20 fevereiro 2005

 

O direito ou o dever de votar


Durante as campanhas eleitorais dizem-nos que "o voto é um direito e um dever". Porquê, pergunto frequentemente.

A vertente do voto ser um direito é de fácil entendimento, sobretudo no caso português, em que os fantasmas do "Deus, Pátria e Família" ainda interferem com as noites de muito cidadão incauto. Nesse sentido, o voto é a afirmação da cidadania, de que todos são treinadores de bancada no estádio nacional. Ou seja, deveria representar um sinal político de que a nossa opinião interessa para alguma coisa, e que vai influenciar de alguma maneira o rendimento da equipa. Esta é a interpretação institucional, porque na prática sabemos que as vontades não são consideradas pelos eleitos, que as campanhas eleitorais são um chorilho de mentiras, de promessas vãs e demagógicas, e que quando se chega ao poder, o objectivo é continuar a satisfazer os interesses da classe dominante. Se olharmos também para a gritante escassez de cultura e de debate político na sociedade, em boa parte estimulado pelos próprios partidos e pela verborreia acéfala da comunicação social, sustentada com o aval do capital, percebemos como a coisa se tem mantido. Essa falta de cultura política acaba por negar completamente o "direito ao voto", porque não é um voto informado. Basta ver a qualidade do debate político desta campanha... Alguém sabe qual é a diferença entre o PS e o PSD, para além dos cartazes reles e da fotogenia dos candidatos?

Quanto ao voto ser um dever, acho que o conceito acaba por estar relacionado com o contrato social. Ao fazermos parte de uma sociedade, beneficiamos com ela, mas também temos responsabilidades. Uma delas será a de contribuir e validar a organização política, permitindo assim a manutenção desse contrato social. E se queremos alterar o contrato social, onde é que pomos a cruzinha? Foi com alguma curiosidade que vi paredes lisboetas forradas de cartazes a apelar a voto em branco, assinados por uma associação até então para mim desconhecida. A ideia deles é utilizar o voto em branco como um protesto contra a degenerescência do país. Independentemente de quem está por trás da campanha (pelo aspecto do site e dos cartazes, há €€€ em abundância), a utilização do voto como protesto não é uma ideia nova. O dever de votar acaba por implicar o dever de legitimar um modelo. No entanto, a abstenção é comummente vista pelos convenientes (coniventes?) analistas políticos da nossa praça como desinteresse (o que em si também é um problema), ou como um grau tão elevado de confiança no sistema, que o cidadão nem necessita de votar... Daí haver uma diferença entre a afirmação política da abstenção, e a afirmação feita por aqueles que se arrastam para fora da cama ao domingo, indo largar no caixote preto o voto rasurado, anulado, cheio de frases pouco confortáveis para o "Estado de Direita" ou simplesmente branco.

Portanto, sim, votar é um direito se houver informação e cultura política, não, votar não pode ser um dever se servir apenas para legitimar um modelo social que já provou os seus podres. O apelo que nos é feito em período eleitoral é assim um pedido para que digamos que tudo vai bem, e pensemos que a melhoria das nossas condições de vida chega apenas pela escolha do outro partido, e não pela radical rescisão do decrépito contrato social...




   

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