26 agosto 2007

 

Quando o New York Times encontrou José Saramago


O artigo ocupa quatro páginas, que é muito para a New York Times Magazine. Não tem destaque na capa – foi preterido para uma reportagem sobre o cálculo actuarial dos tornados, e outra sobre indisciplina entre os oficiais do exército americano. E nessa companhia, a bruta intempérie e o infortúnio da guerra, o retrato do escritor vem emoldurado em suspeita.

Para começar temos com ênfase a opinião de Harold Bloom que assim denuncia Saramago: “Os romances de Saramago são infinitamente inventivos, infinitamente bem-humorados, infinitamente hábeis mas estou pasmado que o homem seja incapaz de crescer politicamente. Em 2007, ser um Estalinista Português significa não querer viver no mundo real.” O seu ateísmo e esquerdismo são sublinhados no início e no fim da peça para desconforto. Estas características seriam sinal de severo alarme para os leitores se Saramago não fosse descrito como um velho, cansado e incapaz de organizar revoltas. (Talvez porque estas convicções são dadas como acabadas, Saramago é pintado mais velho do que é.)

Se a política e a personalidade do homem são incómodos, a história da sua vida é sedutora: o pobre filho de polícia, mecânico por necessidade, jornalista por militância e escritor genial quase por acidente. A sua prosa está além da suspeita, porque diz-nos a jornalista é “fantasista.” Mas o entusiasmo pela obra e biografia é contido.

O retrato é clínico. A jornalista para descrever Saramago teve de o dissecar e dá-lo como acabado, fixo, morto. Na sua autópsia, o espanto e o conhecimento perderam-se. Até para escrever numa revista é preciso coragem e Saramago assustou o New York Times.



   

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