12 março 2006

 

Enriquecer com a crise


O capitalismo rege-se pela violência da nossa expropriação - sobrevivência com alimento ou assistência medica, mobilidade, educação, até informação sobre o mundo que nos rodeia tem de ser adquirida em troca da nossa força de trabalho. A acrescentar à privatização totalitária da nossa existência que nos aprisiona numa vida de escolhas impostas, há ainda as cadeias subtis da ideologia, que nos convencem a celebrar a nossa miséria.

Portugal vai-se afundando na crise económica que começou em 2000-2001, mas o resto do mundo parte à boleia do crescimento do Oriente (China e Índia) e da retoma da praça financeira Americana. Ouvem-se suspiros de alívio perante um novo momento de fulgor macroeconómico. Perdoem se não partilho o entusiasmo, mas conhecendo a história económica recente não conto ser incluído nas benesses destes novos ventos de progresso. No último quarto de século, crescimento jamais significou aumentos substanciais dos salários reais.

Fazer nota do optimismo sentido pelos investidores não chega para o jornalismo económico internacional, é preciso coroar com pompa (e regularidade) os novos senhores da economia mundial. Esta função cabe por costume à revista Forbes. Este ano fomos surpreendidos por um vasto número de multi-bilionários. A explicação oficial é que se trata de mais um indício do bom momento económico, e do grande empreendedorismo destes titãs. Na mitologia capitalista o multi-bilionário é sempre um self-made man de visão profética, além do seu tempo.

Entre os top-cinco estão Bill Gates (Microsoft) e Ingvar Kamprad (IKEA). O que a análise imediatista da imprensa internacional não aponta é que este súbito sucesso foi preparado nas cavernas da crise. Estas excepcionais acumulações de riqueza não se fizeram de visão futurista e inovadora, mas do emprego de músculo financeiro só disponível a quem que começa gigante. Bill Gates negoceia como se a Microsoft fosse uma nação, dispensa-se de fazer acordos com privados para os substituir com Estados, como o caso Português. Ingvar Kamprad usou a crise económica para esmagar a concorrência, multiplicando as suas lojas por toda a Europa.

Não aplaudo os barões que engordam. Quanto maiores eles ficam, mais pequenos ficamos nós.

Comments:
Os verdadeiros "role-models" são pessoas como Richard Stallman (GNU e Free Software Foundation), Linus Torvalds (Linux), Mark Shuttleworth (Ubuntu), Jimmy Wales (Wikipedia), etc. São essas pessoas que estão a fazer com que o mundo de amanhã seja mais livre, aberto, participativo e democrático. Não interessa se são capitalistas ou não, interessa apenas aquilo que fazem e como o fazem.
 
Nao sei se sao capitalistas, onde esta o capital no open source? De facto desses nao se conta a estoria, mas tb quando se deles fala e' quase com fascinio cultico, como exemplo de que esta sociedade nao e' assim tao ma' e que ha alternativas pelo seu interior...

O que eu nao gosto mesmo e' de "role models"!

Ni dieu, ni maitre, ni mythologie!
 
O Mark Shuttleworth é um multimilionário da África do Sul que enriqueceu antes do rebentar da bolha das dotcoms. Foi o primeiro africano a ir ao espaço. Depois de ter visto as coisas lá de cima, criou a distribuição de Linux Ubuntu, que em português quer dizer "humanidade para com os outros" ou a "a crença no compartilhamento que conecta toda a humanidade". Já ofereceu mais de seis milhões de CDs. Envia para todo o mundo sem cobrar nada, nem sequer as despesas de envio.

Ver entrevista com ele em http://www.tacticaltech.org/node/304

Ele e os outros são role-models na medida em que não querem ser role-models de ninguém. Querem que as pessoas sejam os seus próprios gurus.

"Detesto seguir alguém assim como detesto conduzir" lá dizia o Nietzsche na Gaia Ciência
 
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