06 fevereiro 2006

 

Cartoons e terrorismo


Sei que venho atrasado, efeitos da info-exclusão. Aqui vai um texto de sábado:

A polémica da representação do profeta Maomé tem-se prolongado e inclusivé despoletado reacções mais volentas. Já tinha abordado superficialmente esta questão num artigo anterior (Fundamentalismos e “Um traço distintivo chamado liberdade” de 1 de Fevereiro), mas pelas proporções tomadas creio ser necessário voltar a abordar a questão. Sendo que os cartoons eram diversos, o que chegou ao meu conhecimento era a representação da cabeça do Profeta com um rastilho a sair do seu turbante/bomba. A associação entre o Islão como um todo ao bombismo/”terrorismo” vem, no contexto actual, necessariamente tomar uma posição marcadamente anti-islâmica que nem George W. Bush se atreve assumir.

Sendo que apenas é mais uma acha para a superioridade moral do Ocidente propalada por alguns sectores, acabou por funcionar ela própria como o acender do rastilho de uma situação já de si tão precária. Exemplos referem-se à questão da Palestina, da ocupação do Iraque (em que a Dinamarca participa - tendo sido o quarto país a declarar a guerra) e até mesmo na recente polémica com o Irão. A assimetria das posições tomadas comparativamente a outras países, nomeadamente Israel (ques eestima ter 200 ogivas nucleares!!!), deixa mossas. Desta forma, pode-se estabelecer paralelos com a ida de Ariel Sharon, então ainda na oposição, ao Pátio das Mesquitas em Jerusalém, a qual na altura desencadeou uma nova Intifada.

Muitas têm sido as vozes no Ocidente, especialmente no meio jornalístico, solidarizando contra a “censura”. De facto, é natural que muitos destes jornais sintam dificuldade em compreender o porquê do incómodo causado pela simples publicação de uns cartoons, quando a maior parte destes jornais publicaram e publicam frequentemente peças de descarado apoio à agressão e ocupação do Iraque. Quanto ao argumento da liberdade de imprensa só me resta rir. Toda a gente sabe, especialmente os que estão ligados ao meio, que a maior parte, se não todos os jornais e jornalistas são mantidos sobre rédeas firmes. Afinal, quem manda é o dono e a margem de manobra raras vezes é larga o suficiente para se ir contra o status quo.

O último aspecto que gostava de abordar é a comparação entre estes cartoons e, por exemplo, o cartoon de António com o anterior Papa com um preservativo no nariz para mostrar a “nossa” superioridade civilizacional. Os cidadãos do país que 30 anos após uma ruptura com um passado conservador e medievalista continua incapaz de oferecer uma educação sexual e afectiva à sua população ou sequer cumprir a actual lei de Aborto por fundamentalismo religioso, seria melhor que olhassem para o seu próprio país. Para além disso, tenho certeza que caso aparecesse cartoons sobre Jesus (o mais correcto homólogo de Maomé), muita tinta correria.

Comments:
Ja eu acho que o problema transborda as fronteiras em que o confina. Na verdade, tenho escutado muitos líderes muçulmanos, nomeadamente no Reino Unido, a advogar que o Islão no seu conjunto deveria repensar a sua relação com as democracias seculares. Inclusivamente, falei hoje com três jovens crentes nos ensinamentos de Alá que concordaram que, nomeadamente no Médio Oriente, não há capacidade de encaixe; as mentalidades estão fechadas e sempre que algo vem ferir susceptibilidades recorre-se, vezes de mais, à violência, vide os ataques às embaixadas ocidentais.

Não quero com isto dizer que o timming da republicacao dos cartoons tenha sido o mais acertado.

O que digo é que ou o Islão tradicional muda, encara que outros, como eu, têm o direito de pensar e de expressar o seu pensamento, e de não reagir em ódio, ou então estamos todos tramados.

Ao contrário do que diz, no Ocidente a grande maioria dos cristãos são todos os dias ofendidos pela mainstream media, com o seu cortejo de sexo, cheap jokes, dinheiro fácil, lúxuria e por aí fora. A grande difença é que no Ocidente o Direito à Liberdade de Expressão (dentro de uma certa razoabilidade) tem sido um dos nossos fundamentais valores. Pelo contrário, no mundo islâmico não há Liberdade de Expressão, não há Democracia, porque os estados não são laicos, ao contrário das nossas democracias seculares. Veja-se O Irão, a Síria, a Jordânia, e tantos outros.

Experimente ir para lá e, por exemplo, dizer às pessoas que Ala não existe, que não passa de uma ficção. No ocidente pode dizê'lo, as pessoas podem gostar ou não, mas não vai preso por isso. Lá vai com toda a certeza.

Saudações bloguísticas
 
Daviduskas: as generalizacoes sao sempre complicadas; para la das ditaduras que se reivindicam do islamismo, ha muitos paises muculmanos que aceitam a liberdade de culto, e que sao profundamente cosmopolitas a esse nivel.

Mas Samir tem razao: a memoria e' curta e ja ninguem se lembra, por exemplo, do que aconteceu em Paris, ainda aqui ha poucos meses...
 
Interessante que o jornal que começou isto tudo já foi apoiante dos nazis. Este mesmo jornal, em 2003, recusou cartoons sobre Jesus, dando como razões que alguns dos seus leitores se sentiriam ofendidos.

Confesso que sou contra a proibição da publicação destes cartoons ou de outras. Mas considero que devem ser politicamente e moralmente condenados pelas suas posições xenófobas e fundamentalistas.

Evidentemente que um governo que tem as mãos cheias de sangue de Irquianos como o Dinamarquês falta capacidade moral para os condenar.

Interessante ver o low profile (censura?) dos cartoons em Inglaterra e EUA, os maiores agressores...
 
Em Inglaterra ja tiveram chatices (protestos) que cheguem e nem os publicaram, nem imagino o que seria com a publicacao.
 
Mas a questão é exactamente essa!

Quanto mais sangue nas mãos (Iraque, etc), mais o cuidado de não ferir sensibilidades...
 
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