08 março 2006

 

Ser Mulher


Ser mulher é ser metade da população mundial, ainda que tal não transpareça nas notícias dos jornais e da televisão. Em Portugal, éramos em 2001 precisamente 5.355.976, isto é, havia mais 355.835 mulheres que homens.

A diferença demográfica (há mais 6% “elas” do que “eles”) não se reflecte no dia-a-dia das mulheres. Ganhamos menos, temos empregos mais precários, mais dificilmente chegamos a lugares de chefia e somos mais afectadas pelo desemprego.

Asseguramos a existência da sociedade em que vivemos, mas em troca pouco ou nada recebemos: somos nós que muitas vezes ficamos em casa quando os nossos filhos adoecem, ou os nossos pais precisam de ir ao médico. Entre a casa e o trabalho, cozinhamos mentalmente o jantar. Pensamos na roupa que tem que ser lavada, fazemos a lista de compras para o fim-de-semana. E se há um filho a caminho com o qual nenhum de nós contava (afinal a pílula que vamos buscar ao Centro de Saúde, apesar de gratuita, não é 100% eficaz), nada mais nos resta senão senti-lo crescer dentro de nós, e fazer contas não só aos euros mas, mais que tudo, à vida. Não à que vem aí mas à nossa que vai mudar.

Mas nós somos valentes, fisiologicamente mais tolerantes à dor que eles, multifuncionais, flexíveis, versáteis! Ah, mas não podemos ter celulite porque eles não gostam.

É este o modelo com que somos comparadas - o da mulher subjugada e mais mãe e esposa que companheira. Não nos satisfaz a nós nem a poucos deles.

Comments:
Curioso que no folheto do Eurostat, a organizacao estatistica europeia de primeiro destaque 'a fertilidade e 'a idade de nascimento do primeiro filho entre nacoes europeias. ... depois educacao... depois emprego.

Acho grotesca a "Clinica Persona" - Persona investments & franchising. Para ja chamarem-se clinica quando o que vendem nao e' saude, vendem odio-proprio, e o desconforto com o corpo. E que modelo de corpo se promove? Uma pueril e fragil menina bezuntada em bronzeador. Acredito que dada a escolha os homens preferem o amor-proprio e a celulite!
 
Também o Eurostat nos mostra que Portugal é dos países que mais igualdade tem entre homems e mulheres, no que diz respeito ao trabalho (não ao salários). Temos das maiores percentagens de mulheres a trabalhar (creio que mais que nós só Malta), e das maiores percentagens de mulheres licenciadas. A discussão das origens disto é uma história longa e nada resolvida na sociologia portuguesa.
 
a maior percentagem de participação feminina no mercado de trabalho fez-se em Portugal em poucas décadas, quando comparada com outros países. os baixos salários explicam que as mulheres não optem por empregos em part-time, como acontece na Holanda.
 
Ha' um explicacao economica para a elevada percentagem de emprego feminino.
O trabalho feminino e' barato e precario, porque na sociedade portuguesa e' assumido que a mulher nao precisa de receber um salario completo, mas antes um salario complementar ao do homem. Acontece que a economia portuguesa permanece ate' hoje baseada em actividades que so' lucram atraves do custo baixo e inseguranca na mao de obra, portanto sao actividades que tendo de escolher entre empregar um homem ou uma mulher preferem a mulher.
 
não sei quando é que foi isto mas há uns largos meses saíu um estudo português (um inquérito) em que a maior parte das pessoas achava que os filhos perdem muito com o facto de as mães trabalharem. Por outro lado, também se mostrava que as mesmas pessoas achavam importante as mulheres trabalharem na óptica da realização pessoal (isto é, para além da necessidade de ganharem dinheiro para sustentarem a família).

acho que não se perguntava qual a opinião das mesmas pessoas se fosse possível um membro do casal não trabalhar e fosse a mulher a não deixar de trabalhar. seria no mínimo esclarecedor.
 
nalguns paises europeus, esta-se a reformar o periodo de licenca de parto: para que possa ser dividido com o pai, ou mesmo que seja o pai a ficar em casa.

Claro que isto tem tb uma logica financeira por detras, fica em casa aquele que recebe menos e ajuda a que a mulher nao prejudique a sua carreira. Mas nao deixa de agitar os papeis classicos de maternidade e paternidade, o que faz bem falta...
 
desculpem mas não resisti a investigar um pouco mais o site das clínicas persona.

está explicado como é que tanta gente tem um ar tão fresco e recauchutado ao mesmo tempo...
 
tb nao resisti, gostei de ver que o senhor e doutorado em londres, hence, deve ser bom! Mas a melhor parte e' a historia da clinica em que se comeca por dizer que a "Eva foi criada para agradar ao Adao". So me motiva uma reaccao, talvez um pouco infantil: que nojo!!!!
 
