04 abril 2006

 

Quem são os ditadores?


Ao nomear-se Hugo Chavez Frias, o Presidente Venezuelano, de seguida ouvimos que se trata de um ditador (se o comentador habita a Norte do Golfo do México) ou um semi-ditador (se o comentador às direitas vem do Sul). A acusação não se faz com referências à legitimidade eleitoral de Chavez, dado que já vão em seis os plebiscitos que venceu e adivinha-se outro com igual sorte. Dizem-no ditador numa nublada referência às suas políticas populistas – o controlo estatal dos recursos petrolíferos nacionais, com as rendas petrolíferas a financiar uma extraordinária campanha de alfabetização e de assistência médica, com as sobras dadas de empréstimo aos países da América Latina em substituição do FMI. Na definição corrente, esta politica é sinónimo de ditadura.

Segundo estes senhores de gravata e finos fatos, o que não conta como ditadura é o Estado mínimo. Os recursos naturais de um “Estado democrático” devem ser privados. E os recursos naturais têm uma natureza económica própria. Sendo que são transaccionados antes do acto de produção, não se deve falar de lucro mas de renda. Como um imóvel, e um em que o senhorio pouco ou nada tem que fazer, o preço de mercado dos recursos naturais é o preço de extorsão, limitado só pelo desespero de quem compra. A extorsão pelos privados do público, o incessante e parasita enriquecimento, é portanto a nova definição de democracia.

O papel prescrito para o “Estado democrático” é o quietismo. Qualquer atrevimento de moldar a estrutura económica e social é logo apelidado de totalitário e ditatorial. Esta ideologia ameaça convencer enquanto a alternativa, o “democrático mercado”, permanecer anónimo. Mas o mercado não é o grande colectivo dos povos. O mercado é uma oligarquia de barões globais e nacionais. Entre os ditames do Estado populista e os ditames dos barões capitalistas, não vacilo em escolher o primeiro.

Comments:
Mas será que o Estado, a classe trabalhadora ou, numa versão pomo, a multidão, e os capitalistas não fazem parte do mesmo problema, na medida em que acreditam num ficção chamada valor no sentido de Marx do termo, que remete para uma veneração do dinheiro e um fetichismo da mercadoria?

Anselm Jappe, que pertencia ao grupo alemão KRISIS (www.krisis.org), do qual fazia parte Robert Kurz, explora esse caminho em "As Aventuras da Mercadoria", lançado pela Antígona, através de uma extensa investigação a partir das próprias obras do Marx.

O problema é que para ele, não existe saída para além do capitalismo. É preciso acabar com o conceito de trabalho, com a noção de vanguarda da revolução (Hardt e Negri), de luta de classes, da mercadoria e do dinheiro. Para ele, a solução é regressar às sociedades pré-capitalistas de troca directa em que o trabalho não era objectivado num valor de troca geral, o dinheiro.

Mas essa visão, apesar de ser uma leitura em grande parte correcta da evolução do capitalismo, cai num determinismo histórico apocalíptico. O Kurz e o Jappe quase que se regozizam pela crise da sociedade - é um pessimismo crónico, masoquista.

"AS AVENTURAS DA MERCADORIA
Anselm Jappe

Tradução: José Miranda Justo
283 páginas - € 18
Ano da Edição: 2006

Tornou-se banal dizer que o mundo não é uma mercadoria, que é
imperativo repudiar a «mercantilização» da vida. No entanto, ninguém
ousa abordar a questão central: de onde advém exactamente esta
impostura, esta inversão da realidade geralmente atribuída ao dinheiro
e ao consumo? Marx respondeu a esta questão há mais de um século: os
seres humanos fetichizam o «valor», fabricam um conceito
todo-poderoso, um novo deus que nada tem a ver com a realidade das
suas vidas nem com as respectivas necessidades. Filósofo, Anselm Jappe
vai às fontes originais recuperar o projecto de Marx e de vários
autores que a ele se referem. Analisa os fenómenos recentes da
globalização, das crises monetárias e da bolsa, enfim, da decadência
social. Evidencia ainda os motivos por que nos tornámos afinal
prisioneiros de falsos conceitos e por que somos continuamente
alienados por esse soberano «valor mercantil», pouco abalado pelo
advento do capitalismo. Com um discurso de grande profundidade, embora
sempre acessível, Jappe apresenta os fundamentos para uma crítica
contemporânea ao neoliberalismo."

O Anselm Jappe escreveu a biografia do Guy Debord. Vejam mais textos
dele em http://antivalor.vilabol.uol.com.br/textos/krisis/jappe.htm.
 
Mas a partir do momento em que se realiza uma troca, é necessário estabelecer o valor de cada produto envolvido. Ou estarei errado?

De acordo com o Jappe, a troca directa não implica o trabalho abstracto, isto é, a quantidade de trabalho médio dispendido considerada necessário para que haja valor - possa ser trocado dinheiro -, mas antes para o trabalho concreto, isto é, a força de trabalho exercida pelo indivíduo na produção daquele produto.

O trabalho abstracto apenas serve para a criação de valor, objectiva as relações sociais na forma do dinheiro, uma abstracção que mediatiza toda a troca - as mercadorias não podems ser trocadas entre si mas apenas através do dinheiro. O trabalho concreto remete para o valor de uso, isto é, a necessidade que cada produto suprime.

No fundo, para o Jappe o grande problema está na veneração do valor, concretizado na forma da mercadoria que apenas serve para ser trocada por dinheiro. O único sujeito que existe é o valor, que funciona como um sujeito automatizado, que o homem serve de forma inconsciente. É a tese da alienação e da reificação.

Nas sociedades pré-capitalistas, as mercadorias existem apenas sob a forma da troca com comunidades externas e não entre os próprios membros da comunidade.
 
Belos comentários que por aqui vão....
Já agora, procurem nos dicionários de economia que por aí há ( na FNAC, por exemplo...) , a entrada trabalho!
Percebem logo o meu ponto de vista sobre este assunto!
 
é pá, não me parece que o jappe defenda a troca directa. o que ele defende, o fim do valor (que não é uma ficção mental mas uma objectividade social historicamente constituida) passa também pelo fim de toda a troca, mesmo a directa. e parece-me que ele defende sim uma saída do capitalismo, embora não torne claro que tipo de ruptura seria essa.
traduzi há pouco uma crítica do manifesto contra o trabalho. vou deixar o link:
http://www.geocities.com/lipstickinrage/
montanha_pariu_um_rato.htm
tive que deixar o link em duas linhas
 
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