12 setembro 2007

 

Derivas tibetanas


Anda por aí um grande reboliço por causa da visita do Dalai Lama a Portugal, e por causa da recusa dos ilustres do poderio português em recebê-lo. Era previsível que o PSD e CDS aproveitassem a deixa para ganhar algum tempo de antena com encaloradas frases de oposição demagógica. O que não era previsível(?) era o Bloco de Esquerda, juntar-se ao coro através da deputada Alda Macedo:
"Alda Macedo, que falava aos jornalistas no Parlamento, recordou ainda que o Dalai Lama é o “rosto mais visível de um Estado ocupado” e onde se verificam violações dos direitos humanos.", diz a notícia do Público.

O que esta malta de esquerda esquece é que o Dalai Lama é defensor de um estado teocrático, tal como os islamitas radicais (seguindo o actual rótulo politicamente correcto) e outros que o ocidente frequentemente trucida nas notícias (e outros ainda que são convenientemente esquecidos e perdoados). Esquecem-se que as condições de vida dos tibetanos sempre foram miseráveis durante os regimes de inspiração budista (e não quero agora discutir se estão melhores com a China ou não - é uma outra discussão), e sobretudo, que não é o papel da esquerda defender qualquer opositor a um regime autoritário só porque é opositor, ou só porque é autoritário, ou só porque é ocupante. Nem os direitos humanos e individuais são os valores fundamentais para alguém de esquerda tomar uma posição política. Essas são as permissas do liberalismo e do individualismo. Na esquerda há outros factores determinantes - e mais importantes.

Coerência, senhores...


P.S.: Alguém conhece um fonte credível para o que acham os tibetanos do assunto Dalai Lama vs China?

Comments:
Ainda no outro dia o Fernando Rosas caiu (mais uma vez) na esparrela do jornalista, dizendo que aceitava um boicote aos Jogos Olimpicos em Pequim – proposta de Sarkozy – por causa da falta de direitos humanos na China. Ora, nao era fundamental que o BE se distanciasse das propostas do Sarkozy (mesmo que quisesse falar sobre a falta de direitos na China)?
 
A religião é o ópio do povo
fr
 
Mbeki,

Vamos lá ser mais responsáveis por essa terminologia política, já que sobre esta tentas debruçar-te. Só assim valorizas o unico blogue que perco tempo a ler aqui na rede.
O que é essa estória de "malta de esquerda?" Não tem classificação política? Porque, se é "malta" não pode ser de esquerda; e se é de "esquerda" não pode ser malta.
Depois falas-me em "regime autoritário". O que é isso? Será que queres dizer "ditatorial?"
Fiquei sem saber como comentar o que ofereces.
 
O mundo não é a preto e branco, pois não. Mas se o Bill Gates é recebido pelo governo, porque não há-de um nobel da paz também o ser? Inverte a questão e perguntas-te qual deverá ser a posição do governo em relação à China. E aí "as razões são conhecidas". E depois desculpa-me, mas comparar o Dalai Lama ao Bin Laden é de pura miopia política -- é que o mundo também não é só uma imensa mancha cinzenta.
 
Elabora lá isto porque está um pouco confuso:

"Nem os direitos humanos e individuais são os valores fundamentais para alguém de esquerda tomar uma posição política. Essas são as permissas do liberalismo e do individualismo. Na esquerda há outros factores determinantes - e mais importantes."
 
Por partes, e espero conseguir responder a tudo:

Ao "enfim": Não compreendo o problema com as terminologias que usei. A "malta de esquerda" está contextualizada no parágrafo anterior, nem vejo a oposição entre "malta" e "esquerda" - sobretudo para quem fez parte do mundo associativo da FCUL (faculty joke). E um regime não pode ser autoritário e ditatorial? Tanto quanto sei, na prática uma coisa implica a outra, é mesmo necessário o preciosismo da classificação? Portanto, podes elaborar a tua objecção?

Ao "malta de esquerda": qual é a diferença entre o Dalai Lama e o Bill Gates (além da massa?)? O factor político que faz deles figuras proeminentes. Comparar o Bin Laden (reparem que eu falei de islamitas radicais, apanhando muito mais gente, incluindo os iraquianos) ao Dalai Lama é miopia política? Porquê? Podes elaborar? Neste contexto de discussão são iguaizinhos: ambos defendem a criação de um estado onde a legitimação do poder tem uma origem divina;

Ao Samir: resumindo uma discussão que pode ser comprida: na política da esquerda há muitas situações em que se abdicam das liberdades individuais em prol de coisas maiores que o indivíduo. Era esse o sentido da minha frase.
 
