILIN quer fazer o golpe e matar a democracia», acusou Xanana Gusmão, numa mensagem ao país, em que anunciou a intenção de se demitir do cargo de Presidente da República se o primeiro-ministro, Mari Alkatiri, não o fizer.
«O problema da distribuição de armas não é para esta situação que estamos a atravessar. Eles já têm um plano. Fizeram a distribuição por causa das eleições de 2007 e é por isso que ouvimos eles dizerem: só a FRETILIN pode criar a estabilidade e a instabilidade», acrescentou.
Uma parte significativa da mensagem, que Xanana Gusmão demorou mais de 90 minutos a ler em tétum, foi dedicada à FRETILIN (Frente Revolucionária do Tim or-Leste Independente), partido maioritário liderado por Mari Alkatiri.
Xanana Gusmão integrou a FRETILIN até 1987, quando decidiu despartidarizar as Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor-Leste (Falintil), de que foi comandante. As Falintil foram criadas em 1975 como braço armado da FRETILIN.
Na mensagem ao país, Xanana Gusmão historiou o processo de criação da FRETILIN e reconheceu que a opção pela ideologia marxista-leninista, numa reunião do comité central do partido, realizada em Maio de 1977, e em que ele próprio participou, correspondeu ao espírito da época.
Frisando que os tempos mudaram e as pessoas também, Xanana Gusmão considerou que se Nicolau Lobato e outros antigos dirigentes do partido ainda hoje estivessem vivos, «na era pós-guerra fria, nesta era de globalização e tecnológica, eles sentiriam que, para este Timor que eles amaram tanto e por ele entregaram as suas vidas, as ideologias antigas já não servem».
«Hoje, um pequeno grupo, vindo do exterior, quer repetir outra vez os comportamentos e atitudes anteriores, de 1975 a 1978», acusou, numa referência ao grupo dos exilados em Moçambique durante a ocupação indonésia, cuja figura principal era Maria Alkatiri.
Xanana Gusmão relembrou os acontecimentos de 1975, quando a UDT desencadeou um golpe «para fazer sair os comunistas desta terra e assim ter dado origem à guerra fratricida em Timor», para afirmar que agora, em 2006, «a FRETILIN quer fazer o golpe e matar a democracia».
O presidente timorense acusou também a direcção da FRETILIN de ter comprado votos no último congresso do partido, realizado em Díli, de 17 a 19 de Maio , afirmando saber que um delegado «recebeu 100 mil dólares para comprar os outros».
«Não sei se ele dividiu bem o dinheiro... talvez tenha dado apenas 500 dólares para os delegados e guardou o resto no bolso. Mas isto não interessa. É um assunto privado e ele não fica rico só por isso. Isto não é problema do povo, o dinheiro é do partido», afirmou, sem identificar o delegado em causa.
Afirmando conhecer a FRETILIN melhor do que «alguns delegados de todos os que participaram no congresso», Xanana Gusmão criticou o recurso ao voto de braço no ar, em vez do voto secreto, para eleição da actual direcção do partido.
Os delegados «só falam e levantam as mãos porque têm medo de perder o trabalho, para dar de comer à mulher e aos filhos, e mais ainda, por receberem dinheiro por trás», acusou.
Xanana Gusmão disse que, «enquanto Presidente da República», rejeita os resultados do II Congresso da FRETILIN por o método de votação por braço no ar não ter respeitado a legislação que regulamenta a eleição dos órgãos de direcção partidários, classificando a direcção liderada por Mari Alkatiri como «ilegítima».
«Enquanto Presidente da República não aceito o resultado do congresso, exijo à Comissão Política Nacional [da FRETILIN] que organize de imediato um Congresso Extraordinário para eleger, de acordo com a Lei nº 3/2004, sobre os Partidos Políticos, uma Direcção nova», afirmou.
«Dou um prazo de uma semana, para que este Congresso Extraordinário seja feito, porque a actual direcção da FRETILIN é ilegítima», vincou.
A acusação de Xanana Gusmão sobre o congresso da FRETILIN já foi rejeitada pelo por Mari Alkatiri, que a classificou como «extremamente séria».
«Não houve compra de votos de espécie alguma», garantiu Mari Alkatiri, em declarações à Lusa.
«Lamento que o presidente tenha chegado a este ponto de alegar compra de votos. É uma acusação extremamente séria. Não considero esta polémica saudável, porque a liderança da FRETILIN tudo tem feito para contribuir para a solução e não para agravar a situação», disse ainda Mari Alkatiri.”
Diário Digital
21 junho 2006
O Nódoa
Apesar das malfeitorias contra os bonecreiros (trabalho precário, despedimentos…), o contra-informação contimua a produzir as suas pérolas. Umas das mais recentes refere-se à adaptação do Noddy, herói das crianças criado por Enid Blyton já faz alguns aninhos e relançado agora com um dos maiores sucessos comerciais de sempre. Na versão do contra-informação o Noddy é antes Nódoa, ou melhor, o velhinho Marques Pentes reeditado. Na paródia do Nódoa, o Paulo Portas e o Santana Lopes são dois diabretes que querem fazer complicar a vida ao Nódoa. Outros elementos da vida partidária nacional aparecem, substituindo outras personagens.
