08 março 2006

 

As derrotas das quotas


Está escrito no secreto manual do bom oportunismo político que o Dia da Mulher tem de ser capitalizado de alguma forma. Volta hoje a falar-se das quotas na participação política. A pouca participação das mulheres na vida política portuguesa - ou as discriminações no trabalho, no desemprego, nos salários, nas tarefas domésticas - são reflexo de uma desigualdade social enraizada, e que não pode ser eliminada por decreto. Criem condições para as mulheres se afirmarem, reforçem os direitos de paternidade, tornem o trabalho e os salários iguais, e verão as mulheres a assumir a posição de igualdade social que é suposta. Declarar a necessidade de quotas é assumir duas derrotas: a de que é impossível mudar a estrutura machista da sociedade portuguesa, e assim sendo, perguntem-se, o que andam a fazer na (da) política?; e a outra derrota, a mais grave, é a de presumir que as mulheres não conseguem sem ajuda. E isso, a mim que não sou mulher, ofende-me.

Um dos aspectos mais preocupantes nesta situação é eu concordar com a posição de Ribeiro e Castro (concordo mais ainda com a do PCP, mas isso é informação pouco sensacionalista, dado o contexto, e temos sempre de agradar aos leitores, esquecendo o rigor se necessário).

Comments:
Mbeki,

é um argumento possível, ainda que já um pouco gasto. Não tento especular sobre o que as quotas não são: não são para mudar o mundo, não vão acabar com a desigualdade, com a discriminação, não vão mudar os salários.

Tento ver as quotas por aquilo que são: uma forma de acabar com a desproporcionalidade grotesca na representação política (parlamentar e outra). Só isso. E se regras são precisas, so be it. O único atestado de incompetência que se passa é às burocracias partidárias, por não serem capazes de escolher mulheres para lugares tradicionalmente masculinos. E se te faz muita confusão, inverte a leitura das quotas: a partir de agora, não poderá haver mais que 70% de homens nas listas partidárias. Soa melhor?

Nem sempre as grandes conquistas sociais se fizeram de lutas românticas. A política de afirmação positiva é um exemplo de regulação que serve para combater desigualdades raciais. E se achamos que nem sempre a auto-regulação funciona (basta pensar no mercado), porque não meter o bedelho nos bureaux partidários?

Abraço,
Nongoloza

PS - Pensa no argumentário conservador em relaçao aos casamentos homessexuais: 'as mentalidades dos portuguese não mudam por decreto'. Pois não, mas há que começar por algum lado...
 
A mim, que sou mulher, as quotas nao me ofendem. Claro que se deve lutar por uma sociedade mais justa em que nao seja necessario quotas, mas enquanto isso nao muda, ha que reduzir a desigualdade entre homens e mulheres.

As quotas nao assumem que as mulheres "nao conseguem sem ajuda". Acho que este e' um argumento tradicionalista da direita. O que as quotas assumem e' que esta e' uma sociedade injusta e machista, que nao se reforma por si. E' como as quotas nas universidades para os estudantes africanos. Sabemos bem que nao sao menos capazes do que nos, mas acontece que nao tem as mesmas oportunidades.

Agrada-me que os machos, como o ezecravel Ribeiro e Castro, tenham que ouvir e discutir com mulheres cada vez que vao ao parlamento.
 
tb concordo mas fica a correcção: foi a dolores e não a mystique.
 
Não deixo de concordar com o argumento da discriminação positiva. Mas neste caso, o que me faz pensar duas vezes é o facto de esta "lei da paridade" se aplicar apenas no parlamento, deixando de fora cargos públicos, chefias, administração, exército e forças de segurança, etc., tudo pontos onde governo pode e deve intervir directamente. Concordo que se deva mudar por decreto quando a sociedade não consegue, aliás, é isso a política, marcar direcções de evolução/mudança social, mas esta "paridade" parece-me apenas uma forma de dificultar a vida a partidos como o CDS, intrínsecamente machistas (o que por si é um argumento aliciante...), e não um real esforço de mudança social. Por si só, a medida vale muito pouco, para não dizer nada.
 
E Dolores, a mim que não sou mulher, não são as quotas que me ofendem, é a ideia de que as mulheres não são capazes...
 
Como já disse noutro post (que era suposto ter sido aqui...), as quotas, mesmo enquanto instrumento de descriminação positiva, fazem-me mesmo confusão. E acho que é por ser mulher e até acho que é por ter o meu cunho de feminista... Não é por aí e, infelizmente, é só disso que se ouve falar no que diz respeito às políticas de igualdade. Se puserem as quotas mas, pelo menos, falarem e fizerem alguma coisa do que realmente interessa, ainda é como o outro... Agora assim? As quotas não servem rigorosamente de nada! A principal razão pela qual as mulheres não chegam ao parlamento não é estar alguém a barrar-lhes a entrada. É o facto de os lugares de topo e de elevada competência (sei que é uma premissa pouco válida na política partidária) de onde provém os políticos serem realmente ocupados por homens. Então, é preciso trabalhar, e muito, nas condições sociais que geram essa desigualdade de base. E aí há muito a fazer. Mas disso, pouco se fala. E isso, sim, mudava alguma coisa.
 
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