24 setembro 2006
Um outro país nos ‘Docs da revolução’
Venho recomendar “Um outro país” de Serge Treffaut, exibido no ciclo ‘Docs da revolução’ no novo espaço Os bacalhoeiros. Este documentário é um importante complemento na cinematografia do tema, ao apresentar uma síntese das mais importantes obras sobre o PREC e ao entrevistar vários dos realizadores e fotógrafos que se deslocaram na altura a Portugal. Como o realizador explicou, a sua concretização resultou duma inviabilização de uma exposição sobre o tema devido ao desinteresse e questiúnculas levantadas por diversas forças políticas.
A alegria da época é não só constantemente referida como demonstrada pelas imagens. Sebastião Salgado e a mulher relatam a transformação presenciada aquando das suas passagens por Portugal do lúgubre ano de 1969 para 1974-75. A esperança de Custódia, envolvida na reforma agrária, e de muitos num mundo melhor é algo que hoje dificilmente reconheceríamos. Uma fotógrafa francesa resumia a subversão da autoridade tradicional na imagem de um soldado com a camisa desabotoada a arrastar a sua espingarda. Também registada fica o outro mundo onde nada se passava, na ditadura, durante o PREC e com o actual regime. Menos atenção foi dada à organização da reacção culminada no 25 de Novembro (ver aqui e aqui).
Portugal estava agora no centro do mundo. Militantes de esquerda afluíam a Portugal para ver a revolução em acção, de americanos como Kramer, mas essencialmente europeus. Da França, Alemanha e Suécia vieram vários, como de muitos outros. Queriam participar e aprender na oportunidade de recomeçar de um povo. Muitos acabaram por documentar as suas experiências sem o terem planeado.
Mas os protagonistas eram os portugueses. Cansados de décadas de opressão, miséria e desigualdade as pessoas saíam às ruas, exigiam e conquistavam direitos, construíam alternativas e sonhavam. Muitos organizaram-se, para resolver as questões da habitação (ocupações e construções de novas casas pelos próprios), agricultura (ocupações de terras), produção e outros. Os militares (constituídos pelos ‘filhos do povo’) eram parte activa do processo em acções de dinamização cultural, cívica e educativa. O próprio Estado organizava-se para fornecer alternativas como os SAAL para a habitação, as nacionalizações, entre outros.
Mas um dia acabou “E o mês de Novembro se vingou” (de “Eu vim de longe,…”, Zé Mário Branco). Sebastião Salgado refere como encontrou as pessoas numa sua visita em 1976: as pessoas tinham perdido aquela vivacidade, aquele brilho da alegria. Nós acrescentaríamos que os soldados voltaram para os quartéis, os “de baixo” (como diria o Brecht) para os postos de trabalho e as decisões para os gabinetes. O poder já não estava nas ruas.
Muitos destes documentalistas foram às suas vidas. Dois militantes da LCI recusam-se a voltar os antigos lugares de combate em Portugal, pois recusam-se a ser ex-combatentes. A fotógrafa francesa evoluiu para a moda, enquanto outros mantêm algumas relações afectuosas com Portugal ou alguns portugueses. Muitos portugueses viveram então os seus dias mais felizes. Por minha parte, tenho pena de nunca ter tido a oportunidade de conhecer esse outro país.
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