18 janeiro 2007

 

Drama, medicina e TV


O hospital é o tema predilecto do drama televisivo. A moda começou com o E.R. (Serviço de Urgência). O foco desta série estava sobre uma novela de relações entre médicos e enfermeiros. Os doentes eram efémeros visitantes que ao final do episódio sobreviviam ou não. Em geral, nenhuma outra série violou este princípio de ausência: os doentes são consumíveis. No E.R. os médicos fazem o seu diagnóstico com firme velocidade de decisão e salvo raras excepções, eficácia. O veloz raciocínio clínico certamente advêm de uma timidez em utilizar um vocabulário que aliene o público, e resulta em tornar a medicina numa prática de geniais autómatos que reagem soluções sem pausa.

A mortalidade como cenário do E.R. fascina e impõe um drama quase sempre trágico. A inversão deste esquema de cores e emoções e a comédia Scrubs. Aqui também a clínica é acessória face às relações, que são tão mais fortes porque vocalizadas pelos aprendizes de feiticeiro, os estagiários. Scrubs é um M.A.S.H. do século XXI, onde as brincadeiras de quartel e os conflitos hierárquicos são fonte de peripécias. Há aqui lugar para a falibilidade médica, no diagnóstico e no tratamento, e o “corpo” parece suportá-lo. Também há corpos que perecem no Scrubs, mas são mais sorridentes e de faces mais rosadas.

Onde o corpo parece ser imune a todos os males é no House. A série evoca mais o Sherlock Holmes do que a novela de médicos. Os corpos de House são sempre decadentes, afligidos por uma indecifrável doença que após 20 minutos do episódio e nunca antes desse limite, Gregory House e seus ajudantes curam. Não há mortalidade, só a vertigem de um corpo que existe em frágeis equilíbrios. Com a clínica (ou o totem desta) no centro, a medicina é um processo de perigosas incertezas mas que triunfa. O enredo de relações é secundário e cómico, para contrapor o apodrecimento dos corpos. E a personagem de Gregory House, o previsível excêntrico, encarna nos seus humores variáveis e coxear sofrido esta contradição de sentidos trágicos e cómicos.

Uma síntese destas diferenças encontra-se na Grey’s Anatomy. Uma narrativa na primeira pessoa (sempre filosófica) como Scrubs, e como Scrubs a voz de um estagiário. Cuidada sobre o detalhe e dificuldade dos casos clínicos, evitando imediatismos aproxima-se das incertezas de House. Mas sobretudo, o modelo é ER, ao tecer uma teia relacional de paixões impossíveis. O amor sempre irresolúvel, e como em ER a mortalidade é crucial para este efeito. Parece-me que a narrativa se resolve com um tema quase cristão. Os médicos são um Messias cuja função é curar o mundo, sofrendo constantes agressões pela morte dos seus doentes. Uma personagem de tão nobre função, castigada pelas falhas dos corpos mortais dos outros, deixa de ser capaz de amar. O médico está impedido de ser pessoa.

Comments:
so queria deixar a observacao de que ja' houve pelo menos algue'm que morreu nas maos do House. Uma sem-abrigo. Mas acho que ai foi mesmo para desenfastiar...
 
Viva,

Uma série, seja de comédia ou não, tem uma qualidade proporcional ao interesse que as suas personagens despertam. A abnegação dum médico é meio caminho para alcançar uma personagem interessante.

Não gosto de todas as séries que mencionas e é engraçado que é a mais "irrealista" que apresenta a personagem mais interessante (House). E, ironicamente, é o único que mais longe está desse espírito "nobre" da profissão.

Abraço,
 
Ontem declararam uma organização juvenil basca como "terrorista". Estão a prender dezenas de jovens. Há partidos, jornais e rádios proíbidos. 700 presos políticos e centenas de torturados. Milhares de exilados...

Passa a outro e assina em solidariedade com o povo basco, pelo diálogo e pela negociação: http://www.petitiononline.com/aseh2007
 
estas história têm o sucesso que têm porque lidam com o maior drama humano: que é o da Morte, das maneiras de Morte e da atitude do Homem perante a eminência da sua própria morte e da dos outros...

Noutro assunto, deixo aqui o apelo para a petição online pela libertação do 1º sargento Luís Gomes e pela alteração da Lei da Adopção que podes assinar aqui:

http://www.petitiononline.com/adopcao/petition.html
 
Enviar um comentário

<< Home


   

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

   
   
Estou no Blog.com.pt