12 março 2006

 

Civilizadores


José Hermano Saraiva tem sido um baluarte das últimas décadas em Portugal. Figura eminente durante o Fascismo, sobreviveu à democracia, tendo ainda hoje a oportunidade de reescrever a história a seu bel-prazer na televisão. No domingo passado, tive o privilégio de assistir a uma descrição do papel civilizador dos portugueses no Brasil.

Segundo Hermano Saraiva, quando os portugueses chegaram ao Brasil foram encontrar os Índios no Neolítico. Afinal, estes não trabalhavam os metais, não fiavam nem conheciam a cerâmica. Os portugueses estabeleceram a civilização, fazendo a região avançar 10 mil anos.

Eu adicionaria que nós os introduzimos no manejo do engenho de açúcar e muitos mais. Mais, quando verificamos a sua incapacidade para serem escravos, introduzimos mão-de-obra mais produtiva que fomos buscar a África. Que seria do Brasil sem os portugueses?

Quando encontrarem um brasileiro, vejam lá se o fazem agradecer...

Comments:
é...o que para uns foram conquistas para outros foram massacres. Depende sempre de que lado estamos. Mas para mim sempre foi massacre, e nunca entendi porque é que as aulas de história glorificam tanto esse tempo. Como se os fins tivessem justificado os meios. Qual é a diferença entre o que fizemos ontem e as acções dos EUA de hoje?
 
Mesmo os fins tem que se lhe diga... Entre os fins esta tb um grande atraso economico que se deve a relacao metropole-colonia, a instauracao de estruturas politicas opressoras (elites) que se eternizam. Nao quero fazer apologia das sociedades ou comunidades nao-capitalistas, mas classifica-las de tradicionais, ou barbaras, ou neoliticas como faz esta historiografia e' mais um jogo de palavras justificador. Este voluntarismo civilizador deixa atras de si um genocidio cultural, que so e' menor ao genocidio humano, fisico.
 
eu sinceramente temo pelas alminhas que aprendem história vendo os programas deste senhor...

se bem que ele a vá contando, a sua estória está tão pejada de preconceitos, imprecisões e mesmo mentiras que é de temer pensar que alguém poderá interiorizar a versão dele.
 
É melhor ver as coisas por outro lado. O que seria de Portugal se não tivesse sido o Brasil, os indíos brasileiros e todas as riquezas da terra: Se os portugueses não tivessem tido a sorte de ir parar por "acaso" ao Brasil, hoje Portugal seria insignificante, uma pequena província da Espanha e não se falava em português. Seríamos tipo assim como a Galiza, não?
 
E' bem visto que sem o Brasil as elites portuguesas talvez nao tivessem virado a mesa aos Filipes.

Ser provincia de Espanha as tantas nao era assim tao mau, de salarios e seguranca social hoje estavamos melhor. E nesse contrafactual nao iamos dar ao mesmo, sendo espanhois nao tinhamos o Brasil, tinhamos o resto da America Central e do Sul?
 
Bolas, o Brasil é o gigante adormecido. Os recursos naturais são vastíssimos. Eu acho que vai ser o país do século XXI. Já é a 10ª maior economia do mundo, atrás da Espanha.

Não me posso abstrair de um certo patriotismo, mas tentando ser o mais objectivo possível, acho que Portugal foi menos explorador que o reino de Castela e o Santo Ofício era menos persecutório. E havia a figura do Padre António Vieira.

Se houve alguma vantagem em termos culturais, o ganho foi mútuo. Por isso o tropicalismo é aquilo que é hoje... Antropofagia e hibridismo na veia ;-)
 
Sera que fomos mesmo melhor? O nosso recordar do passado so existe na medida em que esse passado deixa tracos e registos, e na medida em que esses sao coligidos em narrativas.

O colonialismo espanhol deixou-nos esses registos, graficamente nas descricoes de Bartolomeu de las Casas, mas o colonialismo portugues e' um enorme silencio. Tambem em Espanha e na America Latina ha quem tenha revisitado e reescrito a historia do colonialismo, mas o passado colonialista portugues permanece refem da historiografia fascista. Que livros temos sobre o lado negro do colonialismo portugues? So conheco os MINISTROS DA NOITE de Ana Barradas.

PS. Apologia do hibridismo de um patriota? Nao e' contradicao? ;-)
 
Sobre história não meto o bedelho. Mas há um certo cliché de que os portugueses eram os únicos europeus que não se importavam de amancebar com as indías e as negras, ao contrário dos espanhóis e dos ingleses que se achavam muito superiores. Dessa miscenização promíscua teria nascido a grande nação crioula, mulata e lusófona. Agora se houver feministas a dizerem que isso foi mas fruto de violações, investiguem ;-)

Não sou patriota, mas não ignoro eventuais "biases" derivados do facto de viver neste país há 30 anos. Tipo, é como se fosse um "bug" do sistema, falando em linguagem hacker. Muita gente da esquerda critica os "biases" do pessoal de direita mas depois nunca reconhece os seus próprios "biases". Isso compromete a possibilidade de uma discussão intelectual baseada na empatia - isto é, a capacidade de ver as coisas pelo outro lado.

BTW, no "political compass" fico quase sempre bem no meio do quadrado que coincide com o eixo do liberalismo e da esquerda :-)
 
Nao precisamos de ser feministas para acusar as praticas violadoras das plantacoes. E essa conversa da mistura entre racas tresanda a lenda. Os casos que conheco, alguns familiares, de contacto inter-racial foram sempre motivo de vergonha. E se o eram no fascismo, no seculo XX, custa-me a ver como seriam melhores no alegadamente civilizador seculo XV.

O conceito de hibrido escapa-me. Se existe um hibrido entao este sera "nem carne, nem peixe", sera um outro certo? Mas tantas vezes vejo a descricao aditiva, de um que se soma outro.

Podem ser os portugueses: europeus e tropicais? Um mais o outro? Podem ser outra coisa que seja nem um nem outro. So no mais superficial eu diria que houve miscenização cultural: nas comidas, na musica,... Nos valores e na estrutura social os portugueses sao europeus ate ao tutano, mesmo que com o qualificativo de europeus do sul.
 
Sim, mas a influência mais forte foi a dos portugueses no Brasil. Aí, há de certeza uma hibridização. Cá não, muito pelo contrário... E houve muito poucas pessoas a valorizarem o ambiente cultural brasileiro por cá, Eles lá, reapropriam-se de tudo, é uma fusão total. Vide Manifesto Antropofágico do Oswald de Andrade.

Em relação à mistura das raças, a verdade é que há hoje mais de 200 milhões de pessoas a falarem português ou sub-dialectos. Tendo em conta a dimensão e a população do país, é porque algo se passou... Porque senão, o castelhano seria hoje a língua mais falada do mundo.
 
em cinco fortuitos minutos de interregno no exercício de zapping, foi possível ouvir desse ex-ministro do fascismo (ex-ministro sim, ex-fascista não, óbvio) pérolas como "(...) na primeira república como hoje os partidos dividem, a nação une!"(...)"(...) também por isso sou nacionalista"...que é de um descaramento que infelizmente passa despercebido ao ouvidos do povo vista a confusão que, não raras vezes, se faz entre léxico tão distinto como seja "nacionalismo" e "patriotismo".
 
Podem ser diferentes mas a mim de "patriotismo" nao me convencem...
 
Enviar um comentário

<< Home


   

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

   
   
Estou no Blog.com.pt