09 março 2008

 

Marcha da Indignação


Ontem, cerca de 100 000 docentes desfilaram nas ruas de Lisboa, quebrando de vez a ténue ponte que ainda os ligava ao Ministério da Educação. Como se chegou até aqui? É simplista reduzir tudo a esta administração. A verdade é que nem tudo vai bem na educação há muitos anos. Mas o espírito reformista, prepotente e várias provas manifestas de incompetência desta equipa transformaram um mal-estar antigo numa revolta.

As preocupações dos professores são várias e prendem-se com interesses profissionais, que são legítimos, e com a qualidade do ensino e o papel da escola pública. A mais falada e discutida é a questão da avaliação. Um ponto inicial importante é o de que a maioria dos professores não se opõe à avaliação. Rejeita é este modelo por duas razões: mascara com uma fachada de rigor profundas injustiças e arbitrariedades na avaliação, e está a ser implementada com prazos de execução irreais, sem permitir a reflexão nem a construção de instrumentos pensados e testados que possam minimizar essas arbitrariedades. Para exemplificar:

* O concurso de professores titulares “promoveu” praticamente todos os professores que se encontravam no topo de carreira, sem obedecer a critérios de mérito ou qualidade. Isto afecta a percepção que os avaliados têm dos seus avaliadores e pode viciar grande parte do processo, condenando, à partida, a validade desta avaliação.

* Há um numerus clausus de professores que podem obter os níveis que permitem a progressão na carreira, situação que pode distinguir professores da mesma escola mas que não é absoluta na distinção de professores de escolas diferentes e que concorrem entre si para a obtenção das colocações.

* A avaliação tem ainda em conta variáveis que não estão, em grande parte, sob o controlo do professor, nomeadamente as notas dos alunos e os índices de abandono escolar. A valorização destes itens, além de desresponsabilizar outras instituições, nomeadamente o Estado e as famílias, pode ter o efeito preverso de inflaccionar as notas. A maioria dos professores não lecciona disciplinas sujeitas a avaliação externa por exame nacional, pelo que os efeitos dessa inflacção não podem ser corrigidos.

* A questão da insistência do ME em forçar este processo a meio do ano lectivo, tal como fez com o Estatuto do Aluno (em relação ao qual teve de recuar), condiciona as escolas na sua capacidade de reflexão e no tempo dedicado à construção dos instrumentos de análise. Chega ao ridículo de ir ser pedido aos professores que definam objectivos de trabalho para este ano lectivo a semanas de terminarem as aulas.

Há muitas outras questões que consternam os professores neste momento, mas esta, sendo a mais mediática, merece hoje mais desenvolvimento. A educação em Portugal precisa, sem dúvida, de um rumo firme, mas é impossível progredir sem ouvir e perceber os profissionais que lidam com os alunos e compreendem a escola e os seus problemas como ninguém: os professores.

igamm, professora



   

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