30 outubro 2007

 

Sobre a relação povo-governo


Culpar o povo pelas políticas do governo do seu país é injusto e até idiota. Mas quando um governo impõe sanções económicas e depois invade e bombardeia um país numa política que se alastra há décadas, e o povo não se opõe em massa, há que ficar no mínimo desiludido. Quando no país que se auto-denomina o mais democrata e livre do mundo, as pessoas votam nas mesmas duas famílias há 28 anos (e seguem-se provavelmente mais quatro) há que ficar no mínimo desiludido. Não criticar nem deixar outros criticarem esse país, sem uma cinta de “mas” e “ses”, é desculpar a inacção e o conformismo. Mas quem somos nós?! Afinal Portugal serviu de estalagem na preparação da guerra. Talvez então uma iraquiana possa expressar esta desilusão...

“Que tipo de pessoas são vocês? Sim, eu disse pessoas, não governo. Eu não sou politicamente correcta. O vosso governo é parte de vocês e vocês são parte dele. Gostem ou não. E não me venham dizer com ar envergonhado que eu sei bem: “Oh, mas eu não votei neste.” Estou-me a foder para quem é que vocês votaram ou não votaram. Esse problema não é meu. O meu problema são vocês. A vossa cultura, o vosso comportamento, a vossa mentalidade, o vosso carácter, a vossa confiança, a vossa arrogância, o vosso orgulho falso, a vossa negação, a vossa estupidez e ignorância colectiva, o vosso modo de vida que eu acho chato, vazio e sem-gosto, o vosso sotaque que é uma afronta aos meus ouvidos... e aos meus sentidos. Eu não gosto de vocês. Ponto parágrafo.

Eu sei, eu sei, alguns de vocês são boa gente... Eu sei, eu sei, a América não é um grupo homogéneo... Eu sei essa merda toda. Isso não faz a mais pequena diferença na minha vida e na dos outros iraquianos. Já não quero saber das vossas nuances, das vossas inclinações políticas, quão bons ou maus vocês são... Para mim e para tantos outros isso já não tem qualquer importância. As nossas vidas foram arruinadas, totalmente arruinadas. Estamo-nos a foder para as vossas nuances. Tudo o que sei é que vocês destruíram o meu país. Sem arranjo.” An Arab Woman Blues

Comments:
E quando todo o mundo assiste a tudo isso sem levantar um dedo.........é uma desilusão;
E quando todas as burguesias nacionais que ajudaram a construir o império e agora cruzam os braços...é uma desilusão.
E quando se teima em não se ver que a questão iraquiana interessa apenas a algumas "famílias" económicas, aproveitando-te politicamente de duas famílias durante 28 anos............não chamo desilusão, mas falta de análise política.
Não comento o anexo. Ele já tem 54 comentários que, pelo menos, alguns deviam ser aqui apresentados e não foram.
Dolores, não me digas que a senhora Mary Douglas(americana de gema), minha vizinha do terceiro andar, 54 anos,não vota nem lê os jornais, não tem carro e não faz barbeques no quintal,não vai ao cinema nem a restaurantes mais caros do que sete dólares o prato,não tem sistema de saúde socializado, não tem um mês de férias nem o seu subsídio, nem subsídio de natal e que limpa o Wal-Mart das onze da noite às cinco da manhã...não me digas que essa senhora é mais culpada do que José Manuel Durão Barroso(português) do que se passa no Iraque.
E como ela há milhares e milhares!!!!!! E como ele há dezenas!!!!!
 
Note-se "também" e "e" em a) e b), repectivamente.
a) "A aventura iraquiana está perdida para os EUA. O seu fim, e o abreviar dos sofrimentos que implica, depende assim, em grande medida, do crescimento da oposição popular norte-americana. Dependerá também do recrudescimento do movimento mundial contra a guerra."MP, em PO, Jan/Fev 2007

"uma campanha internacional mais vigorosa e uma oposição mais enérgica do próprio povo norte-americano acabarão por impor o fim da criminosa invasão do Iraque."MR, em PO, Nov/Dez.06.
 
Que a maioria dos americanos e' contra a guerra nao tenho duvidas. Mais que nao seja, todas as sondagens o mostram. A questao e' que nao ha uma movimentacao de massas, nao ha protestos ou formas de luta colectivas. Nao ha e devia haver. Tem que haver!

