12 fevereiro 2006
Vidas Musicais
O género “biopic” (filmes biográficos) não nos tem oferecido grandes obras. Walk the Line é talvez o melhor que tenho visto. A narrativa trata as tribulações de Johnny Cash, da sua infância até ao seu casamento com June Carter e aos épicos concertos nas prisões de Folsom e San Quentin de 1968-9. Devia esfumar e espernear de irritação por um enredo que trata tão apoliticamente um dos heróis da guerra civil Americana dos anos 60 e 70. Devia bocejar face à repisada história da celebridade que se afunda num pesadelo de drogas e excesso, e finalmente encontra redenção no amor de uma mulher. Mas comparado por exemplo com Ray ou Ali, Walk the Line é sublime. As personagens não são reproduções andróides das memórias colectivas das celebridades, como em Ali quando somos forçados a revisitar os grandes combates que a narrativa dispensava. Em Walk the Line cada música e concerto tem um papel a desempenhar, são momentos que comunicam algo. Joaquin Phoenix com o seu olhar duro de terror, é mais que um esboço do homem que veio representar, o mesmo não se pode dizer de Jamie Foxx em Ray. É uma boa história, mas uma história que dispensava ser biografia. Ser biografia tem valor meramente promocional.
Para mim a narrativa cinematográfica não serve para a biografia. A boa biografia, à laia de J.P. Sartre ou R. Barthés, é anti biográfica, em oposição às “vidas dos santos” modernas que se vendem em massa, onde se relata: “como fiz uma fortuna,” “como encontrei a fé,” “como venci a droga,” “como venci a doença.” Estas biografias são como catecismos, armas numa batalha pela nossa conformidade ideológica, a querer impor um trajecto universal de vida. Na anti-biografia o biografado nunca nos pode ensinar porque nunca se materializa, permanece sempre em construção e incompleto. Esse biografar é subversivo. Primeiro, porque recusa o “somos assim e pronto,” somos sempre muitas coisas. Segundo, porque revela determinismos sociais que tantas vezes a voz autobiográfica, ou o biógrafo em busca de intimismo com o seu objecto, obscurecem. Para quando uma anti-biopic?!
Comments:
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é o que dá o filho co-produzir um filme sobre o pai (achei sobretudo lamechas o enredo desembocar na feliz vida conjugal de June Carter e J.Cash). Mas a actuação de Joaquim Phoenix está excelente, sobretudo por ser ele próprio a cantar as músicas. Já não sei é se valeria a pena voltar à Folson prison para reeditar o episódio, como o fez aqui há pouco tempo...
A ida recente de J.Phoenix a Folsom e' abusadamente o artificio promocional.
O sentido politico esta obviamente perdido. "Arranjei" os albuns ao vivo em Folsom e em San Quentin e sao um show de raiva e provocacao contra o sistema prisional, mas nesta visita de J.P sente-se antes um acto caritativo... Mais uma dessas conversoes simpaticas com que o "espectaculo" digere a historia.
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O sentido politico esta obviamente perdido. "Arranjei" os albuns ao vivo em Folsom e em San Quentin e sao um show de raiva e provocacao contra o sistema prisional, mas nesta visita de J.P sente-se antes um acto caritativo... Mais uma dessas conversoes simpaticas com que o "espectaculo" digere a historia.
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