21 março 2006

 

A cínica fobia do racismo


Assinala-se hoje o Dia Internacional contra o Racismo. As nossas televisões apressam-se a chutar estatísticas (parece que somos o quarto país mais racista da UE, e não dizem quem são os primeiros), e a correr para a rua entrevistar o transeunte incauto. E daí me surge uma questão, levantada por uma entrevista a um cidadão negro que se insurgia contra o facto de os colegas de trabalho o tratarem frequentemente como "preto" em vez do Manuel como atestaria o B.I.: racismo não é o reconhecimento da diferença, é a actuação sobre essa diferença. Não se pode falar de racismo por se chamar alguém de preto, indiano, judeu, árabe ou muçulmano. A diferença existe e deve ser saudada. O que é óbvio é que associada a estas expressões existe normalmente um intuito perjurativo, e não contesto sequer que o dito entrevistado não tivesse razões para se dizer vítima de racismo, mas os excessos são também frequentes. Lembro-me de ler (ou ver) recentemente um caso de um casal que num restaurante (creio que nos EUA) havia sido classificado pela empregada que os atendera como "o casal judeu". Tinha usado essa classificação para identificar a mesa, e isso apareceu na conta que entregou ao cliente. O casal sentiu-se ofendido, protestou e acusou a empregada de racismo. A questão é, foram maltratados? O serviço foi diferente do que o que tiveram os outros clientes? Este cínico tabu da diferença é podre e falso. A assumpção da diferença só é considerada racismo porque se continua a recear essa diferença. E esse parece-me um sinal de imaturidade ou de cinismo social.

Comments:
é certo q por cá temos a nossa dose de racistas e de defensores de uma suposta mas inexistente "raça ariana" ou "céltica". Nada mais falso. Na Europa, não existe país mais mestiçado que Portugal e logo, menos racista. Eu próprio sou prova dessa mestiçagem. Embora tenha o aspecto mediterrânico normal, corre nas minhas veias sangue judeu e negro/mouro...

A designação "preto", "negro" é irrelevante. O que é relevante é o tratamento de dissemelhança, e este é em Portugal dos mais correctos da Europa.
 
Eu sou muitas vezes surpreendido pelo racismo portugues. Nao tem falanges neo-nazis (ou tem poucas destas) mas ainda assim existe, dominante no dia a dia popular.

Os ciganos por exemplo sao castigados "democraticamente" por todos, nao me lembro de alguem alguma vez ter dito algo elogioso de um cigano. Os negros sao votados a uma existencia de sub-classe, sem possibilidade de empregos dignos, numa economia semi-formal.

As herancas coloniais nao se apagam facilmente, como nao se apagam os preconceitos da nossa omnipresente igreja catolica contra a religiao judaica. Pensesse as asneiras tao portugueses, como dizer que alguem e' aciganado, ou que esta a fazer judiarias...
 
Mbeki,

Para mim a questao e porque o Manuel e' logo chamado de preto, e nao de Manuel que tambem o e'. Ou porque e' que o "casal judeu" nao e' o "casal da mesa 4". Classificacoes/diferencas ha muitas possiveis, mas as raciais parecem vir sempre primeiro, porque? Nao sao mais veridicas que as outras!

E por muito objectivo que pareca dizer a alguem que ele e' preto, o facto e' que preto nao se pode, nem se usa descritivamente sem transportar consigo o peso dos outros preconceitos culturais. Nao ha um preto-descritivo e um preto-cultural.

Vivendo num pais estrangeiro, virarem-se para mim e chamarem-me de latino, o que nao e' falso, pode no imediato e a distancia analitica nao soar insultuoso. Mas se nessa sociedade isso e' sinonimo de barulhento, corrupto, machista, foleiro, entao nao o posso ouvir com igual agrado porque me caracteriza de imediato e negativamente sem me dar chance de me mostrar como sou.
 
concordo. o racismo português é o do dia-a-dia. todos temos histórias de cenas de racismo a que assistimos de vez em quando. não de nazis organizados mas de pessoas na rua na sua vida.

portugal continua essencialmente embuído do espírito colonialista - quem nunca ouviu comentários do género "a gente trabalhou aquela terra, deixámos aquilo aos pretos e eles agora estragaram tudo"?

a mestiçagem de um povo está muito longe de ser condição para o seu não racismo.
 
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