16 outubro 2007
Honesta mentira
Um dos pesadelos que aterra escritores tem como vítima uma entidade imaterial, o significado. O exemplo emblemático é o “newspeak” de George Orwell em 1984. No romance, uma legião de funcionários da Oceânia corrige perpetuamente um dicionário que dita a lei da língua. Em cada revisão do dicionário, o significado é subvertido: guerra igualada a paz, verdade com mentira. A par com a violência disciplinar sobre o significado, perdem-se palavras. E sem palavras, os cidadãos de Oceânia estão desarmados para compreender o mundo e o mudar.
Quando ouvi pela primeira vez o refrão do programa tardio da CNN, Anderson Cooper 360º, dei uma gargalhada. Catalogar as reportagens com a frase: “Keeping them honest”, é reclamar uma credibilidade que o pobre conteúdo jornalístico não garante. A CNN que cobre as notícias como um qualquer tablóide, com ruidosa gravidade e amnésico comentário, esconde-se por detrás de uma frase com tom missionário. Achei patético.
Dias seguidos a ser martelado pelo refrão, “Keeping them honest” tornou-se uma frase de angústia. A cada uso escorre significado, perdido. A honestidade que a CNN alegadamente valoriza é diariamente banalizada, em reportagens como a que alerta para o perigo iminente de uma falha informática na rede eléctrica que pode (irá!) cobrir os EUA de breu e morte durante meses.
A mediocridade é a suprema estratégia do regime.
Comments:
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Esclarece-me : a percepção geral do público aí é mesmo que a CNN é enviesada para a esquerda (librul bias, como se lê)?
engraçado que fales do sentido que as palavras perdem quando repetidas incessantemente. quando tinha aí uns dez anos repeti de seguida a palavra "carneiro" e a certa altura deixou de ter significado. não sei porquê esta palavra, mas fiquei contente que não estava sozinha nesta experiência ao ler a "Aparição", onde um jovem personagem tinha tido semelhante epifania.
Os pundits conservadores dizem que a CNN e' liberal, os pundits liberais (liberais no sentido americano) dizem que a CNN e' conservadora.
O publico nao se ouve. O publico nao se sabe o que pensa, sem ser o que os pundits e a CNN diz que eles pensam. No dia a dia, na conversa, as pessoas nao usam esses catalogos. E essas avaliacoes, de alguma forma sao um discurso televisivo sobre a televisao. Fora da televisao nao existe.
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O publico nao se ouve. O publico nao se sabe o que pensa, sem ser o que os pundits e a CNN diz que eles pensam. No dia a dia, na conversa, as pessoas nao usam esses catalogos. E essas avaliacoes, de alguma forma sao um discurso televisivo sobre a televisao. Fora da televisao nao existe.
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