31 outubro 2006
O tal de Relatório Stern
Veio a público esta semana mais um relatório a reclamar a urgência de uma política mundial contra o aquecimento global. O original neste relatório é o de ser o primeiro redigido por um economista, por oposição aos que têem surgido nas últimas décadas, criados por comissões científicas. E portanto, o primeiro a colocar em gíria política os custos da falta de uma política ambiental, ou seja, em gíria económica.
Obviamente, há quem não se convença, e continue a apontar dúvidas nas "alarmistas" previsões. Refugiam-se no debate científico, a origem antropogénica do aquecimento global não é ponto assente na Ciência, portanto vamos lá a acalmar-nos. Mas obviamente que sim, não há razões para agir enquanto os dados científicos não se esclarecerem.
Dou um exemplo. O primeiro estudo estatístico a descrever uma correlação entre fumar e incidência de cancro foi publicado em 1929. Naturalmente tratava-se de uma afirmação algo duvidosa. Nada como esperar para reunir um maior acordo. Em 1964 contavam-se em mais de 7000 os artigos científicos que apontavam para uma correlação. Mas o que são 7000 artigos meus amigos, quando ainda surgem dúvidas? Nada como esperar até finais dos anos 90 para incluir avisos nos produtos. A isto chamo uma acção cuidada e racional.
Que se faça o mesmo com o nosso planeta. Fumemo-lo até à morte, e depois façamo-nos de desentendidos...
30 outubro 2006
"Como disse?"
«"Quando o meu filho mais velho nasceu recordo-me que no ano seguinte houve um aumento de natalidade no País. Houve um entusiasmo generalizado e isso foi notório."
D.Duarte, representante da casa real portuguesa ao 24 Horas»
Secção de "Como Disse?" da revista NS' do Diário de Notícias
26 outubro 2006
O pateta Alegre
A. Kollontai enviou-nos o seguinte contributo:
"O deputado Alegre diz que ainda não sabe se vai à Assembleia da República votar o orçamento para 2007. Mas que se lá for, o vai votar favoravelmente, embora com declaração de voto, pois tem discordância em relação a algumas questões. Ele sempre foi assim: ambíguo, inconsistente, quando não demagogo. Costuma ter alguns arrebatamentos, alguns problemas de consciência, mas nos momentos decisivos acaba geralmente a defender os interesses do capital. Conhecemos bem o seu comportamento na Frente Patriótica (antes do 25 de Abril de 1974), no 25 de Novembro de 1975 (ao lado da direita golpista), nas guerras intestinas do PS, nas campanhas eleitorais deste partido. Mas continua a haver gente de esquerda que, patologicamente, dá crédito à demagogia de Manuel Alegre. E que ainda recentemente foi arrastada no apoio à candidatura de Alegre às presidenciais. Ou que tem ilusões sobre o papel que pode vir a ter o MIC, movimento criado na sequência daquela candidatura presidencial.
É tempo de gente séria de esquerda acabar com as ilusões e colocar-se claramente ao lado dos trabalhadores na luta contra o capital. Com o MIC, voltará, uma vez mais, a cair no engano.
A. Kollontai"
23 outubro 2006
"Cenas de luta de classes" na Cinemateca
Cenas de luta de classes em Portugal passa na Cinemateca no dia 27 de Outubro, pelas 19.00.
O filme é um poderoso retrato do PREC e das forças libertadas pelo fim da ditadura e depois constrangidas aquando da "normalização democrática". Embora simplista nalguns aspectos (prefere "ignorar" as divisões entre a esquerda), é, mesmo assim, uma das principais janelas para "um sítio que não existe, (...) [de] um tempo que realmente existiu" (Kramer).
Um filme que na altura levou a quem quisesse voltar a impor a censura, impossibilitando por outros meios a sua exibição. Hoje continua a dar que falar como se pode ver.
Encontram mais detalhes sobre Kramer aqui e aqui.
19 outubro 2006
Ciclo de cinema "MORAMOS CÁ"
«Esta sexta e sábado, dias 20 e 21 de Outubro, o grupo "Direito à Habitação" da Associação Solidariedade Imigrante, e a Associação Cultural "O Bacalhoeiro" organizam um ciclo de documentários, no espaço "Bacalhoeiro", na Rua dos Bacalhoeiros 125, 2º andar, em Lisboa.
SEXTA 20
19h30:
"Tornallon"
"En construcción"
SÁBADO 21
18h00:
"Outros Bairros"
"Com uma ilha as costas"
"A luta actual pelo direito à habitação"
"Último dia"
21h30:
Jantar convívio
22h30:
"À margem do concreto"
Com a presença dos moradores dos bairros auto-construídos de Lisboa e alguns dos realizadores.