Ora este texto vem a propósito das últimas declarações de Marques Mendes na comunicação social sobre o fecho da Opel GM da Azambuja. Perante a luta dos trabalhadores, Marques Mendes diz que não são greves/manifestações que garantem o emprego, mas sim o bom-senso. Pena o Nódoa ter memória curta e esquecer as suas responsabilidades em boa parte das últimas décadas: ora ele que foi ministro destacado no Cavaquismo, que tem estado sempre na crista da onda (e não apenas no body-board), um dos responsáveis pelo nosso país se ter especializado em sectores de mão-de-obra intensiva e barata tem a lata de vir falar de bom senso.
Mas que grande cabrão me saiu este Nódoa…
20 junho 2006
Team America
A atitude bélica dos EUA no campeonato do mundo ficou patente no jogo com a Itália no passado sábado, em que dos cinco cartões vermelhos atribuídos desde o início do campeonato, três foram nesse jogo.
Mas nada como ouvir as palavras de Eddie Johnson, um dos atacantes da equipa americana, uns dias antes do jogo, depois de ter visitado a base militar de Ramstein:
“We’re here for a war. Whenever you put your jersey on and you look at your crest and the national anthem’s going on, and you’re playing against a different country, it’s like you do or die, it’s survival of the fittest over ninety minutes-plus. We’re going to go out there and do whatever we’ve got to do, make tackles, do the things when the referee’s not looking... to get three points.”
E concluiu dizendo, “It’s do or die... I don’t want to go home early.” Ao contrário dos seus compatriotas no Iraque.
Coisas que o Capital não percebe
Trabalhadores da GM de Saragoça não querem produzir Combo
... se a mudança implicar o fecho da unidade da Azambuja.
Uma das principais desvantagens da acção sindical é a sua localização. A uma acção dos trabalhadores a empresa pode responder globalmente, e sentir pouco (ou nada) o seu efeito. Mesmo sem um braço, o polvo pode ainda viver bem. Problemas tem o polvo, quando os trabalhadores se percebem como iguais, dominados pelo mesmo problema.
P.S: as acções nos outros países são seguimento claro da ameaça de despedimento que também paira sobre essas outras fábricas. Não tenho ilusões em relação a isso. Mas não deixa de ser extraordinário o facto da acção surgir em termos preventivos e mostrar alguma internacionalidade entre os trabalhadores.
2o P.S: ainda me lembro de um título de Sexta-Feira (ou Sábado) do Público, algo como "Tristeza na Azambuja, Alegria em St. Petersburgo e Saragoça" (estou a falar apenas de memória). Parece que alguém gostaria de ver um pouco mais de fel entre os trabalhadores de Saragoça e Azambuja. Lamentamos a desilusão.
19 junho 2006
O herói
João Ricardo é guarda-redes da selecção de Angola e tem sido muito elogiado pelas suas exibições no Mundial de futebol na Alemanha. Este herói está desempregado aos 36 anos, após o Moreirense não ter renovado o seu contrato em 2004. No entanto, o sonho falou mais alto e tem mostrado o seu valor na campanha do Mundial. Afinal, o desemprego diz muito pouco do valor das pessoas e bastante mais da irracionalidade do capitalismo como modo de produção.
A incapacidade do próprio movimento sindical em integrar este sector da população não tem ajudado a chamar atenção ao drama do desemprego. Uma das experiências interessantes, infelizmente efémera, foi o movimento em França.
Desempregados de todo o mundo uni-vos!
Lacerante
Uma expressão ecoa pela minha mente nestes últimos dias: “A pornografia é a teoria, a violação é a práctica.” Será por conta do meu crânio oco, que esta verdade me persegue? Será a ferocidade desta afirmação que me seduz?
18 junho 2006
Opel/GM Azambuja
A fábrica da Opel Azambuja parece condenada caso trabalhadores e governo não cedam à chantagem da empresa. Após o regabofe de anos de subsídios, prepara-se para partir caso governo e trabalhadores não apresentem soluções. Tal levou até Miguel Sousa Tavares a lembrar-se que o capital não tinha pátria. O mais grave é que após os (creio que) 1200 empregos directos e os outros indirectos sacrificados, a sangria não vai ficar por aqui, e chantagem e fuga continuará a ser o pão de cada dia.
No entanto, para além da sacanagem inerente ao capitalismo, há outros a quem apontar dedos. Que dizer dos erros colossais na aplicação de fundos por parte dos sucessivos governos? Da impunidade reinante na utilização dos fundos e nas falências milionárias para alguns? Da falta de estratégia em promover emprego e produção mais qualificada?
Recentemente, os políticos, académicos e outros que tais gostam de apontar o papão da globalização como único causador de todos os males. Seria certamente mais simples se fosse assim, mas não é verdade. Dos muitos culpados que por ai pululam em lugares chave e posições respeitáveis, há um que é presidente da república e anda a promover roteiros da inclusão. A isto chamo falta de vergonha.
17 junho 2006
Enquanto está tudo distraído com a copa…
Em vez de sete tiros na cabeça foi um no peito, mas de resto a história dos dois irmãos, Mohammed Abdul Kahar e Abul Koyair, é muito semelhante à do brasileiro Jean Charles de Menezes. Um contingente de 250 homens cerca o bairro de Forest Gate às 4 da manhã de 2 de Junho, entra pela casa de uma família de origem Bangladesh, e dispara contra um dos irmãos. Qual foi o crime? Serem de origem asiática e terem barbas compridas.