PS. Posso-te dizer o que e' que o MR disse 'a mesa de jantar no dia em que escreveu isso :)
 
É-se contra a guerra, mas olha-se para o lado...

http://arrastao.weblog.com.pt/arquivo/2007/10/os_dois_posts_anteriores_ajuda
 
De acordo Samir!

Não percebi o "PS" da Dolores...muita areia para a minha carroça!
 
Eu até guardo algum cepticismo quanto à existência de uma maioria clara de americanos contra a guerra no Iraque, mas admitindo que as "maiorias silenciosas" agora estejam do outro lado...

Ser contra a guerra no Iraque não deixa de ser uma coisa um pouco vaga; tenho a certeza de que os testemunhas de Jeová são contra a guerra no Iraque, mas tanto me faz, uma vez que os motivos deles e os meus não poderão coincidir.
Este é um exemplo extremo, mas é muito diferente ser contra a guerra no Iraque pela lógica "porque é que mandamos dinheiro e soldados para aquele fim de mundo?" ou ser contra porque não se deseja o Império. É uma diferença que importa salientar, embora nunca o seja, e de facto o debate à volta do Iraque é francamente desanimador.

É claro, anunciar aos quatro ventos que o governo americano é grunho porque o povo americano grunho é pode servir de consolo, mas duvido que seja eficaz para outros propósitos. Pessoalmente, da minha curta experiência com os americanos, também diria que os americanos são um pouco grunhos (ou, pelo menos, deixam passar em claro comportamentos que eu olharia muito de lado), mas é a minha experiência, curtíssima e que não vale grande coisa.
Outra coisa é dizer que não interessa saber muito o que os americanos pensam, porque no fundo tanto que estão a favor como os que estão contra a guerra só se preocupam com os Estados Unidos, com a sorte dos soldados e os buracos no défice, e não querem saber rigorosamente nada do que é que causaram no Médio Oriente.
 
Já agora, e puxando um pouco a brasa para a minha sardinha, também me interrogo sobre o estranho silêncio das ciências sociais e das humanidades nos Estados Unidos quanto à situação no Iraque.

Tanta preocupação com o "Outro" no papel, tantos estudos pós-coloniais, e quando têm uma oportunidade de ouro para denunciar aquilo que é uma agressão imperial com todas as cores, ficam caladinhos que nem fusos (e nem falo dos antropologistas que vão fazer serviço de guerra para o Iraque).

E voltamos à vaca fria: tudo poderia ser diferente se a esquerda americana, ou neste caso a sua ala "académica", fosse menos "lírica", menos centrada em si própria, e mais actuante.
E depois, dada a hegemonia ideológica americana, não surpreende que esta apatia se propague a todo o mundo, que a esquerda emudeça, que uma série de pequenas e grandes barbáries passe impune.

Aliás, neste como no caso da jovem equatoriana, nem é uma questão de direita ou esquerda, é uma questão de humanidade básica.
 
Gogol,

Preciso de tempo para digerir tudo o que disseste.
Entretanto, pensei num pormenor que talvez venha trazer alguma luz à questão.
Terá impacto, na existência de manifestações de rua, o facto do serviço militar ser voluntário e não obrigatório?
Agora é como se fosse um emprego. Antes, como obrigatório, faziam as famílias não aceitar a ida dum parente para a guerra, e por isso manifestavam-se.
 
Gogol,

Fui a Portugal em 2004 e espantei-me com o número de pessoas que falavam, na sua maioria contra, sobre a invasão americana. É que aqui ninguém (passo a palavra) fala no assunto.
Isso é assim: "não mandei vir essa encomenda, o meu filho não está lá, quem foi para a tropa para ter estudos grátis ou algo parecido agora que vá.."
Se o serviço militar fosse obrigatório, tal a coisa fosse diferente.
 