BACALHOEIRO
Rua dos Bacalhoeiros 125, 2º Andar, 1100-068 Lisboa
DIREITO À HABITAÇÃO
direito.a.habitacao@gmail.com»
Crónicas iraquianas
I. O teatro de fantoches que é o julgamento de Saddam Hussein, marcou o veredicto para 5 de Novembro, exactamente dois dias antes das eleições americanas. É a data ideal para mostrar “progresso” no Iraque. Não pode ser coincidência – nada no Iraque é coincidência. Esta é a crónica de uma morte anunciada, usada para ganhar pontos nas eleições.
II. Há coisas inimagináveis que fazem parte da realidade iraquiana. Um dos muitos trabalhos de risco em Bagdad é o dos colectores de lixo. São mortos 350 por ano, só na capital. Morrem de bombas nas estradas, de explosivos destinados à policia e aos americanos, ou simplesmente porque são um alvo fácil no campo de batalha que é o Iraque. Dos 1200 carros de recolha de lixo que a cidade tinha antes da invasão só 380 ainda não foram destruídos (estima-se que sejam necessários 1500). É este o programa de “reconstrução” do Iraque – 6 milhões de pessoas a viver no lixo. Mas como disse tão memoravelmente, Donald Rumsfeld, quando a pilhagem e detruição atingiam o pico “Stuff happens”.
18 outubro 2006
Rivolição
Porque não querem que um espaço cultural seja gerido com base na eficiência económica, um grupo de pessoas (artistas e espectadores) mantêm-se no interior do Rivoli há vários dias.
Entretanto, a Câmara do Porto vai fazendo tudo o que pode para os demover: cortou a luz, pôs o ar condicionado no máximo do frio, fechou-lhes a porta da rua vedando o contacto com os jornalistas e impedindo que a comida entre sem limitações. Agora tem que passar por um guarda que verifica a comida antes de a entregar aos sitiados. Também deslocou o espectáculo de caridade do Rui Represas para a Casa da Música alegando falta de condições, quando sempre as houve e nunca foi intenção dos manifestantes interferir com o mesmo. A última que se soube foi a da apresentação de uma queixa-crime contra dois dos ocupantes.
O Público criou um blogue para acompanhar a situação. Entre aparentes volatilizações de textos lá colocados (explicáveis pelas regras que o Público adoptou), ia-se sabendo o que se passava lá dentro. Vi há pouco que a própria CM Porto foi convidada a participar.
Mas agora as pessoas dentro do Rivoli não têm como contactar fisicamente com o exterior. Não há electricidade, não há chuveiro, não há comida senão a que puseram de reserva enquanto recebiam alimentos de fora.
Mas a luta faz-se sem luz, sem água, sem alimento. Faz-se com as condições que há, com as condições que se querem alterar. Porque não vale a pena esperar que as mudem em nosso nome.
Solidariamente com a Rivolição,
Mystique
11 outubro 2006
Liberal mas pouco
Pergunta: Qual o interesse dos blogs liberais nacionais na inclusão de Salazar para a votação dos "Grandes Portugueses"?
Será um estóico interesse em patrocinar causas alheias? Velam pela imparcialidade histórica (um pouco como a revisão da (R)Evolução), ou sentem-se tocados pelo tema? Não queriam votar na estátua do Castelo de S. Jorge? Serão questões de mercado?
Ou será que a direita portuguesa continua de focinho enfiado no mosto salazarento do qual tanto sente falta? Pobres lobos portugueses, de tão gordos que são, não há pele de cordeiro que estique o suficiente para os tapar.
10 outubro 2006
Lusofonia, desportivismo e tal... velhos amigos...
"Os jogos da Lusofonia têm duas componentes igualmente importantes e que estão interligadas. A primeira é a de convivência, solidariedade e intercâmbio entre os Países que partilham o Português como traço cultural comum. A segunda é a vertente competitiva. E, tendo em atenção este último aspecto, é óbvio que procuramos jogar da melhor forma possível."
Orlando Duarte, seleccionador nacional de Futsal, depois do jogo Portugal-Timor Leste durante os I Jogos da Lusofonia que Portugal ganhou por 56-0.
08 outubro 2006
An inconvenient truth (2006)
Têm muitos nomes: neo-conservadores, administração Bush, evangélicos, imperialismo Americano, e a cada nome se associa uma análise distinta que distribui a culpa em planos ideológicos, partidários ou materialistas. Inegável porque consensual, é a campanha norte americana que nega ou minimiza as evidências de um aquecimento antropogénico do globo.
