05 julho 2007

 

"Eduquês" em discurso desonesto


Sei que o atraso é grande, mas cheguei agora à leitura do comentado livro de Nuno Crato "O Eduquês em discurso directo - uma crítica da pedagogia romântica e construtivista". Sem querer contestar a existência dessa linguagem hermética, complexa e floreada, que frequentemente esconde um deserto de conteúdo e à qual Marçal Grilo tão bem chamou eduquês (linguagem que se encontra também fora das discussões sobre educação, sendo encarada por muitos como sinal de erudição e pensamento complexo), o pequeno livro de Nuno Crato vai muito além da ideia do ex-ministro.

Exemplarmente bem escrito, como aliás é costume nos textos do matemático, por entre a profusão de citações e referências bibliográficas surge um chorrilho de desonestidades intelectuais, repetidas interpretações perjurativas, jocosas e descontextualizadas de frases dos colunáveis da educação portuguesa, e uma recorrente deturpação das ideias e dos princípios que estão subjacentes a esta ou aquela afirmação. O ilustre matemático e divulgador de ciência mais parece um adolescente com dotes de escrita a quem roubaram a amada, e que se vinga ridicularizando o outro Romeu de todos os modos possíveis, independentemente da lógica ou honestidade intelectual.

Enquanto despeja o seu ódio intestino às correntes pedagógicas vai demonstrando um desconhecimento do funcionamento da sala de aula, dos problemas e desafios que são postos à escola actual, e de muitas das teorias que ele próprio cita para justificar os seus ataques. São interpretações convenientes, limitadas o suficiente para servirem o propósito.

Espremendo o texto escorrem uma gotas do liberalismo de quem passou metade da vida a adorar o modelo de ensino dos EUA, misturados com um conservadorismo atroz. Nuno Crato acaba por rejeitar a validade do método de construção do conhecimento científico, ao querer parar todas as mudanças que as correntes pedagógicas actuais defendem, com as deficiências, fragilidades e excessos que são inerentes às teorias de qualquer área do conhecimento (e que só podem ser ultrapassadas com a discussão académica e social). Em vez disso defende que se volte atrás, que se regresse aos métodos antigos que se sabe funcionarem, até se provar a validade das novas ideias.

Pergunta-se se os irmãos Wright tivessem esperado pelo desenvolvimento de um avião que nunca cairía seríamos hoje capazes de ir de Lisboa a Nova-Iorque em poucas horas, para levar a injecção mensal de liberalismo.

O que este regresso aos métodos antigos esconde é uma total desvalorização dos desafios de universalização do ensino, da desigualdade de condições económicas e culturais no acesso ao conhecimento (uma golpada no conceito de classe e dos códigos diferenciados, como um bom liberal deve fazer), sendo estes problemas completamente independentes da questão da "utopia" igualitária a que comummente são colados.

O que se sabe é que os métodos antigos funcionam muito bem para quem é muito bom. O que Nuno Crato não responde (nem a pedagogia moderna - ainda) é como fazê-los funcionar muito bem para todos os outros. Ou se calhar isso não é importante...

Comments:
E' caricato que um matematico ataque o romantismo dos outros. Afinal nao sao os matematicos os unicos membros da academia que admitem perseguir a beleza de uma demonstracao ou de uma equacao? Mais, os mitos dos jovens geniais (que fazem muito em pouco tempo e que padecem antes de terminar o seu trabalho) sao mais fortes na socializacao dos matematicos do que qualquer outra disciplina. Sao eles e as estrelas do rock.

Diz-se que o matematico tem que ser como uma vela que ilumina muito mas breve. E ao que parece e' mesmo assim porque a luz do Nuno Crato ja se extinguiu.
 
Discordo em absoluto da sua opinião acerca do livro.
 
de discordâncias está o mundo cheio. ficamos à espera da tua explicação.
 
Desculpe a falta de resposta. Permita-me remetê-la para o meu texto publicado há tempos aqui: http://livrodeestilo.blogspot.com/2006/09/uma-educao-sentimental.html

Partilho ainda, e por isso os citei, das ideias de Jorge Buesco e de Carlos Fiolhais nestes textos:
http://livrodeestilo.blogspot.com/2007/06/educacao-com-exames.html

http://livrodeestilo.blogspot.com/2007/06/matematica-da-vida.html

Repare que são apenas alguns textos que desconstroem o tal "eduquês", mas no blogue desses Professores há mais (http://dererummundi.blogspot.com/).

Claro que estas remissões não respondem a todas as suas críticas, mas trará algumas luzes acerca do que eu penso e por que disse que discordava da sua opinião. Sabe que conhecer professores de português que se formam nas escolas superiores de educação e escrevem "fasso" (1.ª pessoa do singular do presente do indicativo da voz activa do verbo "fazer") também ajuda a pensar diferente de si.

Ao seu dispor,
Ricardo Nobre
 
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