No imediato do acontecimento, a polícia disse que tinha dado ordem aos dois irmãos para se renderem – mentira, nenhum aviso foi dado. A polícia disse que foi alguém da casa que disparou contra Mohammed – mentira, foi um dos oficiais que deu o tiro. A polícia disse que a família estava associada a grupos terroristas que preparavam um ataque – mentira, depois de uma semana de rusgas na casa, não foram encontradas as armas químicas que “informações específicas” tinham indicado estar lá.
Ao fim de uma semana de interrogatórios (e sei lá que tipo de intimidações) os dois irmãos foram libertados, sem qualquer acusação. Agora, resta-lhes o medo do crime que sofreram e uma casa toda revirada e escavacada. Quanto ao polícia que liderou o crime (este e o assassinato de Jean Charles de Menezes) foi homenageado pela rainha e feito Commander of the British Empire.
Porquê que 250 polícias atacam uma moradia onde vive uma família? Será apenas um erro humano? Será incompetência? Será medo do que possa acontecer? Nada disso. Isto só pode ser entendido como uma tentativa de criar a ilusão de que o estado britânico protege os seus cidadãos contra o “terrorismo” (quando estão completamente à nora), mas sobretudo, como uma política de terror sobre aqueles que mais radicalmente se opõem às agressões imperialistas no médio oriente.
16 junho 2006
HIV/SIDA
A pandemia da SIDA atinge principalmente os países africanos. Pondo em causa a viabilidade da estrutura económica de vários países a longo prazo, os efeitos já se fazem sentir.
Ouvi falar pela primeira vez deste fenómeno na África do Sul, um dos países mais afectados pela doença e uma das prováveis fontes de novas infecções no Sul de Moçambique. Mas também no Norte de Moçambique os relatos são semelhantes. Os adultos morrem de SIDA deixando filhos pequenos que, ou não têm quem cuide deles, ou ficam entregues aos cuidados dos avós. Muitas vezes de saúde debilitada, eles próprios esperando nesta última fase da vida serem ajudados pelos filhos agora falecidos, vêm-se a braços com mais algumas bocas para alimentar e educar sem as forças de outrora.
Junte-se a isto, para a província de Cabo Delgado, que a esperança de vida diminuiu dois anos estando agora por volta dos 37 anos.
Uma das preocupações numa província tão afectada pelo analfabetismo (cerca de 80% da população não sabe ler nem escrever) são os professores. Mas estes também estão em risco por via do HIV/SIDA, e com eles e elas os alunos e alunas, pois é prática corrente pagar com favores sexuais a passagem num exame.
Perante este cenário, e ao ouvir as declarações de um responsável político na televisão nacional referindo que desconfia da eficácia dos preservativos gratuitos simplesmente por serem gratuitos e que ainda faltou discutir na entrevista que decorria se o HIV existe mesmo ou se é uma produção laboratorial, só resta uma profunda tristeza.
15 junho 2006
A culpa é do governo...
No dia 6 de Maio, a rubrica Dois Dedos de Conversa da revista NS que sai com o Diário de Notícias entrevistou o Presidente da Prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP), Carlos Barbosa. Segundo este só o governo poderia mudar a sinistralidade rodoviária. Transcrevo agora a mini-entrevista:
“P – Um estudo da GNR conclui que 91% das mortes nas estradas se deve a erro humano. Como comenta?
R – Concordo. O ensino e os exames são francamente maus. O governo disse que ia mudar isto, mas ainda não fez nada.
P – A PRP assume alguma responsabilidade?
R – Não. Temos feito tudo o que é possível. O governo tentou acabar com a PRP, mas não conseguiu. Por isso, vamos continuar a fazer mais e melhores campanhas – um trabalho que desempenhamos há 42 anos.
P – De quem é a culpa, afinal?
R – E das pessoas que tem acesso a exames fáceis. As pessoas vão para as escolas de condução para tirar a carta e não para aprender a guiar. Só o governo poderia mudar isto. Prometeu-o em Outubro passado e nada.
P – O problema está na taxa de álcool?
R – A taxa de álcool em Portugal esta bem. Se querem penalizar as pessoas com mais de 0,5, sou a favor. Menos do que isso, estou contra. Quanto às estradas, acho que há uma enorme melhoria em Portugal.
P – Mais vale não conduzir?
R – Não. A solução é investir tudo o que for possível no ensino. O grande problema está no ensino e fiscalização policial.”
Há um pequenito pormenor a adicionar. É que Carlos Barbosa, creio que ainda enquanto apenas presidente do ACP, fartava-se de ser apanhado em excesso de velocidade. Mais, punha depois para que lhe retirassem a multa. E esta, hem?
14 junho 2006
Uma questão de confiança
Bush foi ontem ao Iraque numa visita surpresa. Só 6 dos seus mais directos colaboradores sabiam da visita e o Primeiro-Ministro “eleito” do Iraque, seu “aliado”, soube-o 5 minutos antes de o encontrar. A isto eu chamaria confiança.