Quanto ao legado da teocracia vergonhosa e criminosa no Tibete estamos de acordo (mais pertinente do que nunca salientá-lo). Creio que na condenação da ocupação do Tibete pela China e crimes daí decorrentes e ser necessário uma verdadeira libertação do povo do Tibete também.

Já "na política da esquerda há muitas situações em que se abdicam das liberdades individuais em prol de coisas maiores que o indivíduo" as coisas piam mais fininho. O que queres dizer com isso?

Se isso é justificação para prisões arbitrárias, deportações, torturas e quejandos, obviamente que não estamos de acordo. Como tantas vezes houve malta de esquerda que fechou os olhos...
 
Esse último parágrafo merece uma discussão comprida à volta de uma (ou três) garrafas de Borba. Tinto, claro.
 
Mbeki,

A minha principal objecção, e já que falamos de política, é que "malta" e "regime autoritário" desconheço-os como termos políticos. Essas "malta", "esquerda" e "regime autoritário" têm o seu nomes; apenas não sei por que não os empregas.
 
Continuo a não compreender a desadequação dos termos, ou a necessidade de reclamar esse tipo de exactidão linguística neste contexto. Não estou a perceber que outro significado pretendes dar a "malta", muito menos ao termo "esquerda". Queres que diga em vez disso "Bloco de Esquerda"? É uma questão de publicidade, de créditos? Não o disse porque a crítica estende-se para além dele. Calhou começar pelo BE, podia ter começado pela espalha-brasas da Ana Gomes. Não compreendo sobretudo porque é que "regime autoritário" não é um termo político. Confesso que estou a apanhar bonés com os teus comentários, "enfim".
 
Apenas gostava que em vez de "malta" e de "espalha-brasas" nos dissesses a filosofia política dessa gente: Em vez de denegrir, informar.
Mas está tudo bem, talvez eu te entenda mais tarde.
 
Govan: Pelas razões óbvias o jantar vai ter de esperar...
 
é pena que ninguém refira que só cerca de 7 a 9% da população tibetana seja adepto do budismo tibetano.
Também é pena que não se diga que a região conhecida como "Tibete" faz parte da nação chamada "China" desde o Primeiro Imperador Qin, a mesma nação que se tem mantido unida e que chega até nós sob o nome de República Popular da China.
Também é pena que não se diga que a região do Tibete é uma das mais avançadas da RPC e onde o nível de vida é mais elevado.
É pena também que não se diga que antes da revolução cultural o tibete era um local onde os trabalhadores e camponeses viviam exclusivamente para servir o senhor feudal. Mas mais pena ainda tenho de que não se diga que o Senhor feudal era o privilegiado monge - que mais não representa senão o clero naquela região.

Para quem não sabe e para quem engraça muito com o budismo porque é baril e fixe, porque são pacíficos e bacanos e têm um aspecto intelectual porque o dalai lama até usa óculos, existem várias vertentes do chamado "budismo": o budismo tibetano é exactamente o mais institucionalizado, o único que centraliza numa figura as propriedades divinas - tal como a Igreja Católica - é o budismo mais elitizado sendo que só os letrados podem participar em rituais e ser ordenados monges e é o budismo mais avesso a aceitar a iluminação espontânea - o satori imediato - por advogar que o ser humano deve passar por um conjunto de vidas de sofrimento e ignorância até poder integrar uma casta digna de aprender a ler e a praticar o budismo. para o zen, por exemplo, um qualquer analfabeto pode viver o satori - a iluminação -, para o budismo tibetano seria inconcebível um analfabeto ou um pobre poderem sequer tocar nas escrituras.

mas ya, o gajo é giro e fala da Paz e tal. mas alguém acha que ainda nos podemos dar ao luxo de ser ingénuos quando está em causa um Estado que se afirma empenhado na construção do socialismo e do outro lado um mundo inteiro de abutres?
 
amigo luís.
muito obrigado.
 
Caro Luis prometo ler com mais atenção o teu comentário quando tiver mais tempo.

Pedras: muito do que disseste já tinha sido aqui afirmado pelo Govan Mbeki e outros, especialmente que os monges oprimiam os tibetanos. Obrigado pelos comentários na parte da religião.

Por favor, dizer que a China está a construir o socialismo é no mínimo ingénuo...

Sobre o Tibete, a união não deveria ser forçada, mas sim desejada. Sobre o progresso, há relatos de migração em massa de chineses para o Tibete, enquanto os originais tibetanos vão ficando muito à margem do sucesso. Tenho a certeza que muitas fontes são parciais, mas também que há práticas comuns a muitos ocupantes não convidados e compatíveis com estas denúncias...
 
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