17 novembro 2006

 

Manifesto pela Legalização do Aborto


1. Muitas mulheres engravidam sem o saberem, sem o planearem. Porque não têm acesso a consultas de Planeamento Familiar, porque não têm acesso à pílula, ao preservativo, e a outros métodos contraceptivos. Também porque mesmo usando contracepção, nenhum método é 100% eficaz.

2. Nenhuma mulher deseja fazer um aborto. O aborto é praticado pelas mulheres como último recurso, quer tenham ou não acesso a informação e meios de planeamento familiar. Nada pode ser mais angustiante do que sentir que há uma vida indesejada a crescer dentro de si. São as condições económicas mas também as psicológicas que podem determinar se uma mulher quer ou não prosseguir com uma gravidez não planeada.

3. As mulheres residentes em Portugal que actualmente abortam fazem-no em condições muito díspares. Umas pagam vários ordenados para uma intervenção feita em vãos de escada, nas mãos de gente sem escrúpulos, e sem acesso a cuidados e acompanhamento médico adequado. Outras – poucas em relação às primeiras, mas mesmo assim tantas - vão a Espanha, onde também pagam caro pelas boas condições médicas que lhes são providenciadas.

4. A legalização do aborto até às 16 semanas permite às mulheres tomarem controlo sobre o seu corpo, sobre o curso da sua vida. Permite-lhes pôr fim a uma gravidez indesejada, com o apoio médico e psicológico adequado. Permite-lhes ainda a possibilidade de se aperceberem da sua gravidez (o que geralmente acontece às 8 semanas) e poderem decidir se querem ou não levar essa gravidez até ao fim.

5. O debate sobre o aborto não mudou desde o referendo de 1998. A direita, com o apoio activo da Igreja, na sua moralidade hipócrita, continua a defender que a mulher deve ser escrava da vida que estará para nascer. Para eles, o papel da mulher na sociedade é o de esposa e mãe, sem direitos nem vontades. Os partidos de esquerda continuam a jogar a medo, não querendo entrar em confronto com a direita e o governo de Sócrates. Defendem a legalização do aborto, mas discutem a questão numa base legalista. Não debatem a questão fundamental que é a dos direitos sociais das mulheres.

6. É preciso dizer que a legalização do aborto é uma questão de direitos humanos. É uma questão de direitos da mulher, de decidir sobre o seu corpo mas acima de tudo de decidir sobre a sua vida.

Mystique & Dolores

Comments:
Só não concordo com o ponto 5. Não creio que o debate esteja no mesmo ponto. Alguma direita andou a fazer trabalho de base e diz que é a única que apoia as famílias. A esquerda diz que a lei continua a levar mulheres para o tribunal, mas posiciona-se de forma diferente. Enquanto o PCP insistiu mais que nunca na votação na Assembleia, o BE desiste de discutir ideias e centra-se na aprovação da proposta de lei.

Em vários aspectos a discussão está menos clara e relevante, esperando-se que o país oito anos depois aprove uma lei tímida.

A discussão da esquerda está mais institucional e a direita guarda os seus bombistas suicidas para as alturas cruciais.
 
So mudou mesmo nisso: o argumentario e' ainda mais recuado do que era.

Mas para ter esta nostalgia, temos que guardar em muito generosa memoria as accoes do germinal Bloco ha 8 anos, ja o PS de entao nao esta diferente do agora. O PS quer ainda ter a moralidade do centro direita catolico e as politicas sociais da sua nominal familia ideologica. (Quer ter o discurso eleitoral do PP espanhol com as politicas do PSOE.) Para fazer a quadratura do circulo o Socrates esconde-se no legalismo. Para o PS de ha 8 anos era o ambivalente discurso da compaixao. Em ambos os casos nao se confronta a padralhada.

O PS, com o BE de arrasto, quer vitorias pequenas contra a direita, daquelas que pode sempre relativizar em caso de inesperada derrota. E com estas vitorias pequeninas, muito pequeninas, este pais vai desaparecendo.
 
