31 março 2006

 

Mandelay (2005)


O novo episódio da aventura brechtiana de Lars Von Trier tem de título Manderlay. Como em Dogville, um armazém na Dinamarca alberga um cenário minimalista para uma lição alegórica sobre a América. Lars Von Trier é um incómodo experimentador. Ao subverter convenções cruzando géneros, denuncia o quão ossificada e formulada a arte cinematográfica se tornou. E apesar da estrutura por capítulos, apesar de um cenário inexistente, e apesar da claustrofobia do estúdio onde se dá o enredo, a heterodoxia do filme não pesa no espectador.

É por não ferir que Mandelay é menor a Dogville. A experimentação de Von Trier torna-se meramente académica se não for condutora de violência emocional, reduz-se o incómodo. Von Trier fascina-me por ser militante antagonista da sanitização do cinema, que pretende dar ao meio a função de confortar com escapismo. Mas a narrativa deste filme não oferece o crescendo emocional, imprevisível e destrutivo de Dogville, faz-se antes de uma soma de episódios-eventos cozidos a uma reflexão distante, quase sociológica, em que as personagens não nos envolvem.

A temática é a submissão dos negros nos EUA. Seguimos Grace, que após a sua desgraçada jornada em Dogville, depara-se no Alabama com uma herdade feudal onde a escravatura não foi ainda abolida. Grace decide com recurso à forca de armas impôr sobre os habitantes da plantação, brancos e negros, uma nova ordem social. Grace redige uma constituição, dita as regras de nova economia livre e monetária, e ensina a democracia aos infantis escravos. É uma referência não tão velada às aventuras imperialistas americanas. O campo de significado político complica-se quando Von Trier releva a incapacidade e resistência dos negros em gerir os seus novos poderes. Entendemos que os ex-escravos nutrem uma atracção ao seu passado ditatorial.

Tal como Von Trier reconfigura géneros na sua cinematografia, semelhante criatividade se revela na narração politica. Mandelay ensina que o mundo não está preparado para os negros livres, que uma opressão se logo substitui por outra, e a liberdade é meramente ilusória. Temperando este saudável cepticismo está um niilismo para com qualquer mudança, qualquer engenharia das nossas sociedades. Quero interpretar este niilismo como dirigido somente a emancipações impostas e paternalistas, como a que Grace inflige à força de bala. Mas Von Trier não permite às suas personagens o mínimo desejo emancipador, algo que justificam quando dizem ao branco opressor: “foram vocês que nos fizeram assim!”

A direita vê o negro como um incapaz genético. Uma pretensa esquerda vê o negro como incapaz por imposição histórica. Em ambos os casos é um incapaz. Em ambos os casos o mundo recusa a mudança. Mas em ambos é o branco a contar a história, e o negro fala através do seu guião. Será que o dinamarquês (Von Trier), do alto da sua orgulhosa social-democracia, sabe interpretar os desejos do “outro”, dos muçulmanos, dos negros?

Comments:
lars é um dos vultos do cinema moderno que mais devemos acompanhar de perto... experimentalista e inovador como poucos, é um dos maiores cineastas da actualidade.

Mandelay... Não vi e receio que não vai passar tão cedo nas tvs... Mas tb não lhes resta tempo, entre novelas, sucedâneos de BB e outro telelixo...
 
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