Também acho que há uma explicação económica para isto, mas não creio que seja a dos salários. Até porque, segundo as estatísticas do Eurostat que citei num post anterior, o "gender gap" em salários é dos mais baixos da EU-25, só superior (por pouco) ao de Malta. São dois aspectos positivos - temos muitas mulheres a trabalhar, e a diferença de salários é das menores (ainda assim demasiado grande, claro). Mas creio que a explicação tem a ver com salários sim, mas não com as diferenças de sexo. Digo eu que os baixos salários em Portugal obrigam as famílias a ter dois rendimentos, enquanto outros países se podem dar ao luxo de deixar um em casa (a mulher, claro). Cá, as mulheres saíram de casa na guerra colonial, e nunca mais voltaram porque os salários não deixaram, depois do abandono da agricultura de subsistência.
 
tens razão. nesse ponto somos um caso particular na europa, pois noutros países a maior participação das mulheres no mercado de trabalho fez-se com uma fase de transição: começava-se a trabalhar, parava-se por uns anos por causa dos filhos, e quando estes já eram maiorzinhos voltava-se a trabalhar.
aqui não houve nada disso.
 
Nao sao historias incompativeis.

A representacao do problema que eu ofereci referia-se ao lado da oferta, porque e' que as empresas portuguesas contratam tantas mulheres comparando a situacao com outros paises. E' porque as mulheres tem salarios mais baixos e e' mais facil despedi-las porque tem "salarios complementares".

A outra historia que se pode contar e' do lado da procura, porque e' que as mulheres portuguesas procuram emprego. E' porque se recebe pouco e o salario do marido nao chega, ou ele esta despedido, assim precisa-se do suplemento feminino, dos "salarios complementares".

So quero deixar a nota que o gender gap parece-me demasiado baixo nestas estatisticas para aquilo que conheco da historia social portuguesa. Ou tem havido grande reducao nos niveis de salarios masculinos ou ha muito trabalho feminino que nao esta a cair nas estatisticas europeias.
 
a questão central que se coloca na participação da mulher na sociedade não é a proporção com que o faz, nem julgo ser mesmo a objectificação da mulher. A objectificação que se está a consolidar no sistema capitalista em que vivemos é, infelizmente, a do Ser Humano de ambos os sexos.
a garantia dos direitos em pé de igualdade, sem superioridades nem condescendências é o que importa construir.
 
Mbeki: mas o teu próprio argumento vai na senda dos salários.

Quanto à discriminação salarial é interessante tentar dividi-la em dois diferentes aspectos. Um é a diferença "explicada" que recorre de ter um trabalho menos qualificado, em sectores mais mal pagos, etc. Outra discriminação é a diferença de salário para exactamente o mesmo emprego. Se a última é mais escandalosa, a outra é talvez mais grave pela sua maior prática, imposição pela socidedade e aceitação por todos nós (porque há mais mulheres na educação...).
 
Também sou completamente contra a lógica das quotas. Acredito que é um slogan político que se lança de vez em quando, o dia da mulher, por exemplo, para mostrar que o problema da desigualdade da mulher na sociedade não está esquecido. O problema, como já foi dito, está profundamente enraizado na sociedade, e não só na portuguesa. Apesar de profissionalmente activa, é a mulher que recai a responsabilidade do trabalho da casa (e fica com a famosa dupla jornada) e da educação dos filhos. Ao homem, cabe o papel de "ajudar" (e pensem quantas vezes este verbo é usado por quem não se julga machista) a mulher. Quando se der as verdadeiras condições de parentalidade tanto à mulher como ao homem e se inverter a mentalidade que associa à mulher a responsabilidade doméstica, será possível resolver dois problemas: a afirmação da mulher profissional em igualdade com o homem e o problema das baixas taxas de natalidade. Como já conseguiu a Escandinávia...
 
Já agora, relativamente ao comentário de a. cabral, em Portugal, tanto quanto sei, já está previsto na lei a divisão da licença de parentalidade entre a mãe e o pai. Contudo, se pensarmos nos dados que sairam há tempos que mostravam que a maioria dos pai nem gozavam os cinco (!!!) dias a que têm direito após o nascimento do filho, podemos ver que é algo que dificilmente sairá do papel...
 
Relativamente ao comentário de Femininemystique, "os baixos salários explicam que as mulheres não optem por empregos em part-time, como acontece na Holanda", achei curioso levantar-se a questão da Holanda. A Holanda, apesar de ter condições excepcionais de protecção à maternidade, tem muito presente a lógica da responsabilidade da mãe em relação aos filhos e ao lar. As políticas familiares favorecem claramente a maternidade no sentido mais clássico do termo, pelo que elas ficam muitos anos em casa quando os filhos são pequenos e optam por empregos em part-time. Neste particular, a Escandinávia (principalmente a Finlândia que tem taxas de actividade feminina a tempo inteiro semelhantes às nossas)tem uma lógica política muito mais correcta, a meu ver. Tem como pressuposto que tanto o homem como a mulher têm direito a uma realização profissional plena e, é claro, que os filhos têm direito à melhor educação possível. Assim, o resultado é uma taxa de actividade feminina altíssima, de mulheres em profissões de topo e estruturas educativas para as crianças, estatais, incríveis. É uma lógica completamente diferente da Holanda (ao ponto de, neste aspecto, serem vistas como tendo modelos de estado providência completamente diferentes) e, a meu ver, muito mais correcta. Portugal, é claro, não tem nem a lógica escandinava nem a centro-europeia (holandesa)...
 
igamm, obrigado pelo esclarecimento.
A minha defesa das quotas resume-se ao reconhecer que os preconceitos, e os poderes estabelecidos nao se reformam por si. E' preciso agitar as aguas para que algo mude. As quotas tem esse potencial porque de imediato poe fim ao monopolio macho do Estado.
 
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