Suponho que no ponto ponto 4 há uma gralha. Onde se lê 16 semanas deveria acho que deveria estar 10 semanas, certo? Porque é isso que se está a discutir. De resto, excelente texto parabéns.
 
Nunca concordei muito com uma parte que aparece no ponto 6. A mulher não tem, neste caso específico, o direito de decidir sobre o seu corpo. Isso sempre me pareceu um argumento a tocar as raias do liberalismo extremo, "eu faço o que quero e a sociedade não tem nada a ver com isso". Não é assim, é a sociedade que legitima o acto individual. O desafio está em controlar quais os actos que a sociedade legitima, e não o facto de os legitimar.
A mulher tem sim todo o direito para decidir sobre a sua vida, e é isso que valida a interrupção da gravidez neste aspecto da argumentação.
 
josé: não foi gralha, foi intencional. as 10 semanas apresentam uma limitação que consideramos grave: muitas mulheres só lá para as 8-9 semanas de gravidez é que se apercebem que estão grávidas. noutros países pratica-se o limite das 16 semanas (creio que é o caso de França), sem implicações sérias para a saúde da mulher. obrigada pelo teu comentário! estava a ver que ninguém reparava no detalhe!...

mbeki: o direito de decidir sobre o meu corpo não é intermitente. não é só de vez em quando, quando a sociedade se lembra que existo. não acho que a sociedade tenha que ter este poder obsceno que actualmente tem sobre o meu corpo. claro que a sociedade tem a ver com o meu corpo, na medida em que me deve ajudar a viver com ele da melhor forma possível.
não percebo como é que podes ser contra o meu direito de decidir sobre o meu corpo e a favor de eu decidir sobre a minha vida.
 
vamos passar a andar com cartazes de que quem manda a nossa barriga é o governo :| asserio o que G. Mbeki disse faz.. :S
nice texto e blog FeminineMystique
 
O argumento do corpo e do futuro da mulher são coisas bem separadas. Interromper uma gravidez porque isso vai dar cabo da vida de uma mãe (e de um pai, às vezes), e porque isso vai significar que aquela nova pessoa que vai nascer vai ter uma vida miserável, é um argumento mais que legítimo e que só por si valida a legalização. Mas dizer que tem a ver com a barriga da mulher, ou com o controlo do corpo é uma coisa diferente. A sociedade exerce influência sobre todos, definindo o que é aceitável ou não. E o que me incomoda não é que isto aconteça, o problema está no enquadramento político das influências (que hoje são, obviamente, conservadoras). A questão da barriga é sancionada socialmente, assim como o suícidio ou a eutanásia. Pode-se discutir a legitimidade dessas sanções, mas no caso do aborto não creio que faça sentido. A mulher não é livre de fazer o que quiser com o feto só porque é o seu corpo. Até porque o feto não é só dela. Não há necessidade de cair em extremismos liberais para justificar politicamente o aborto.
E quanto à razão do vazio da barriga ser do governo, enquanto comunista que defende a necessidade do socialismo acho que o Estado deve ter uma forte intervenção na sociedade, e deve mesmo sobrepôr-se ao indivíduo em muitas situações. E, noutro contexto político, esta discussão (do aborto) podia ter contornos diferentes.
 
O direito ao aborto vai para alem da questao da vida da mulher ou do ser que esta para nascer. A mulher tem direito a abortar nao so quando a "gravidez vai dar cabo da vida de uma mae" ou se a "pessoa que vai nascer vai ter uma vida miseravel", mas tambem quando pura e simplesmente nao quer ter um filho.

Defendo o aborto na sua totalidade, sob quaisquer condicoes, se e' isso que a mulher quer (seja por razoes de vida, corpo, o que for).

Dizer sim ao aborto se isto ou aquilo, mas nao se aquele ou acolotro nao chega. As mulheres nao sao parideiras. Tem direito 'a escolha e essa escolha so delas depende.
 
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