28 abril 2005
Sobre a Homossexualidade (Parte I)
"A Natureza diz-nos..."
Entre muitos dos argumentos levantados contra a sexualidade o que me continua sempre a surpreender é o "pseudo argumento-natural". Muitos dizem, os animais juntam-se macho e fêmea, ponto final. É a lei natural, e mal nenhum há em defender esta ordem. O problema óbvio do argumento é ser completamente falso. Quem o diz ou não tem cães na vizinhança, ou não tem televisão por cabo. Nem peço que peguem num manual de Biologia (que normalmente estas coisas não veem nos manuais de escola, apenas nuns quantos mais avançados...). Os animais poderão ser homossexuais, é um processo que sucede, mais regularmente até do que se pensa. Depois haverá também os que dizem, o facto de terem relações sexuais, não os torna casais homossexuais. O que é igualmente falso, na verdade há mesmo casais homossexuais.
O que eu acho ainda mais curioso nisto tudo é até ser por vezes a Igreja a pegar neste argumento. Como se o conceito do matrimónio tivesse de ser deduzido das relações que encontramos na Natureza. Quererá isto dizer que a Poligamia vai ser defendida em breve pelo Vaticano? Os coelhos não mentem!
26 abril 2005
Abril, águas mil
Estou só com saudades do tempo em que se podia raptar os políticos...
18 abril 2005
Males crónicos
À direita e à esquerda (moderada e economicista) vem se prometendo uma nova era de progresso e de expansão económica. A direita aposta na revolução institucional e desde os anos 80 que as reformas neo-liberais conspiram por um paraíso de mercado. A esquerda espera por uma revolução tecnológica que inicie um novo ciclo longo de expansão capitalista. Os resultados de uns e outros têm sido deprimentes.
A depressão económica espreita em todos os cantos. O gigante chinês a esperança de um novo motor da economia global, está a mergulhar numa crise de sobreprodução esgotando as possibilidades do seu crescimento. E os velhos centros imperialistas estão a navegar ao capricho de uma tempestade incerta. Wall Street engasga-se com os resultados da IBM e logo as ondas de choque atingem a banca europeia, este grotesco jogo de dominó faz-nos todos prisioneiros.
O mal que aflige o capitalismo ilude todos... Entretanto, estamos presos nesta história sem fim à vista.
08 abril 2005
Os milhares no funeral do Papa
O público para este funeral espectáculo chegou a 250,000 só na Praça de São Pedro. Muitos mais invadiram as praças de Roma para assistir a versão televisiva. Roma foi reservada aos pedestres, carros foram interditos na capital, um daqueles gestos que significa solenidade e excepção.
Escrevo por desconforto, porque esta absurda celebração valida uma Igreja e um Papa predadores da desgraça humana, em regozijo moral face a dor da doença e da miséria, legitimando tragédia.
Como se significa a multidão romana? Estão lá porque os voos são baratos e o mundo se fez mais pequeno? Estão lá porque a primeira religião do mundo, a dos fazedores de opinião e jornalistas, sublinhou incansavelmente com solenidade este momento? Ou estão lá porque a "nova direita" está com sucesso a refazer a cartografia ideológica do mundo, em continentes religiosos e chauvinistas?
07 abril 2005
Na sombra da guerra do Iraque
Aznar partiu. Barroso fugiu. A “coalition of the willing” vai-se desfazendo. Os governos são acossados por uma oposição popular que não se sumiu com o pingar dos meses e do petróleo.
Chega agora a vez de Tony Blair. As eleições são em breve e o resultado é incerto. O envolvimento britânico na guerra contra o Iraque forjou-se com mentira. Um milhão de manifestantes na rua pode não ter impedido a invasão mas feriu a confiança trabalhista. É por isso que Blair faz uma campanha a dois, com o seu provável sucessor, e nominal paladino pelo perdão da dívida do Terceiro Mundo, Gordon Brown. É por isso que o grande argumento trabalhista é incendiar a ameaça de uma vitória do partido conservador.
É esta a nova lógica do poder, esconder-se.
06 abril 2005
O filósofo na casa dos espelhos
Portugal Hoje – O Medo de Existir de José Gil prendeu-me entre as suas páginas. Não é um texto confortável, instiga e fere o corpo indolente do Portugal adormecido, e por isso merece louvor.