Neste filme o ex-vice presidente Americano Al Gore anuncia com pompa uma verdade: o globo terrestre aquece. Esquecida fica a outra verdade, mais política, mais imediata, que a América intencionalmente negligencia e/ou mina respostas ao problema. No hábil manusear de diapositivos no seu luminoso iBook, Gore opera uma encenação onde estudos, anedotas e biografia definem o problema do aquecimento global como um vício de moralidade e cidadania. Assim, enquanto as recentes catástrofes meteorológicas são acomodadas por “ciência”, com gráficos e referências a estudos, as questões económicas e de equidade face a propostos tectos sobre os consumos de carbono, são discutidas com anedotas e uns desenhos animados. Se alguns aspectos pedem o peso dramático dos “cientistas” (muitos alegadamente perseguidos pelas suas investigações), outros aspectos são ignorados ou ridicularizados para nos distrair da sua gravidade.
Seguindo o argumento de Gore, e embora não haja coragem para o enunciar claramente, esta verdade é inconveniente para a massa de cidadãos (e potencias económicas emergentes) que compram os carros errados, que não reciclam, que não usam lâmpadas económicas, que não isolam as casas. As vítimas são também os criminosos. Segundo a mitologia capitalista não há capitalistas ou estrategas industriais, ao invés uma massa de consumidores dirige o sistema económico, e portanto foram estes que facilitaram o parto de uma economia dependente no consumo de hidrocarbonetos. Por outra mitologia, a democrática, não há poderes económicos a dominar o estado, ao invés a massa de eleitores dita a magistratura, e portanto são estes que permitem à administração americana atrasar acordos ambientais.
Se recusarmos o engano desta amputação da política, devíamos renomear este filme de “A verdade e o inconveniente.” Al Gore esteve na Casa Branca por dois mandatos, e mais tempo ainda no Senado, um filho da nobreza política de Washington, foi submisso naquilo que agora defende com messianismo. Ele foi o candidato que se rendeu à burla eleitoral de Bush em 2000, para resgatar o sistema eleitoral americano do escândalo. Ele reinventa-se agora como missionário moral, que abdica da sua paz pessoal para viajar pelo mundo comunicando o iminente apocalipse. É uma nojenta ironia que os líderes do império, da nação mais poluidora do mundo, o maior travão à cooperação internacional em defesa ambiental, professem agora como os primeiros arautos da verdade, e como vanguarda da renascença moral. É assim que nos confundem e nos sufocam.
07 outubro 2006
Criacionismo com ovos e bacon pela manhã
Os amigos do "Intelligent Design" preparam-se para conquistar o Reino Unido. Têm um sítio bem elaborado (vê-se que há bastante dinheiro por trás da coisa), e apesar dos membros apontados por lá, há um certo cheiro a investimento dos amigos do outro lado do Atlântico. Mais uma vez atacam Darwin e a sua ciência, e defendem o direito ao ensino de uma alternativa. Esgrimem habilmente os argumentos apontando as fragilidades e as discussões à volta da evolução, ou melhor, usando o normal mecanismo de construção do conhecimento - o método científico para os amigos - contra ele próprio. O que eles não conseguem mostrar, ou se esquecem, ou não querem, é que a teoria do "Intelligent Design" - criacionismo com uma plástica para os amigos - não é uma teoria precisamente porque não tem método científico, não tem provas, não é reprodutível nem verificável . Portanto, nunca pode ser considerada em igualdade de circunstâncias com outra qualquer teoria. Não é ciência, é política (reles e falaciosa provocação interna).
06 outubro 2006
A guerra silenciosa
Acabou, dizem os jornais. Acabou, pois Israel já saiu do Líbano. Mas como em tantas outras guerras, há uma outra guerra que vai fazendo as suas vítimas.
É a das bombas que ficam por explodir. Não necessariamente minas, mas fracções das “cluster bombs”.
As que Israel deixou estima-se que sejam quase o dobro do número de habitantes do Líbano.
Não conseguiram neutralizar o Hezbollah, mas deixaram lá os brindes para quem por lá ficasse.
03 outubro 2006
Que fazer?
São fenómenos da televisão que não nos escapam mas que nos tocam de uma maneira ou de outra. Seja pela fúria dos fãs adolescentes e pré-adolescentes que vêem os Morangos com Açúcar, seja pela transversalidade apregoada da Floribella na sociedade portuguesa.
Toda a gente sabe quem são, mas poucos sabemos lidar com as suas consequências.
Na primeira, assenta a passagem de informação para ensinar as criancinhas a pensar. Nos Morangos com Açúcar, são os rapazes que só são rapazes se fizerem comentários rebarbados sobre raparigas em bikini, e as raparigas que ditam a moda e os comportamentos tantas vezes tão fotocópia da mais mexicana das novelas mexicanas. Na Floribella, são os bons contra os maus, estes ricos e os primeiros pobres mas felizes (já ouvi isto em qualquer lado…, pré-1974, diz-vos alguma coisa?)
