17 novembro 2005

 

Seguidismo


Tem dias em que me parece que neste país não se pensa. Por azar leio duas linhas do Luís Delgado onde fico a saber que os anglo-saxónicos criaram uma ciência da governação que dispensa debate ou política. De seguida, tropeço numa crónica do Eduardo Prado Coelho que recorda saudoso as promenadas entre a elite cultural parisiense, e logo nos intermedeia a sabedoria desses gigantes. Por habituação já não questiono que a classe intelectual lusa se limite a reciclar a opinião, já datada, vinda das grandes capitais. Não se pode esperar mais de um país periférico a quem só resta o sonho de ser comprado aos lotes pelo Primeiro Mundo.

Mas este seguidismo não precisava ser tão pateta. Uma das mais recentes manias a varrer os blogs nacionais é o “intelligent design.” Não há melhor testemunho da nossa pobreza cultural que a importação de uma controvérsia que nada tem a ver connosco. Como a classe média que faz férias em Nova Iorque, Londres, ou Paris para certificar a sua afluência, agora debate-se o “intelligent design” porque assim comungamos com o Primeiro Mundo. Este é afinal um debate sem valor científico que nem novo é. Ele reemerge episodicamente nos EUA desde o final do séc. XIX, e as posições traçadas são as da “culture war” americana – Norte contra Sul, costas Este e Oeste contra o interior do país. Só não vê quem não quer que a motivação para o “intelligent design” é ostensivamente evangélica e que os seus objectivos são políticos, nomeadamente a reforma curricular dos liceus. Os sumo-pontífices da “teoria” tem um verniz de respeitabilidade que estala depressa (por exemplo o departamento do pai da teoria - Michael Behe - nega qualquer valor no seu trabalho). A ténue credibilidade que este movimento grangeia mede-se pelo que a direita evangélica lhe pode comprar, bombardeando a Internet e os púlpitos de propaganda. Entretanto debates bem mais interessantes em biologia, como a recente reavaliação do evolucionismo adaptativo são ignorados.

É caso para ser-se herético e concluir que o “intelligent design” não lembra nem ao menino Jesus. Deixem-se disso!



   

This page is powered by Blogger. Isn't yours?

   
   
Estou no Blog.com.pt