A dificuldade na leitura do texto e do argumento é a construção da “mentalidade” nacional, uma névoa branca. Construir uma psicologia nacional de fragmentos e impressões é uma tarefa com muitos espinhos, quando se encobrem conflitos e classes. Gil não se defende em evidências, arma-se com a sua fenomenologia e com pontuados exemplos (o último capítulo oferece-nos o contexto deste texto, o “mediatista” Santanismo). Gil não precisa se defender quando muito do que diz é globalmente aceite como o carácter luso – “os brandos costumes”, “o espertalhão”, “a burocracia”, “o mediatismo”, “a pobreza intelectual”… Esta matéria prima é duvidosa, parte mitológica, parte efeito disforme de um jogo de espelhos comandado pelo autor, com microscópios e telescópios. Gil tanto está par a par com o indivíduo e a sua psicologia, como a sobrevoar a história das ideias ou a sociologia política lusa. Esta teoria total é generosa, mas demasiado fácil e instável.
Portugal é um negativo filosófico, domínio do não-inscrição, “tudo se desenrola sem que os conflitos rebentem, sem que as consciências gritem, é porque tudo entra na impunidade do tempo – como se o tempo trouxesse, imediatamente, no presente, o esquecimento que está à vista, presente” (p.18); a “não existência de um espaço anónimo de devir das ideias e das obras” (p.31), ou seja um espaço publico. Para o filósofo mais do que para o cidadão isto é motivo de angústia, porque para pensar Portugal Gil tem de continuamente dobrar e quebrar conceitos, criar espaços onde colocar um país bizarramente suis generis. Portugal está em limbos, entre uma sociedade disciplinar e uma sociedade de controlo (á la Foucault e Deleuze), entre a modernidade e a pós modernidade.
Os dois termos mais fortes da análise são a pequenez nacional, “Circular por entre as pequenas coisas, investir nelas e logo desinvestir, conectar-se e a seguir desconectar-se dá a ilusão de movimento, de liberdade, de um desejar diverso, rico e múltiplo.”(p.52); e o medo, “O medo do rival, do colega, dos outros candidatos ao mesmo lugar, à carreira, ao emprego, quer dizer, o medo dos outros. Medo extraordinariamente agravado pela subavaliação que o indivíduo faz de si mesmo, julgando-se sempre abaixo do nível exigido, nunca à altura do que se lhe pede” (p.79). É sobretudo em torno destes dois elementos que se constrói a imagem da nossa “não-inscrição”. Inaugura-se com uma violência sublimada, herdada do Salazarismo, que corrói Portugal mas nunca se despoleta em conflito. Estamos solidamente reprimidos pelo medo crónico de tudo e todos acompanhando a nossa insegurança sobre os nossos poderes; a que se junta o habitual percorrer de espaços curtos formalmente felizes com o que é pequeno e banal. Jamais irrompemos em revolta e em celebração dos nossos poderes. Jamais rasgamos os confortáveis mas inócuos circuitos onde é impossível crescermos.
A fragilidade de Portugal Hoje é que embora açoite não nos pode mover. Portugal investe-se como essa imensa névoa, uma absurda osmose de medos, traumas e ritos, que só nos pode esmagar porque é-nos irremediavelmente “exterior”.Gil não desfia o seu discurso em manifesto ou programa. A crítica permanece divorciada de uma prática. Foucault ao denunciar a sociedade de controlo fazia-o para identificar os pontos de ruptura, e oferecer possibilidades de revolta e resistência. Gil admite que a resistência existe em Portugal mas não a nomeia e não a estuda. O texto desilude porque em vez de nos curar do trauma nacional talvez o acentue, estando nus perante a nossa impotência só podemos reconhecer que nada podemos fazer.
Para terminar, uma ironia muito nacional. Na contracapa, os habituais comentários dos famosos sobre o livro são unânimes em sublinhar as credenciais do filósofo e a garantir que dificuldade desta vez é marca de inteligência. O editor e o autor não querem que o leitor siga os seus imprevisíveis instintos. Afinal o filósofo é português, e também sofre de medo.
|
|
|
|