(título emprestado de um filme de Hal Hartley)
A pilhagem da história
Um dos enlatados do Canal 2 abordou a velha questão da pilhagem da história dos países colonizados/ conquistados. Naquele caso abordava especificamente o caso do Egipto. Este país tem uma campanha em curso que visa que Estados e particulares devolvam os diferentes artefactos. A polémica é grande, especialmente no que diz respeito às peças mais relevantes como a pedra de roseta e outras no British Museum em Inglaterra. Na França, o destaque vai para algumas peças no Louvre e para o Obelisco, pilhado do templo de Luxor, a enfeitar uma das principais praças de Paris. A pilhagem de artefactos Gregos também e famosa e mais recentemente, aquando da invasão do Iraque houve diversos relatos de roubos (e destruição) da herança cultural do Iraque embora já não em termos oficiais como outrora.
Se a pilhagem sistemática dos impérios já não é novidade (embora continue a ser escandalosa), foi interessante ver duas investigadoras britânicas a defender a manutenção dos artefactos. Uma delas era membro do Instituto das Ideias, o que quer que isso seja. Os argumentos eram vários e rezavam assim: era uma forma de dar a conhecer a cultura egípcia e um incentivo a viajar ao Egipto; por exemplo, a pedra de roseta (através da qual se decifrou os hieróglifos, por ter exposta varias línguas) é uma prova de interactividade entre culturas; por último, que a devolução pode pressupor que as pessoas podem perder o acesso as peças por terem determinada identidade. A elas gostaria de perguntar:
Porquê na Inglaterra?
Qual a sua opinião face às pilhagens dos nazis durante a Segunda Guerra?
12 junho 2006
Lobo com pele de cordeiro
Tem-se tentado criar à volta de António Borges a aura de homem providencial. Mais um na história de Portugal. Ele bem se esmera por se pôr em biquinhos dos pés.
Apesar de ter estado calado durante os disparates das últimas décadas (na foto no congresso do PSD), diz agora “Há uma extraordinária ignorância em Portugal sobre economia, que se reflecte depois em políticas económicas erradas e confundem a opinião pública”, continuando com uma análise económica da situação.
Acaba por chamar a atenção para a cada vez maior disparidade entre ricos e pobres: “Não se percebe como há gente que está tão bem.” Nós diríamos pois não, senhor Borges.
Diz o roto ao nu...
Com um misto de intenção e incompetência têm-se feito nas últimas décadas os buracos financeiros na Segurança Social (e que já aqui debatemos). No último episódio, Adão e Silva, deputado do PSD, interpelou o governo sobre a baixa transferência de fundos para a Segurança Social por parte do actual governo.
O Ministro do Trabalho respondeu se Adão e Silva se tinha esquecido que o recente governo PSD em que ele esteve transferiu ainda menos.
Estamos entregues aos bichos!
11 junho 2006
Este homem é um assassino
Rear Admiral Harry B. Harris, Jr. é o carrasco de Guantanamo em funções desde Março de 2006. Os resultados não tardaram. Na noite passada, três dos detidos no campo de concentração de Guantanamo enforcaram-se. O admirável almirante não tardou em extrapolar que se tratava de um acto premeditado. Mais até, e cito: “Eles não tem respeito pela vida, a deles ou a nossa. Não acredito que este tenha sido um acto de desespero, mas um acto de … guerra contra nós.” O suicídio foi afinal uma operação militar contra o Estado Americano!
Eles convencem-se que podem tudo. A demência dita-lhes que podem demolir a verdade, tal como arrasam os bairros de Bagdad. A demência dita-lhes que são donos dos corpos que assombram as jaulas de Guantanamo.
Este homem é um assassino.
09 junho 2006
Pemba, Cabo Delgado
É uma cidade moçambicana numa península que rodeia a baía com o mesmo nome. Capital da província costeira mais a norte, faz fronteira com a Tanzânia. Entre Pemba e o rio Rovuma, abundam mangais, praias paradisíacas intocáveis, ilhas magníficas ocupadas por estranhos projectos privados de eco-turismo. Uma noite pode ascender aos 400 dólares por pessoa.
Mas mesmo em Pemba, junto à não menos afamada praia de Wimbi, há uma meia dúzia de pequenos hotéis e residenciais. Restaurantes são dois. A ementa não varia muito mas com peixe assim a mais não são obrigados.
Tudo à beira mar plantado, claro. Os putos correm na areia, jovens aproveitam para vender colares, candeeiros, pulseiras, esculturas de madeira. “Senhora, senhora! Patrão!” chamam os putos acenando com bugigangas para vender. As mulheres passam com lenha à cabeça e crianças pequenas às cavalitas, os homens com peixes com um cordel atravessado pela boca que levam pela mão.
Mas duas coisas saltam à vista: o guarda armado que se vê à noite para impedir que os “indesejados” entrem num dos restaurantes. A outra são os turistas brancos que se passeando pela praia vão cumprimentando os poucos brancos que lá se banham. E apenas esses.
08 junho 2006
Línguas
A partilha de África decidida na conferência de Berlim no final do século XIX foi provavelmente o momento decisivo e com maiores consequências para África. Sem olhar a povos, etnias, línguas, culturas, seguindo o faro dos colonizadores para as riquezas do continente negro e os destinos do capitalismo, traçou-se a régua e esquadro o destino de milhões de pessoas.
As lutas de independência que se agravaram depois da 2.ª Guerra Mundial trouxeram a lume uma questão de vital importância para os futuros países africanos. Que língua oficial escolher? A do colonizador, símbolo da opressão? A língua mais falada pelas pessoas que habitavam esses estranhos novos países? Várias?
A maior parte dos países ficaram pela língua do colonizador, acrescentando-lhe a língua local mais falada. Por exemplo, na Tanzânia aprende-se swahili na escola até ao secundário, altura em que o inglês passa a ser a língua de conversação nas aulas.
