18 março 2005
Venham à Torre do Tombo
O Iraque está a ser vítima de uma agressão de consequências humanas brutais: destruição das condições de vida das populações, saque de recursos
e de bens patrimoniais, violação dos direitos individuais, regresso à colonização mais selvagem. Nada disto pode ser esquecido nem legitimado: crimes foram e estão a ser cometidos no Iraque.
Para que os agressores e os cúmplices não continuem por acusar e por condenar, constituiu-se em 2003 o Tribunal Mundial sobre o Iraque (TMI), na tradição do Tribunal Russell para o Vietname, com o apoio de figuras internacionalmente prestigiadas.
O Estado português é cúmplice dos crimes cometidos contra o povo iraquiano. Para denunciar o papel do Estado português na agressão ao Iraque constituiu-se a Audiência Portuguesa do TMI.
Chegou o momento de apresentar a acusação. Venham à Torre do Tombo, à Torre do grande Tombo que os pariu. Que os há-de tombar.
Começa na sexta às 21h30. Continua no sábado e no domingo. Vai estar bom tempo - se lá estivermos muitos.
17 março 2005
Sociedade(s)
Vivemos numa sociedade do espectáculo? Estaremos amorfamente espectantes perante uma realidade tornada mercadoria (objectificada)? Os nossos sentidos podem ser afundados pela informação comercial, noticiosa, legal, mas é-nos tudo sempre impossivelmente distante. Estamos alienados do mundo sem poderes para o viver escolhendo.
Vivemos numa sociedade de vigilância? Constantemente punidos por olhares que nos negam liberdade. Não só a CCTV mas os outros julgam os nossos gestos atentos para a deviância, ensinando-nos pudor, respeito pela propriedade e pela norma. O mundo está sempre sobre a nossa pele no toque gelado e áspero de algemas.
Vivemos numa sociedade de ameaça? Os perigos iminentes dos terroristas, do SARS, dos tsunamis, da seca, da SIDA, estão em pose de ataque à espreita de uma abertura na nossa defesa para se fazer sentir. Estamos vigiados por nós mesmos com a ideia no perigo. E o perigo é sempre espectacular, sublime e incompreensível, alienado e incontrolável (porque o único controle possível é sobre nós mesmos).
Será uma metáfora mais verdadeira que a outras?
14 março 2005
Uma geração de 70
Nascido pós-Abril de 74, pré-bloco central, nesse limbo que separou a revolução e os yuppies à portuguesa, não sei se tenho geração.
Ser de uma geração exige sentido de comunhão e de distinção, como aliás se exige a todos esses andáimes sociais que são esqueletos bambos. Para isto de “criar” uma geração são precisos marcos, talvez uns tantos notáveis contemporâneos, umas revoluções políticas, estéticas ou afins. Exige-se um sentido de apropriação da história, do retirar aos “outros” as rédeas (distinção) para as entregar aos “nossos” (comunhão).
Mas hoje, aqui, não há distinção. O mundo sente-se suspenso num entremeio indefinido. Os impérios avançam mais fracos, mas de uma fraqueza que não é resistência, é esclorose. O país afunda-se num futuro cíclico onde a passageira ilusão é seguida pela violenta realidade do nosso atraso. Não há actores neste drama, basta-lhe a obscura inevitabilidade que alimenta a nossa poética fatuista. Ninguém realmente duvida que este é um país acorrentado e que daqui não se move.
O peso dos “outros” é tanto, e mesmo quem são os “nossos” é incerto. Há aqueles que como eu, tem de primeiras feridas na consciência social os anos de medíocre cavaquismo. Os mesmos talvez leram O Estrangeiro e A Aparicao não como manifestos mas como relatos factuais de um estranhamento anómico e sem história. Como eu esses terão andado às cabeçadas em PGAs, provas globais e/ou propinas, e desses momentos guerreiros ficaram somente memórias que à beira dos 30 é muito cedo para saudar.
Talvez haja distinção, talvez haja um “nós”, mas não hoje, e seja cedo para os testemunhar. Espero que o mal-estar seja só a minha impaciência para participar na história.
09 março 2005
Conversões
Políticos têm campanhas, mercenários também.
Políticos degladiam-se entre si, mercenários também.
Mercenários trocam lealdades, políticos também.
Mercenários lutam para quem lhes mais paga, políticos também.
Só os intelectuais de corte, vislumbraram por detrás da cimeira das Lajes, uma ponderada análise de Durão Barroso sobre a geopolítica do terrorismo. Para todos os outros a cimeira era a costumeira farsa do mercenarismo, desabafando entre dentes “é que estes pagam mais…” O monocórdico discurso ianque reproduzido verbatim, o cansaço e a nula convicção com que Durão se justificou, corroboravam a consciência de que tudo isto “é triste, tudo isto é fado”. A participação do Estado Português, sequestrado à vontade popular, na coalition of the willing não foi mais que habitual seguidismo à estratégia britânica e espanhola, os verdadeiros senhores do nosso capitalismo e da nossa burguesia comprador.
