07 maio 2006

 

Odeio a Primavera!


Há passarinhos no ar, as árvores ganham flores e muita gente sofre com as alergias. Menos mal, com isto posso eu bem.

Isto não é mais do que o reflexo do agitar das hormonas. Principalmente das masculinas. Embora isto seja apenas uma das perspectivas daquilo que as mulheres portuguesas têm que aguentar nas ruas diariamente.

Como se não bastasse o roça-roça nos autocarros, as buzinas dos carros que passam, mais aqueles que abrandam junto ao passeio onde a mulher caminha, os piropos de novos e velhos, os assobios de civis e de polícias, de homens das obras e de engravatados. Educadamente ou não, deixam-me furiosa.

Mas o mais irritante mesmo, mais irritante que isto tudo, é ao meu “filho-da-puta”, “otário” ou “vai-te lixar!” nada responderem, como se nada fosse. Como se eu fosse apenas um objecto, algo que lhes é dado a apreciar, como se eu não fosse gente e não me pudesse indignar. Ou, às vezes, ainda pior, o sorrisinho a bailar nos lábios jocosos.

Porque a reacção deles à minha indignação apenas mostra como eu sou nada para eles. A Primavera deles é o meu Inferno.

Comments:
no brasil já reservaram carruagens de comboio só para mulheres. por estas e outras razões.
não é que ache que seja a melhor solução, alias, nem é solução nenhuma.
a questão é cultural.

um piropo bem mandado e educado não faz mal nenhum, digo eu.
 
percebo o teu ponto de vista, a questão é que é cumulativo, é permanente, é sistemático.

não quero enveredar pela discussão do ser ou não ser educado, ser ou não ser bem mandado.

é apenas mais um sintoma de como metade da sociedade portuguesa vê a outra metade.
(com as devidas excepções, mais a reciprocidade da visão, que também existe)
 
Eu fiquei com curiosidade em saber o que é "um piropo bem mandado e educado"...
 
Nunca sei bem como reagir a este tipo de afirmações. Se por um lado concordo que as mulheres são, na maior parte das vezes, vistas apenas como um objecto, um meio de obter prazer e nada mais, parece-me por vezes que se chega a cair no extremo da assexualidade. E aí parece-me que entramos na lógica do tabu sexual da sociedade conservadora. O sexo não se fala, não se discute, é-se reservado sobre o assunto e nunca se comenta. Se fôssemos todos mais honestos sobre a nossa sexualidade, a coisa podia ser diferente. Portanto, o que digo é que nem o extremo da objectificação sexual da mulher - ou do sexo oposto em geral - , nem o tabu imperativo do "não comentário sexual". Gostava de poder fazer um elogio sexual a alguém (portanto, eminentemente físico) sem que daí resultasse logo o rótulo de objectificação. E não me venham como romantismo de que a atracção é mais do que o físico...

P.S.: Venham, venham, pancada é o que eu gosto, discutam e chamem-me nomes, é o que eu quero...
 
Mas que comentarios sexuais sao esses que nao sao objectificacao sexual da mulher? Da-me um exemplo, porque nao consigo lembrar-me de nenhum...
 
Gosto da linha do teu pescoço, acho o teu peito bonito, tens uma cintura sensual, tens umas pernas atraentes...Constatações, elogios, que podem não ter uma objectificação sexual subjacente, e que devem ter os dois sentidos, e não apenas do macho dominante para a fêmea cândida e pura. O facto de se dizer algo assim não implica que se estejam a imaginar cenas de sexo com aquela pessoa. O que digo é que o falar do físico do outro sexo pode e deve deixar de ser um tabu, um fruto proibido. Assumpção clara da sexualidade. Mas obviamente que isto tem um contexto, só seria universalmente legítimo numa cultura que não é a nossa, esta tal de "tradição judaico-cristã", como os outros queriam pôr na constituição. É a visão do macho, o que estou a mostrar?
 