A segunda é este dissipar de fronteiras entre realidade e ficção. Os DZRT são uma realmente banda ou apenas parte da novela? E o FF? Quem é que fala à pequenada, a Floribella ou a Luciana Abreu? Como ver a possibilidade que os miúdos têm de “falar” com os seus heróis via Internet (blogues, e-mails)?
Eu tenho uma prima com 12 anos, que até é uma miúda inteligente. Mas, das poucas vezes que estou com ela, é um esforço enorme tentar que ela perceba que este novo modo de captar audiências juvenis não é benigno. Quando ela me disse que uma amiga falou com a Floribella por e-mail, e eu lhe expliquei que não é a Floribella que fala por e-mail com os fãs mas a Luciana Abreu e que certamente até era alguém que o fazia por ela, ela ficou muito chocada e a primeira reacção foi dizer que se calhar a sua amiga estava só a “meter inveja”. Nem lhe passou pela cabeça que nem tudo o que lhe passa à frente é verdade!
A formatação da miúda é tal que acabou a dizer-me isto: “Tu às vezes és mesmo esquisita!”. Antes seja, pensei eu, antes seja…
02 outubro 2006
Justiça médica
Nos primeiros dias de Agosto, um amigo pediu-me para o ajudar a marcar uma consulta de psiquiatria. Ele sofre de esquizofrenia há já muitos anos, mas nos últimos sete quase não vive, devido aos ataques de pânico que tem tão frequentemente.
Não sai de casa, porque tem medo. Não tem dinheiro, porque não trabalha. Não trabalha, porque não pode. Não limpa a casa, porque não consegue. Não tem dentes, porque com os medicamentos apodreceram. Vive do que os pais lhe dão. Já não vai ao médico há quatro anos. Quando um amigo vive assim, fazes qualquer coisa que ele te peça, e ele só me pediu para lhe marcar uma consulta médica.
1.
No procedimento normal, ele teria que ir ao posto, marcar consulta com o médico de família, o qual enviaria uma carta para o Hospital de Santa Maria. Aí, juntamente com outros milhares de cartas enviadas de todo o país, o pedido seria avaliado e dependendo da urgência e disponibilidade marcariam uma consulta.
Dada a demora inerente a tudo o que acontece e não acontece neste país, o número de cartas envolvidas e a sucessão de consultas, decidi recorrer, àquilo que sempre achei funcionar bem em Portugal - a cunha - e tentei marcar uma consulta em Santa Maria através de um médico que conheço. Disse-me logo que sim, que ia tentar e para eu lhe voltar a ligar na segunda-feira, e depois na sexta, e depois na quarta seguinte e assim por diante, durante três semanas! A questão, disse-me depois, é que os médicos já não querem ver esquizofrénicos, é complicado, difícil e só dá chatices. Preferem tratar de depressões, bem mais fáceis de seguir. Tentei outro médico e já estava a ver que se passava o mesmo, até que uma semana depois lá apareceu uma luzinha ao fundo do túnel. Conseguimos uma consulta, o meu amigo vai ser visto no final de Outubro. Um mês para se conseguir marcar, outro até ser visto. É assim.
2.
Enquanto esta caminhada no escuro se passava, outro túnel ainda mais escuro se seguia - tentar perceber em que situação estava o pedido de rendimento de invalidez da segurança social. Uma vez que telefonemas, emails ou cartas não existem para a segurança social, fui lá directamente. Ao fim de três horas de espera a senhora disse que estava tudo tratado: o pedido tinha sido feito em Janeiro de 2005, uma assistente social e um psicólogo já o tinham ido ver a casa para uma entrevista e avaliação da situação em finais de 2005. Só faltava o relatório da assistente social. "E já lhe pediram?", "Não, estamos à espera". Telefono para a assistente social, que me diz ter enviado o relatório em Fevereiro deste ano, se a segurança social não recebeu, tem que pedir segunda via. Basicamente, dou por mim a ouvir que a segurança social não faz pedidos enquanto não receber a primeira cópia e a assistente a dizer que não re-envia porque não lhe foi pedido segunda via. Eu é que já estava a ficar esquizofrénica, quando resolvi ir falar com a directora dos serviços sociais. Uma das secretárias decide então tratar do assunto e falar à assistente social. Agradeci que o fizesse com brevidade, porque o meu amigo está há anos à espera, ao que ela me diz friamente: "Não se preocupe, o Sr. ainda é novo, tem muito tempo para receber o subsídio".
Como ele próprio diz "vivo numa prisão domiciliária, sem ter cometido crime nenhum". Os médicos e assistentes sociais impõem a pena.
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