Estudos grátis?Por acaso,em Cuba,onde havia de ser?há cursos grátis!!!Mas porquê os EUA hão-de ser os melhores?só se forem na bestialidade,no Mercenarismo,na perseguição(Abu-Jamal,p.ex),nas escutas(Echellon,sabem o q é?Atão o
'1984'?ah!pois sim era na URSS,pq por cá estamos todos bem graças a deus e ainda por cima temos nª srª de fatma).KGB? Eram mesmo uns meninos de côro ao pé destes grandes democratas.AH! e a maltosa da CIA q anda a orientar-se nesse país libertado pelas forças democratas;por acaso,só por acaso, aumentou x vezes a produção do ópio é obra!
 
Anónimo,

"Estudos grátis", nalgumas universidades, para quem presta militar. Não sei se apenas em determinados cursos.
Julgo que estamos a colocar "estudos grátis" em contextos diferentes.
 
bandeirabranca, eu vejo o espaço público americano (e por extensão mundial) de tal forma minado que não sei até que ponto um regresso do SMO faria mudar as coisas. Acredito que houvesse uma franja maior de americanos radicalmente contra a invasão do iraque, mas não me parece que, no conjunto, a opinião pública americana fosse substancialmente influenciada pelo facto de ver os entes queridos partir para o Iraque. Acho mesmo que a descoberta de todas as tramóias dos neo-cons faria mais depressa mudar a opinião pública do que ter familiares na guerra.

E lá vamos nós outra vez, minado porquê? Também porque a esquerda americana e o movimento anti-guerra não se consegue movimentar nos media, e prefere cantar vitória com pequeníssimas coisas que no fim não resultam em nada. Podem chamar manipulador e embusteiro ao Michael Moore (e até pode ser), mas a verdade é que ele ainda é dos poucos que consegue fazer um pouco de frente aos "grandes interesses".
Porque de resto há todo um espaço mediático ao serviço desses grandes interesses que simplesmente aniquila as vozes dissidentes, e até agora não se conseguiu formar uma alternativa a esse espaço mediático. Aliás, basta acompanhar a comunicação social portuguesa para perceber a influência que, por exemplo, o complexo do sr. Murdoch tem mesmo fora dos EUA. O que muda se tivermos uma pessoa próxima no Iraque, mas houver um império mediático que sistematicamente denega o arrasamento total a que os EUA sujeitaram o Iraque?

E depois ainda há uma outra coisa: gostamos muito do aspecto romântico das manifestações e dos protestos da rua, adorávamos que houvesse um 1789 ou um 1917 para sacudir a modorra, mas atenção que não controlámos a forma como esse império mediático aborda a agitação popular e depois a utiliza - para os seus próprios fins!
Todos nós aplaudimos as manifestações contra o CPE em França, mas a verdade é que, juntamente com os motins, conseguiram fazer eleger o Sarkozy em França...
 
Ainda um outro ponto, não sei até que ponto as relações familiares são suficientemente fortes para que sejam um factor de mudança a sério. Há pouco tempo fiquei surpreso com um estudo que supostamente demonstrava que havia um cada vez maior número de pais nos EUA que cobravam renda aos filhos quando chegavam aos 13, 14 anos.
Olhem se isso acontecesse em Portugal ;) !
 
Gogol,

Esta última não lembra ao filho-do-diabo-mais-velho. Os gajos estão em casa dos pais até aos trinta e nem renda pagam, comidinha e roupa lavada. É-lhes conveniente, claro!
De qualquer maneira, diz-me onde encontraste esse estudo.
 
Gogol,

Se não existe uma alternativa e uma vanguarda a encabecá-la é porque não existem condições necessárias. A estrutura social é tão sub-dividida e a classe média tem uma força terrível na transformação de qualquer coisa.
E para onde julgas que a classe média cai quando chega a hora das pequenas agudizações de classe?
Os vampiros sabem disso e sabem mandar uns rebuçadinhos nas horas precisas.
Falaste-me anteriormente no estudo do "outro" na academia. Como tenho pouca ou nenhuma escola, falei com um colega meu que estuda. Ele disse-me que deves estar falando no estudo da "identidade"...correcto? Sim, eles estão mais preocupados com a identidade e o multiculturalismo do que a luta de classes.
 