Em Moçambique, o português é a língua oficial. É falado apenas por 30% da população. No Sul, fala-se também e principalmente o changana e o ronga, no Norte fala-se swahili, macua e maconde, entre outras. As crianças em casa só aprendem a língua local, muitas pessoas nada entendem de português. Algo de bom foi feito para lidar com esta babilónia: pelo menos em Cabo Delgado já se pode ensinar as crianças a ler na sua língua materna, que não é o português.
07 junho 2006
Três passarinhos
Dont worry about a thing,
cause every little thing gonna be all right.
Singin: dont worry about a thing,
cause every little thing gonna be all right!
Rise up this mornin,
Smiled with the risin sun,
Three little birds
Pitch by my doorstep
Singin sweet songs
Of melodies pure and true,
Sayin, (this is my message to you-ou-ou:)
Aqui pertinho, num ramal de trepadeira, dois melros fizeram um ninho. Nasceram três pintos que piam de excitação sempre que os pais lhes trazem comida. Na limpeza de Primavera da verdura descobrimos o ninho. Para proteger o santuário, deixámos o matagal intocado. O Amílcar queria tirar uma foto, com flash se fosse preciso. A Dolores resistiu à ideia, não fosse traumatizar os frágeis melritos. O Amílcar discorda, um pouco de trauma prepara-os para a vida. Os estereótipos de género estão de boa saúde no nosso pátio.
Dolores Ibárruri e A. Cabral
06 junho 2006
A escola de competências
Navegando por terras dos companheiros do Império Bárbaro, importa discutir um ponto importante num post sobre os rumos do ensino e sobre o que o capitalismo dele quer, numa discussão que já tem alguns anos dentro da esquerda.
O ensino dirigido às competências não é obrigatoriamente um triunfo do capitalismo. Do ponto de vista da educação, Bordieu acaba por defendê-lo de alguma maneira, e Perrenoud toma uma posição clarificadora relativamente à esquerda que quer negar o ensino por competências. A questão passa por saber o que é o ensino por competências. O capitalista que defende que se deve "deixar de basear a educação na transmissão de conhecimentos e passar a desenvolvê-la com o objectivo da aquisição de competências" tem realmente o objectivo de construção de um trabalhador pronto a responder constantemente às necessidades da empresa e à crescente volatilidade do mercado de trabalho. Mas do ponto de vista das teorias da educação, o ensino por competências é bem exemplificado pela contraposição ao modelo estupidificante do Estado Novo. O desenvolvimento de competências opõe-se às correntes que levavam à memorização dos rios e das estações de comboios, procurando antes desenvolver espírito crítico, capacidade de interpretação e análise. Em vez de se decorar os rios, ensina-se a ler e a interpretar um mapa, obviamente apenas após se dar o conhecimento do que é um rio. E isto pode não representar apenas "uma simples ante-câmara do mundo do trabalho" e uma oficina de aprendizes, mas sim (também) uma escola de cidadãos politicamente conscientes, críticos e activos.
No fundo, é uma discussão que se dilui - se é verdade que a escola orientada para as competências pode beneficiar o capitalismo, também é verdade que só ela permite a formação dos cidadãos politicamente activos, sendo a única alternativa a transmissão estupidificante e acrítica de conhecimento enciclopédicos, como tínhamos por cá no Estado Novo.
Livros - De sol a sol
Em tempos de livros, convém falar de livros. Com mais uma edição da feira do livro a decorrer, com bastantes preços altos e com uma oferta duvidosa (o horror de livros da “moda” dos paranormais a sei lá mais o quê), trago-vos uma alternativa barata.
“De sol a sol. O Alentejo dos nossos avós” é uma iniciativa de estudantes do 9º ano e de alguns professores da Escola Secundária D. João II de Setúbal. Os 150 estudantes recolheram os testemunhos de “70 mulheres e homens que nasceram ou viveram no Alentejo entre 1920 e 1974 e que “emigraram” para Setúbal, onde residem, alguns deles em bairros à volta da nossa escola, outros ainda em terras alentejanas.” O livro abrange múltiplas dimensões da vida de então. Da habitação e vestuário aos afectos, da saúde à escola, das condições de trabalho à repressão pela ditadura. Sistematizando nos diferentes aspectos, fornecem exemplos baseados em testemunhos concretos. O livro custa 5 euros. De momento, creio que está esgotado, os seus 1200 exemplares (há um 1 manhoso que levanta a dúvida entre 1200 e 200, embora faça mais lógica os 1200) voaram.
Das suas vidas duras, mas também da sua força de sobrevivência e de luta gostava de destacar umas histórias. Da posse de apenas um conjunto de roupa a outras situações, o calçado é paradigmático: “Eu morava longe. Quando me deslocava à vila levava os sapatinhos num saco e um paninho molhado. À entrada da vila, limpava os pezinhos com o paninho e calçava os sapatos. À saída, voltava a descalçá-los e punha outra vez os sapatinhos dentro do saco para não os estragar.” Quanto à alimentação, nos campos “eram distribuídas aos trabalhadores três refeições. A primeira, o almoço, acontecia por volta das nove da manhã, depois, por volta da uma da tarde, o jantar e para terminar a ceia, dada entre as sete e oito da noite”. Em casa, dependia das disponibilidades de cada um. Por fim, gostava de destacar o contributo de um engenheiro florestal que aponta a degradação e erosão dos solos e a sua perda de produtividade como consequência da Campanha do Trigo.