Quando graceado pela direita europeia (e parolismo português) com o lugar de presidente da comissão europeia, Barroso num golfo redefiniu-se. A redescoberta da missão europeia, da importância da ordem internacional consagrada na declaração das Nações Unidas, blá, blá, blá, foram somente reflexo de um novo patrão. E no seu estilo habitual, ausente, e monótono Durão trocou de trincheira. Assim se contrói currículo, o sucesso é proporcional a maleabilidade, até mesmo a imbecilidade da marioneta. Durão Barroso é uma tábua rasa.
É assombrado pela realidade do político mercenário que assisto à nomeação de Freitas para ministro dos “Negócios” Estrangeiros. Muito se tem notado a sua oposição a aventura imperial Americana na Babilónia. Mas a conversão do direitista a oponente do imperialismo americano é só compreensível pela sua (breve) Presidência da Assembleia das Nações Unidas. Freitas substituiu o habitual seguidismo nacional por outro seguidismo, afinal aquele que lhe escreveu o nome num pé-de-página da História. Com o palco a mudar, e enquanto ministro para os negócios nacionais no estrangeiro só posso antever um Freitas mais comedido nos criticismos aos EUA, senão mesmo o total eclipse da crítica.
Se os políticos são tábuas rasas, parece óbvio que não é o povo português que lhes inscreve um enredo.
04 março 2005
Política não entra no Ministério das Finanças
Desenganem-se, de uma vez por todas, os ingénuos que pensavam que o PS daria um novo rumo ao país. Com a apresentação dos novos actores da novela governativa, percebemos mais uma vez como as diferenças de talento entre PS e PSD são nulas. Muda apenas a maquilhagem, e às vezes nem isso. José Sócrates criou um governo ao estilo do Guterrismo, e tal como escrevia Joaquim Fidalgo há uns dias, a política fica presa com uma trela na porta do Ministéro das Finanças, de cauda a abanar, à espera que o dono volte. O "Socratismo" vai apenas ser uma linear continuação das leis da ditadura do mercado, do desmantelamento do já definhante Estado-Providência, ignorando até as tímidas tendências keynesianas que ainda existem dentro do PS. A suposta "alternância democrática" não funciona, pois as linhas políticas são sempre as mesmas, independentemente do vencedor.
Mais um sinal de degenerescência desta coisa a que convencionámos chamar democracia.
03 março 2005
The Green Mile
O Supremo Tribunal dos EUA decidiu de 5 para 4 que a Constituição não permite a execução de menores (sim, executam-se menores nos EUA), sobrepondo-se a uma avaliação feita em 1989. Alguns estados movimentam-se já no sentido de manter a lei. Deve fazer tudo parte da lógica de permitir o porte de armas a menores...
Aqui há molho (2)
Recordando um blog anterior, soube-se hoje que o molho inglês afinal era inofensivo. O pânico transmite-se sem risco, ou antes por um risco em segundo grau, o risco de estar em risco. As mesmas questões mantem-se. Sofremos do temor e tremor da morte? Ou será temor e tremor pelo mundo que é hoje não mais democrático mas menos, dividido em especialistas em que não podemos confiar, divididos numa sociedade que nos quer todos contra todos.
01 março 2005
O carimbo
Hoje dei por um padrão de forma um bocado acidental. Há um carimbo que para aí muita boa gente (atencao que só uso a expressão "boa gente" como figura de estilo, não por pensar mesmo que estamos a tratar de boa gente...) adora usar. É um daqueles chavões à senhor Doutor. E é simples, basta acabar a frase com "perante um quadro de crescente competitividade no interior da União Europeia". Após tal esmagadora afirmacao (nao interessa qual), é ver cabecas a dar para cima e para baixo a coçar o queixo e a murmurar baixinho "ah, pois é...". O que vem antes pode ser a contenção salarial, baixar impostos, reduzir função pública, é uma questao de copy-paste (devo admitir, até foi isso que fiz para meter aqui a citação).
E se alguém pergunta de que quadro é que se está a falar? Estamos a falar de uma Europa competitiva pelos salários baixos, como na Alemanha, da elevada carga horária, como em França ou dos impostos baixos sobre o grande capital, como na Finlandia? Ou será que estamos a falar da outra Europa, daquela que por estar a passar maus momentos económicos também nós deveriamos andar em vacas magras? De repente não sei se fui eu que fiquei esquizofrénico se foi o Continente inteiro. Longe de mim dizer que Portugal é um "potentro" económico galopante, mas acho que carimbos destes só escondem as raízes ao problema...
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