Isso mesmo, bandeira branca, os chamados "Identity Studies / Policies".
O que eu gostava de ver discutido era, por exemplo, a legitimidade dos "Identity Studies" num momento em que os EUA levam a cabo uma agenda em tudo contrária aos princípios que alegadamente defendem, isto sem que consigam desencadear uma contra-acção social que pelo menos refreie os instintos predatórios do Império.
Não é muito simpático de dizer, mas cada vez mais me parece que estes Identity Studies são em primeiro lugar uma estratégia para sacar notas e posições nas universidades americanas, e no fundo ninguém se preocupa muito em saber como podem ser aplicados na sociedade. "A filosofia já tentou muitas vezes transformar o mundo, agora chegou a vez de o interpretar" ;).


Quanto ao estudo sobre os pais e a renda dos filhos, já não tenho a ideia certa da página onde estava alojado, mas descobri-o neste fórum: www.languish.org , vamos lá a ver se dou outra vez com o tópico. De qualquer forma, hoje há estudos para todos os gostos, e também não há razões para os levar muito a sério...

Parece-me que a pulverização e a terciarização das classes trabalhadoras será mais influente nos países europeus, porque nos EUA tenho a impressão de que há factores mais importantes, como uma certa "ideologia americana" que está muito enraizada no Sul e no Midwest e percorre todos os níveis da sociedade, de tal modo que, para voltar a um exemplo extremo, a classe média de Houston terá mais semelhanças com as classes abastadas e os poor whites do Texas do que com a classe média de Boston ou de San Francisco.
 
Acho que o efeito do draft nao e' desprezavel. Comparando os numeros e composicao das forcas que estao no Iraque com as que estiveram no Vietname, o contraste e' grande. No Vietname estiveram mais de meio milhao, no Iraque estao mais de 130 mil. Os soldados de hoje sao comparativamente mais pobres, alguns recem emigrados e que "compram" cidadania com o servico militar. Sao grupos que dificilmente quem recursos economicos e simbolicos para um protesto visivel. Afinal o draft foi retirado pelos conservadores nas "licoes" do Vietname. Ainda assim a maior diferenca entre 1967 e 2007 sao os 30 anos de diferenca cultural e a evolucao ideologica desde o fim da guerra fria.

Concordo que os cultural studies, subaltern studies, etc, estao indiferentes 'a guerra, mas dizer que sao ignorantes aos temas do imperialismo parece-me excessivo. Vejam-se, concorde-se ou nao, com as propostas do Negri e do Hardt. Mais importante, veja-se o trabalho comecado pelo Said com ORIENTALISMO e que a cada revisao ficava mais radical e anti-imperialista. Ha um corpo de trabalho sobre a situacao palestina nessa linha que infelizmente recebe ouvidos mocos por ser "academico".
 
O esquema do "draft" é que quem escolhe o serviço militar como emprego, depois não vai reclamar contra aquele mesmo trabalho. Nem as suas famílias.
Se o meu filho for mercenário numa missão em certa zona do globo, eu não me vou manifestar, nem ninguém, contra a missão em que o meu filho está incumbido.Posso manifestar-me mas não pela razão do meu filho estar lá.
Como se pode chamar a uma situação entre o militar obrigado e o mercenário?
 
Acho que nao se deve abusar do termo mercenario. Blackwater e empresas de seguranca dessa ordem sao mercenarias. Os soldados Americanos, mesmo que profissionais, sao pagos com impostos do Estado e estao a servir os interesses da Nacao de que sao cidadaos. Os militares de Abril eram militares de carreira e nem por isso aceitaram um conformismo monetario de que "faco tudo o que quiserem desde que me paguem."
 
Não aceitaram não, mas ao cabo de quantos anos?
Não aceitaram, mas quando não aceitaram? Depois de ver que a coisa estava perdida?! Depois de verem que a vaquinha estava a secar e que alguns, os de carreira, também já estavam a ser atingidos fisicamente? A partir de setenta, já não podiam levar as divisas para o mato, mas continuaram a ser reconhecidos porque eram os que acabavam por ler aos soldados a propaganda dos "turras". Quem tem cú....tem medo.
De qualquer maneira, um militar de carreira é diferente dum soldado americano, que não é de carreira.
Entendo o conceito de cidadania e nacionalismo, mas numa terra de tanto individualismo e onde ser político é um emprego, tenho dúvidas se há algum interesse nacional.
 
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