Há ainda pontos menos conseguidos. Um primeiro refere-se ao prefácio pomposo de José Luis Peixoto, especialmente os dois últimos parágrafos. Um segundo refere-se a preocupação constante de distinguir o pré e pós 25 de Abril. Compreendendo o contexto do livro, bastante ligado ao estudo da história recente de Portugal (e da respectiva disciplina do 9º ano), e concordando em bastantes aspectos, a justificação parece de quando em vez obsessiva. Com a inevitável falta de análise complementares, poderá por vezes ser interpretada como “Que grandes avanços fizemos nós.”. Eu adicionaria “Que avanços ainda maiores poderiamos ter feito”.
A face da moeda que mais convém
A comunicação social é um poder, e mais uma vez a manipulação da opinião pública se torna evidente. Correndo rapidamente alguns jornais nacionais, conseguimos ver duas faces de uma mesma moeda sobre a anunciada greve de professores para dia 14. Se passarmos pela notícia "exclusiva" (?) do Correio da Manhã ficamos com a ideia de que os professores estão divididos, de que os sindicatos só querem é fins de semana prolongados, e que as greves não servem para nada. Curiosamente, passando pelo Público, vemos a também citada pelo CM Federação Nacional do Ensino e Investigação (FENEI) a ter uma posição em parte mais radical do que a da FENPROF, apelando à demissão dos conselhos executivos e pedindo a cabeça da Ministra, seguindo também a corrente de e-mails que parece estar a correr o país, entre os professores indignados.
Mesmo assumindo que não existe incoerência no discurso da FENEI, opondo-se à greve e optando por outras formas de luta, é interessante constatar mais uma vez como se pode manipular a informação de modo a apoiar uma determinada agenda. E considerando que o público alvo do CM não tem, normalmente, a possibilidade de ter outra visão, crítica, sobre a informação que lhes chega, percebe-se como é fácil fazer política: basta ter uns quantos jornalistas em carteira, que eles estão mais do que dispostos a fazer o trabalhinho sujo do governo...
Hexacosioihexecontahexafobia
É o medo do número 6 6 6. Em dia 6 do mês 6, do ano 6, há umas tantas gentes apavoradas a rezar em ininterrupta penitência para nos proteger do advento do anticristo. A superstição tem genealogia bíblica, Revelações (ou Apocalipse) 13:18: “Aqui está a sabedoria: quem tem entendimento, conte o número da besta, porque é número de homem; e o número é seiscentos e sessenta e seis.”
Em esgrima de citações, e autoridades genealógicas, comento com palavra emprestada: “Enquanto os homens admiram o Paraíso, imaginando uma felicidade que virá, ou temem o Inferno depois da sua morte, os seus olhos são apagados, porque deixam de ver o seu direito de nascença.” (Gerrard Winstanley, 1652).
05 junho 2006
Fascistas tout-court
Nos últimos tempos temos visto um recrudescer de uma direita mais direita e perigosa. À política “pragmática” do centrão que vai liberalizando a economia como pode, estes ideólogos de direita reclamam e exigem mais. Alguns saídos de debaixo das pedras, outros que vão mostrando a sua verdadeira cor, tentam construir um espaço à direita. Mais que a nível eleitoral, preocupa-lhes a criação de um viveiro prolífico que acabe por obter a hegemonia face à crise do centrão. A revista Atlântico é um dos seus expoentes máximos e entre eles encontram-se José Manuel Fernandes (mais ou menos disfarçado), Rui Ramos, Helena Matos entre muitos outros. Tenho seguido uma outra figura e os seus artigos com desinteresse, mas desta vez tem direito a destaque. Chama-se Luciano Amaral e é professor universitário. Na sua crónica de 25 de Maio discursa sobre a ditadura em Portugal, quando é que esta começa, e por aí fora, no seguimento de uma longa polémica académica. Segundo ele o 28 de Maio de 1926 não foi o começo da ditadura. Deixo-vos com algumas das suas pérolas. Gosto particularmente do seu conceito de “eleições limitadas” durante a ditadura.
“o mais interessante acerca do 28 de Maio foi a adesão quase consensual que ele suscitou então, da esquerda à direita. Para entendermos isto, temos de perceber duas coisas. Primeiro, que ele não deu origem imediatamente ao Estado Novo, mas a um regime que ficou conhecido como Ditadura Militar. Acontece que a ideia de uma ditadura que pusesse termo ao domínio quase ininterrupto do Partido Republicano Português desde 1910 era das mais partilhadas na época. Temos de entender, depois, que a I República nunca foi uma democracia (apesar de lhe preservar a forma), mas correspondeu sobretudo ao exercício do poder por uma classe política que declarou guerra à sociedade tradicional portuguesa e governou com uma mistura explosiva de violência de Estado convencional e violência de rua às mãos de gangs políticos a quem a rédea era deixada solta.
