01 dezembro 2005

 

Do choque ao plano


Campanhas eleitorais são fáceis de esquecer, sobretudo, quando se é um mero espectador do circo eleitoral – tão rico em malabaristas, palhaços e bestas. Da última campanha recordo-me, já em contornos sumidos, da promessa de um “choque tecnológico.” Na altura a ideia divertiu-me porque simbolizava o amadorismo dos nossos políticos. Eis o previsto partido do poder, eis a sua principal ideia programática, e de todas as possíveis descrições escolhem “choque.” O PS prometi-nos assim um embate, uma súbita alteração, um golpe violento sobre o pais – que sinceridade!

Meses passados e deu-se uma correcção no marketing. Não se trata de um “choque” mas antes de um “plano tecnológico.” Antes de existir, o plano já tinha site, e prometia-se: “acção para levar à prática um conjunto articulado de políticas que visam estimular a criação, difusão, absorção e uso do conhecimento, como alavanca para transformar Portugal numa economia dinâmica e capaz de se afirmar na economia global.” Fomos assim de “choque” para “alavanca,” que sempre é melhor como imagem, já que nos eleva para o topo da economia mundial.

Agora, finalmente, a longa espera pelo plano - de que tanto se falava mas pouco se dizia – terminou. O primeiro-ministro divulgou com orgulho uma volumosa colecção de documentos de trabalho que pretendem concretizar a nova estratégia. Para quem tem a paciência de ler (e eu tive alguma) é difícil encontrar o plano no “plano.” Os documentos de trabalho lêem-se como introduções a cadeiras de mestrado em economia industrial e da inovação (agradecimentos ao departamento de economia do ISEG), engalanadas com muitas e muitas tabelas, coloridos, variados e complicados esquemas. De sonora convicção não há falta, com frases bonitas e heróicas como: “vencer o atraso científico e tecnológico”, o “desafio dos recursos humanos”, “imprimir novo impulso à inovação.”

Este não é ainda um plano. A grande ideia dos documentos e dos académicos é: criar e reforçar “redes de transmissão tecnológica e da inovação.” Do diagnóstico não se segue acção, não se anunciam mecanismos de comando ou de controlo. O que se projecta é mais uma série de mecanismos de crédito para insuflar pequenas e médias empresas, que prontamente se autodestroem deixando um rico patrão e uma mão cheia de jovens desempregados. Entretanto o orçamento de estado para o ensino superior e para a investigação vai bem cortadinho este ano porque “o combate contra o défice” é mais importante.

Sócrates é um gestor de terceira categoria a dar poses de sábio timoneiro, que inventa campanhas cosméticas para adiar o inevitável reconhecimento da sua nulidade. O “choque-plano” é uma diversão que se tiver efeitos reais será o de rechear bolsos em fatos Armani. E assim se vai fingindo que Portugal tem uma política de desenvolvimento económico.



   

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

   
   
Estou no Blog.com.pt