Nao estamos a discutir se se deve ou nao falar sobre sexo. Todos concordamos que sim. Estamos antes a dizer que comentarios sexuais, tipo piropos, sao machistas. Frequentemente, os gajos que mandam piropos sao aqueles que nao deixam a filha ter namorado. Sao aqueles que precisamente nao falam sobre sexo. Mandam bocas 'as meninas que passam, mas 'a mulher nao dao um carinho.

Os exemplos que das de constatacoes, elogios nao me parecem ser significativamente diferentes dos piropos machistas. Suavisaste foi a linguagem. Dizer isso a alguem que conheces ou a alguem intimo faz sentido, mas dize-lo a quem passa na rua, sem contexto, sem conversa, e' machismo predatorio.
 
bem explicado! afinfa-lhes, dolores!

não temos que escolher entre a ordinarice e a pretensa boa educação. de uma forma ou doutra, serão sempre manifestações machistas e que oprimem quem delas é alvo.
 
Então concordamos. Devemos falar sobre sexo mais aberta e salutarmente, e as afirmações que exemplifiquei só fazem sentido num determinado contexto, com uma pessoa que se conhece (que não tem de ser íntimo, basta ser amigo - daí o falar abertamente de sexo), mas no contexto do piropo de rua concordo que é uma objectificação e um machismo predatório. E daí, o que difere determinantemente não é o conteúdo suavizado ou não, será o contexto em que as afirmações são feitas.
 
mesmo dentro de um contexto mais pessoal, com uma pessoa que se conhece, o piropo pode ser abusivo. basta que quem o oiça não se sinta confortável com tais supostas demonstrações de afectividade.

a questão não se restringe ao conhecido/desconhecido. aliás, a rua não é local por excelência do assédio, mas sim o local de trabalho.
 
Lá está, Mystique, não percebo porque é que são sempre manifestações machistas e não podem ser conversas de sexo entre indivíduos seguros da sua sexualidade. Porque é que é legítimo dizer elogiar uns cabelos brilhantes, uns dentes branquinhos, uns olhos bonitos, e não se pode fazer o mesmo relativamente a outras zonas do corpo que têm normalmente conotoção sexual? É este o tabu a que me referia, esta jaula que limita o âmbito das conversas entre indivíduos. O que questiono é quem marcou esses limites, porquê, e se devem ser respeitados. Digo eu, continuando a atirar postas de pescada, que a emancipação feminina se fez (faz) em parte através da recusa da subjugação da mulher e da objectificação sexual de que é alvo, tendo levado a que fosse "proibido" falar de sexo. O que digo é que essa emancipação não deveria ser feita pela proibição, mas antes pela igualdade, ou seja, não abandonar a conversa sobre sexo, mas antes pô-la em pé de igualdade. É claro que numa sociedade em que a mulher não é vista como igual não funciona, mas estou a discutir o princípio da coisa, e não a realidade. Para que conste, não lanço e não concordo com piropos na rua, sejam bem ou mal educados.
 
desculpa mas acho que estás a confundir falar sobre sexo, uma conversa que deveria ser aberta e franca, com os piropos. isso não é conversa sobre sexo, é agressão pelo sexo. isto porque não deixo de considerar que o que tu chamas elogios relativos a atributos físicos sejam piropos. como já disse, depende sempre do contexto. já lancei piropos a rapazes porque o contexto o permitia e entendi que tal não seria agressivo da minha parte nem entendido como tal. e de facto não foram.

as tais conversas sobre sexo por pessoas seguras da sua sexualidade para mim podem implicar elogios entre as pessoas, mas nunca implicam comentários que, embora pretendendo ser elogiosos, sejam de facto agressões.

pediste porrada, tiveste-la! ;)
 
Se calhar já me estou a perder na conversa, mas não discordo com nada do que disseste agora, mystique...
 
Fica só pendente a distinção entre comentários elogiosos e agressões, mas isso será o contexto a definir, concordamos?
 
Ficou por saber o que é "um piropo bem mandado e educado"...