Como nota Rui Ramos, num excelente ensaio sobre o 28 de Maio na revista Atlântico deste mês, a ideia original da ditadura era, para a maior parte dos seus apoiantes, cumprir a parcela consensual do programa da República e que ela não fora capaz de executar: equilibrar as contas públicas, desenvolver o País, difundir a educação e restabelecer a autoridade do Estado.(…) Só seis anos depois do 28 de Maio (em 1933) é que nasceria o Estado Novo, resultado do confronto no seio da Ditadura e que acabou por representar uma tentativa de conciliação entre todas as facções. Muitos republicanos instalaram-se plenamente no Estado Novo, porque a forma republicana do regime foi mantida e porque a Constituição de 1933 manteve nominalmente os princípios demo-liberais. Muitos simpatizantes do fascismo integraram-se plenamente no Estado Novo, porque o regime também assumiu em parte um aspecto activista de transformação da sociedade e repressão violenta do comunismo. Daqui resultou um animal estranho, nem bem fascismo, nem bem demo-liberalismo - havia eleições, mas eram muito limitadas; havia um Parlamento, mas estava completamente subordinado ao poder executivo; e havia o mundo arbitrário e fora da lei dos "crimes políticos". Mas o grande objectivo do Estado Novo foi o de aplicar o tal programa modernizador da Ditadura.
Nem a Ditadura nem o Estado Novo interromperam a democracia em Portugal. Apenas substituíram um regime terrorista e que nunca conseguiu encontrar um ponto de equilíbrio por um autoritarismo formalizado, o qual nem sequer impediu grande número de adesões, da esquerda à direita. É por isso que o regime de 1976 herdou dele mais do que julga. Afinal, o 25 de Abril foi feito por soldados com brilhantes carreiras militares e políticas no Estado Novo. José Saramago disse há uns anos que estávamos hoje na mesma situação em que estávamos antes do 25 de Abril. Em certa medida, teve razão. Para quem, em 1974-75, quis instaurar o comunismo, o que existe não pode deixar de ser mais ou menos o mesmo (o "fascismo societal", do prof. Boaventura Sousa Santos). Mas quem atribui valor aos mecanismos formais demo-liberais, percebe como isto que existe é bem melhor, mesmo se não tenha feito completa tábua rasa do que existia e nele tenha em parte a sua origem.”
04 junho 2006
A sangue frio
Depois das mentiras diárias, das torturas e dos voos clandestinos para prisões subterrâneas, só faltava mesmo o massacre a céu aberto. Também já aconteceu. Foi em Haditha, Iraque, a 19 de Novembro do ano passado. Depois de um ataque às tropas americanas, que matou um marine, um grupo de soldados americanos volta à vila para se vingar nos seus habitantes. Entram por três casas adentro e matam todos. As vítimas foram 24 civis iraquianos, incluindo crianças de 1, 3, 5, 10 e 14 anos e um velhote de 70. A única testemunha é Dafa Younis, de 12 anos, que sobreviveu porque se fingiu de morta. As imagens do dia seguinte são de novos e velhos, muitos em camisas de noite, simplesmente executados.
Dia a dia surgem mais notícias de massacres. Este é só aquele que tem recebido mais atenção, porque é o mais difícil de negar. Mas já se conhece pelo menos mais um. Foi em Ishaqi, em Março deste ano, onde foram mortos a tiro 11 pessoas, incluindo cinco crianças, uma de 6 meses de idade.
Agora vem o General George Casey dizer que o que as tropas precisam é de formação ética! Na catástrofe em que vivemos, assassinos profissionais pagos pelo estado não são criminosos, são pouco éticos! Como se matar inocentes fosse falta de informação filosófica, ou sobre os bons modos de combate.
Citando George W Bush, “We must understand that we’re in a global war against a totalitarian group of people who will kill innocent life, there or here, in order to achieve an objective”. Ele está a falar de quem?!
03 junho 2006
Timor
A situação de Timor tem merecido destaque nos últimos tempos. O sofrimento daquele povo parece ter voltado a agudizar-se e os motivos já mereceram aqui discussão. Entretanto o primeiro-ministro australiano e a Mrs. Xanana Gusmão já vieram a terreiro culpar Alkatiri por tudo. Coincidências. Ruben Carvalho na edição de 5ª feira, 1 de Junho, no DN com o seu “Técnica de Golpe de Estado” dá uma ajuda.
Gangs na escola
Pelas últimas declarações da ministra, o Ministério da Educação segue o lema dos companheiros do Monte Olivete: "antes destruir que reformar".
Só há um pequeno problema. Se os professores são os maus da fita, os criminosos, isso faz da ministra o chefe do gang.
A saga continua e a cabecilha vai ao "Diga lá excelência" deste domingo.
Trigger-happy
Declarações de um oficial britanico sobre as tropas americanas no Iraque:
"US troops have the attitude of shoot first and ask questions later. They simply won't take any risk.
"It has been explained to US commanders that we made mistakes in Northern Ireland, namely Bloody Sunday, and paid the price.
"I explained that their tactics were alienating the civil population and could lengthen the insurgency by a decade. Unfortunately, when we ex-plained our rules of engagement which are based around the principle of minimum force, the US troops just laughed."
E Haditha continua por explicar...
Bibliotecas e futebol
O Bibliotecário anarquista elaborou um pequeno estudo que compara as entradas dos estádios com os frequentadores de bibliotecas, concluindo que estas são bastante mais populares que aqueles. Este "estudo" resume de uma forma simples, embora não simplista, a irracionalidade deste Portugalzinho onde vivemos. As questões metodológicas foram bastante discutidas, mas deixo-as à vossa curiosidade.
02 junho 2006
Desenvolvimento
Moçambique é um dos países mais pobres do mundo, senão o último da lista. A miséria circula nas ruas de Maputo, as pessoas viram os latões do lixo em busca de uma refeição, os miúdos alucinados pela cola balbuciam qualquer coisa sobre uma linda mão que passa, muita gente vive do ganho-ganho (a pequena venda na rua, por vezes ambulante em tabuleiros que vão encostados à anca bamboleante), pouca gente tem emprego. A população é jovem e vive do que pode.
Moçambique é assim paraíso das agências de desenvolvimento, essencialmente internacionais, algumas lusófonas. Há de tudo aqui: desenvolvimento rural, desenvolvimento das pescas, UNICEF, Programa Alimentar Mundial, conservação da biodiversidade, Habitat... Proliferam as consultorias na área do desenvolvimento.
No triângulo dourado de Maputo, abundam os restaurantes para quem tem dinheiro, os hotéis caros, os vendedores de artesanato, as agências de viagem, as casas de câmbio, os bancos.
Os hotéis são caros (nunca abaixo dos 50 dólares por noite, se quiserem condições mínimas), uma dormida num quarto alugado num apartamento familiar é 20 dólares, o aluguer do apartamento pode ir até aos 1000 dólares. Os supermercados também, os restaurantes abarrotam de gente bem vestida e nutrida.
Os restaurantes... Há de tudo: italiano, libanês, chinês, tailandês, português, japonês, e o que mais o dinheiro das ONGs comprar. Conversas da treta à mesa de jantar, não fora os homens que passam várias vezes à frente da janela com quadros e esculturas em madeira para vender e dir-se-ia ser este um cantinho simpático numa qualquer cidade europeia.
Os crápulas
No Prós e Contras de 29 de Maio, Fátima Campos Ferreira convidou mais quatro “notáveis” (Belmiro de Azevedo, Medina Carreira, Silva Lopes e Ferreira do Oliveira) para discutir “para onde vai o país” (título original!). Assunto e participantes já são mais que repetentes no programa. Noutros contextos, da justiça à educação, já teriam prescrito. Poupo-vos a descrição do debate, até porque não o vi todo, mas gostava de deixar algumas das “melhores” frases:
Paulo Ferreira, sub-director do Público, interviu várias vezes da audiência. Numa delas, e a propósito de as “reformas”/mudanças não estarem a ser suficientes disse: “Ainda há muita gente a não sentir desconforto. Vão ver que chega o Verão e vai tudo para o Algarve, os voos para o Brasil estão cheios…”. Presumo que Paulo Ferreira fique por casa esta semana… Talvez consiga pagar um fim-de-semana fora com o eventual bónus do patrão Belmiro por tão eloquentes palavras.
Mas neste programa com resmas de demagogia, Medina Carreira é o recordista. A sem vergonhice é tanta que a determinada altura disse qualquer coisa do género: “somos nós, nós o povo que…”
Que dizer desta gente séria tão preocupada connosco, o povo…
01 junho 2006
Postal de Timor Lorosae
Do lixo para a bomba
O “nuclear” faz gordas nas primeiras páginas dos jornais. Os capitalistas piratas, exemplarmente da estirpe Patrick Monteiro de Barros, especulam em voz alta sobre a construção de uma central nuclear. Em era de “choques tecnológicos,” a sugestão é oportun(ist)a para sarar o muito ferido orgulho tecnológico português. Esta conversa, que com tão poucos intervenientes se aproxima do monólogo, é pobre de conteúdo. Como é tradicional num país onde a elite é pequena e próxima e as massas indigentes e impotentes, o debate não existe. Os poderosos negoceiam nos bastidores e gemem meias-palavras para borrar umas páginas de jornal. Sabemos que a decisão será tomada sem consulta.
Não há justificação para a energia atómica em Portugal. O único benefício retiram-no os piratas do bolso dos contribuintes, pelos subsídios onde o projecto certamente receberia. Mais fundamental e preocupante é o risco de militarização ou de envolvimento com a indústria de armamento que advém da introdução do nuclear em Portugal. O urânio refinado que alimenta os reactores das centrais eléctricas é o agente explosivo das bombas atómicas. O plutónio produzido nos reactores das centrais, o lixo da fissão, tem iguais usos genocídias. E até os dejectos da refinação do urânio (urânio empobrecido) encontram utilidades militares, revestindo os obuses anti-tanque.
O problema dos lixos nucleares não se coloca ao nível da física nuclear, buscando soluções para encurtar os milhares anos de emissão radioactiva destes lixos. A problemática é geopolítica. A indústria nuclear civil está em comunhão com os interesses do militarismo imperialista. A indústria civil facilitou os materiais para construir, em posição de monopólio, o terrível arsenal atómico do ocidente. Os lixos da indústria civil são parte do arsenal dos exércitos da OTAN. As autoridades sérvias estão ainda a grande custo a localizar e extrair a cerca de tonelada e meia de urânio empobrecido que têm no seu subsolo. Mas o caso mais gravoso é o do Iraque, onde após a guerra de 1991 houve um aumento de 66 por cento em leucemias e cancros no sul do país. Investigações preliminares indicam que estes valores receberam um incremento de 20 por cento desde o início da guerra de 2003. Aqueles que resistem ao imperialismo são feitos num cemitério mortífero para as sobras da produção energética ocidental, envenenados por milhares de anos.
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