Mbeki: "Gosto da linha do teu pescoço, acho o teu peito bonito, tens uma cintura sensual, tens umas pernas atraentes..." Assim não vais longe...
:)

Não tenciono discutir isto à exaustão. Mas é óbvio que 90% a 95% das interpelações (recuperando o conceito inicial) são agressivas e não foram desejadas. Não creio que se possa falar destas interpelações no abstracto. Existem relações de força na sociedade, do patrão-empregado ao forte-fraco. Muito se deve à presunção que o outro se submete.
 
Já eu não mando piropos a ninguém. Agora se há coisa que me faz confusão ao chegar a Primavera é a profusão de umbigos, sapatos de salto alto, mini-saias e calças ultra-justas com que sou brindado diariamente, (não em discotecas ou em bares), mas nos autocarros, nos locais de trabalho, no dia à dia. Depois queixam-se que o Zé manda os bitaites.

Repito, eu não mando bitaites. POrque não me apetece ser cúmplice de mulheres vácuas.
 
E' uma peculiar fantasia masculina, que todos os actos do corpo feminino, seja no mero uso da roupa da moda, ou no revelar da pele, se fazem so para proveito e provocacao do macho. Sera o unico sentido do universo feminino o dialogo erotico e insinuador com o macho? Sera que a relacao da mulher com o seu proprio corpo se faz so na medida do prazer do macho?

O argumento em geral, e' aquele que os assediadores sempre dao em sua defesa nos tribunais, e apraz-me constatar que e' invencao que nao cola!

Pois a mulher nao nasceu da costela ou do costado masculino, e quando se despe, despe-se porque lhe da praze despir-se e nao pelo efeito que provoca ao desconhecido peludo que fervilha em testosterona.
 
caro picasso,

aquilo que vivo diariamente na rua só se resolveria, na tua lógica, com uma burka pois vou de calças, ténis e casaco, só faltando mesmo luvas e passa-montanhas para não haver superfície do meu corpo a provocar os cromossomas Y que por aí abundam.

a verdade é que mulher nenhuma pode andar livremente na rua, estando sempre sujeita, independemente da indumentária que leve vestida, ao assédio. não é uma questão de roupa, é uma questão de poder, como disse o samir.
 
Como queiram. Sinceramente, e à excepção da malta das obras, não vejo muita gente a mandar piropos. Essa das calças, ténis e casaco provocarem o que dizes nao tou a ver, pelo menos a mim nao provoca. Cada um sabe de si. Agora quanto a essa história das mulheres semi-nuas que o Cabral refere, eu quero lá saber se se despem porque lhes apetece ou por causa dos homens. Só acho imensa piada a certas gajas que andam todas produzidas, com tops e decotes, saltos altos e calças justas e depois põem um carão se um gajo olha. Quanto a mim olho sempre até a fulana em causa baixar o seu olhar. Chamem-me púdico se assim o desejarem, mas continuo a pensar que neste país há pouca noçao das conveniências.
 
Uma antiga e sabia maxima maoista e' que a revolucao se faz 'a ponta da espingarda. Parece-me que e' uma licao que se aplica neste caso, quando os argumentos nao parecem mover.

O picasso so' tera emenda quando um dia, uma gaja ou ate uma fulana lhe ferrar com uns tabefes no lombo. Talvez ai sinta na pele que ha olhares que tambem doem.
 
Ahahah. Tá boa essa. Isto começa com gajas e piropos e o amigo Cabral apresenta como resposta ao meu posicionamento relativamente a certas criaturas o recurso à violência revolucionária. Eheheh. Ainda me estou a rir.

Mas agora mais a sério, não me parece. Porque o meu olhar, se magoa, é porque é verdadeiro e traduz a verdade. Nessas situações, se me fazem o carão eu aguento o olhar e quem o desvia não sou eu. Por um motivo simples, estou absolutamente convecido da justeza em assim agir.

Saudações revolucionárias
 
E, já agora, que distinção pequeno-burguesa vem a ser essa entre gajas e fulanas?
 
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